A Polícia Civil de São Paulo (PC-SP) identificou mensagens do autor dos ataques nas redes sociais, mostrando como seria a ação e recebendo apoio de outros internautas. Por algumas horas, o termo “Nosso cria” ficou entre os assuntos mais comentados do Twitter. A frase estava sendo utilizada por apoiadores do responsável pelos ataques, recebido como herói pela subcomunidade extremista.
Segundo o sociólogo Israel Pinheiro, o discurso de ódio contra minorias e a união de pessoas que se identificam com pautas extremistas não é novidade. “Com o avanço das redes sociais, no final dos anos 1990 aos anos 2000, os grupos de extrema-direita passaram a se organizar em grupos contra públicos, ou seja, que iam de contra minorias“, afirma.
Sílvia Palmieri, mãe da professora Patrícia, que não foi ferida, deixa a Escola Estadual Thomázia Montoro, em Vila Sônia, após aluno atacar colegas e professoras à faca (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)
Para ele, o avanço das tecnologias colaborou para a propagação dos grupos alternativos e a formação de comunidades cada vez mais extremistas. Os discursos que pautam esses grupos giram em torno de piadas de cunho racistas, homofóbicas e machistas, que passam a mobilizar ataques online contra esses grupos e ganham corpo com ataques físicos orquestrados por grupos cada vez mais extremistas.
“Temos cada vez mais jovens acessando conteúdos extremistas que acabam causando uma formação subjetiva, ou seja, eles incorporam normas, regras e sentidos a partir da interação com sujeitos que fazem partes das bolhas de internet e a partir desse aprofundamento o algoritmo vai impulsionando as pessoas para determinados grupos, causando um processo de endurecimento da identidade desses grupos em um processo de proliferação cada vez mais complexo“, avalia o sociólogo.
O especialista afirma que entende a revolta da sociedade quando atos infracionais como esse acontecem, mas defende que o discurso punitivista não é a solução. “Vi muita gente comentando sobre a maioridade penal, eles retomam esse discurso para dizer que mais punição resolveria esse problema, mas o que acontece, na verdade, é o contrário, criam-se outros problemas que a gente como sociedade não precisa no momento“, avalia.
A psicóloga Samiza Soares acredita que casos como o ocorrido em São Paulo acentuam a discussão sobre saúde mental e as redes sociais. “A violência nas escolas não é um problema novo, mas a frequência desses casos e a violência extrema usada pelos agressores é algo que deve nos fazer refletir sobre as causas profundas desse fenômeno“, pontua.
Para a especialista, muito se discute sobre a situação mental do agressor, e num primeiro momento a sociedade acaba se voltando para comorbidades psiquiátricas, como esquizofrenia, psicopatia e outros. “A parte psicológica desse atentado é complexa e possui características variadas e peculiares. O ambiente escolar pode ser um gatilho para alguns desses fatores de risco“, avalia.
“A pressão para ter um bom desempenho acadêmico, o bullying, o estresse e a ansiedade podem levar alguns jovens a desenvolver problemas de saúde mental, como a depressão e a ansiedade. Além disso, a falta de apoio emocional e a falta de recursos para lidar com esses problemas podem levar alguns jovens a se sentirem desesperados e sem saída, o que pode atingir o ponto mais alto, levando para comportamentos violentos“, considera.
Terapeuta e psicanalista amazonense, Samiza Soares (Divulgação)
Samiza entende que é fundamental as escolas e a sociedade estarem atentos aos sinais de alerta que os jovens dão. Apesar de sinais silenciosos e quase imperceptíveis, é possível notar semelhanças nos casos, seja por um isolamento ou mudanças no comportamento. “A prevenção da violência escolar deve ser uma prioridade para todos nós, e isso começa com a criação de um ambiente escolar seguro, acolhedor e inclusivo, onde todos os jovens se sentem valorizados e apoiados“, afirma.
Conforme a terapeuta, é preciso tornar relevante o papel da psiquiatria dentro das escolas na prevenção de violências não só físicas como mentais. “Por meio de uma avaliação cuidadosa do histórico emocional, social e familiar de um adolescente, um terapeuta pode ajudar a identificar as causas ocultas do ódio e desenvolver um plano de tratamento personalizado“, diz.
Histórico de violência
Sem demonstrar emoções na confissão, segundo a PC-SP, o jovem tem histórico de violência e preconceito. O adolescente utilizava as redes sociais para referenciar outros atentados, como o Massacre de Columbine, em 1999, nos Estados Unidos, que resultou em 13 mortes, e o atentado de Suzano, em 2019, que resultou em oito mortes no Brasil.
Policiais civis foram na casa do adolescente, onde localizaram uma pistola de pressão, máscaras e bilhetes. O adolescente foi submetido a exame de delito no Instituto Médico Legal (IML) na segunda-feira, 27. Por ter idade abaixo da maioridade penal, o jovem foi transferido para a Fundação Casa do Brás (antiga Febem).
Discurso de ódio propagado em grupos influencia mente de jovens, afirma especialista (Unsplash/Priscilla du Preez)
A maioridade penal se refere à idade em que a pessoa passa a responder criminalmente como um adulto. No Brasil, a idade mínima começa aos 18 anos, segundo o artigo 228, da Constituição Federal de 1988. “São penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial”. A afirmação também está presente no artigo 27 do Código Penal e no artigo 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Lei nº 8.069/1990).
Conforme a Lei, o adolescente pode ficar até 45 dias internado na unidade, até que a Vara da Infância e Juventude analise o caso. O autor do ato infracional não será encaminhado à penitenciária e deve ficar internado na Fundação Casa pelo tempo máximo de três anos.
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