Mais de mil economistas pró-Lula assinam manifesto em favor da democracia e contra projeto político-econômico de Bolsonaro

Presidente Jair Bolsonaro (à esquerda) conversa com ministro da economia, Paulo Guedes. (Germano Oliveira)
Ívina Garcia – Da Revista Cenarium

MANAUS — Para um grupo de mais de mil economistas e apoiadores da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), as políticas governamentais adotadas por Bolsonaro desde 2018 estão “afundando” o Brasil em uma estagnação econômica “sem precedentes na história”, que mostra o “inegável retrocesso” econômico do País.

Em resposta, o grupo de economistas elaborou e subscreveu o manifesto “Movimento dos Economistas pela Democracia e Contra a Barbárie”, que o posicionamento do grupo em relação às eleições que se aproximam e às medidas necessárias para recuperar o crescimento sustentável com redução das desigualdades.

Para o coletivo de economistas, a relação entre pobreza e o aumento do custo de vida no Brasil escancaram a situação de pobreza em que o País se encontra atualmente. De acordo com o número de cadastrados no CadÚnico, para programas sociais de distribuição de renda, existem 14 milhões de famílias em extrema pobreza, número mais alto desde 2014.

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O descaso do governo federal, principalmente em garantir a sobrevivência e segurança alimentar do povo mais vulnerável, está presente principalmente no discurso que atribui ao fechamento das empresas na época mais crítica da pandemia da Covid-19. O presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ministro da Economia, Paulo Guedes, defendem até hoje uma suposta teoria de “imunidade de rebanho” e que o comércio não deveria ter fechado.

Vale lembrar que o Brasil perdeu mais de 600 mil pessoas para a pandemia e o número poderia ter sido ainda pior caso não existisse a autonomia dos Estados e municípios no controle de vigilância e saúde, que ajudaram a conter o avanço do vírus.

“A saúde foi fortemente debilitada, em um dos momentos em que mais precisamos do setor em nossa história. Como resultado, tivemos mais de 10% das mortes mundiais, sendo que representamos 2,7% da população do planeta. Os danos para o futuro do País são incomensuráveis”, avaliam os economistas.

Mais de 600 mil brasileiros foram vítimas da Covid-19. Famílias ficaram desestruturadas e País passou por crise na saúde (Pilar Olivares/Reuters)

No documento assinado por economistas de todas as regiões do Brasil e que será entregue à Coligação ‘Vamos Juntos Brasil’ de Lula, nesta quarta-feira, 15, em ato público, eles avaliam que o atual governo implantou um projeto autodestrutivo que aprofundou as desigualdades sociais já nítidas na sociedade brasileira.

“Bolsonaro (…) privilegiou ainda mais o rentismo e os grandes interesses financeiros e nos levou às portas a barbárie”, diz o texto, que aponta o enfraquecimento das instituições, principalmente das que foram privatizadas ou desarticuladas pela troca de poderes e diminuição de pessoal, a exemplo da Funai e Petrobras.

O documento também escâncara a tentativa de viabilizar um golpe por parte do presidente, que mesmo ganhando a eleição de forma democrática em 2018, proferiu inúmeros ataques às urnas e ao sistema eleitoral brasileiro, reconhecido como um dos mais seguros do mundo.

Palácio do Supremo Tribunal Federal (STF), na Praça dos Três Poderes, em Brasília (Fábio Rodrigues/Agência Brasil)

Bolsonaro tentou intimidar o Supremo Tribunal Federal (STF) e já deixou claro que questionará as eleições de 2022. “Com o intuito de negar aos brasileiros e brasileiras o direito de eleger seus representantes, ao mesmo tempo em que tenta persistentemente violar a liberdade de expressão daqueles contrários ao seu projeto”, opinam os economistas no documento.

Os ataques do presidente à liberdade de expressão e imprensa são corriqueiros. Uma pesquisa recente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) aponta o crescimento de 22% no número de atentados, agressões, ameaças e intimidações, em 2021, a jornalistas e à imprensa de modo geral. Dentre o número geral, 46 ataques vieram diretamente do presidente, sendo ele o principal autor das ocorrências.

A sensação de insegurança aflorou-se com o desaparecimento do indigenista da Funai Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, em expedição pela Amazônia, na região entre a Comunidade São Rafael e o município de Atalaia do Norte, no último dia 5. O governo federal mostrou omissão ao não agilizar as buscas, Bolsonaro inclusive chamou de “aventura” e deixou clara a ausência do poder nos locais mais distantes do Brasil, entregues à barbárie e ao tráfico de drogas.

Leia mais: Desaparecimentos de Dom Phillips e Bruno Pereira intimidam jornalismo e ativismo na Amazônia, aponta UFPR

Vigília por Bruno e Dom em frente à Caixa Econômica, em Belém (Foto/Reprodução)

Segundo o manifesto, as acusações constantes e ataques de Bolsonaro geram uma instabilidade política e afetam negativamente a imagem do País, causando um mal-estar com a comunidade internacional, afetando diretamente as relações de negócios com empresas multinacionais.

“Os investimentos públicos foram travados, reduzidos ao seu menor valor. Políticas públicas voltadas para educação, ciência e tecnologia, preservação ambiental e garantia dos direitos humanos foram abandonadas. Os programas de transferência de renda foram instrumentalizados para fins eleitorais e fragilizados, não alcançando toda a população que deles necessita”, apontam.

De acordo com os economistas, pela primeira vez em 25 anos, Bolsonaro entregará ao fim do mandato, em 2022, um salário mínimo inferior, em comparação a poder de compra, do que aquele que a população recebia durante a posse, em janeiro de 2018.

“A política de Bolsonaro visa desregulamentar as atividades econômicas, dar autonomia para que as empresas privadas, muitas delas oligopólios, autorregulem-se e se vejam livres das leis de proteção socioambiental”, afirmam.

É durante o Governo Bolsonaro que o Brasil passou a registrar índices altíssimos de devastação das florestas em detrimento do avanço de garimpeiros ilegais em Terras Indígenas que são guardadas por lei, mas que, na prática, são estimulados a invadirem e explorarem os recursos.

“A frente de expansão do capitalismo dependente brasileiro passa a girar em torno do agronegócio, em especial o complexo de grãos e carnes, estimulados pela dinâmica internacional, do extrativismo mineral com tudo que lhe é inerente: devastação ambiental (inclusive pelo uso intensivo de agrotóxicos), social e cultural, com um conflito permanente em torno da ocupação e do uso da terra”, pontuam.

Bolsonaro no exterior

Na política internacional, Bolsonaro é conhecido por renunciar a soberania nacional. Ainda nesta semana, ele esteve na Cúpula das Américas, onde se reuniu com Biden, pediu colaboração para as eleições de 2022 e disse que trabalha para defender os interesses dos EUA. Em outras ocasiões, Jair cometeu crime de lesa-pátria, considerada uma traição à soberania do País.

Eles avaliam que o projeto político de Bolsonaro é de implementar: “Um sistema político autoritário, uma ditadura neofascista que pretende se perpetuar armando as polícias e milícias para concretizar sua aspiração de poder”.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) durante primeira reunião bilateral com o presidente americano Joe Biden (Foto: Jim Watson/AFP)

“Nós, economistas, que subscrevemos este manifesto, entendemos que a superação desse quadro exige uma união em defesa da democracia, dos direitos humanos e da Constituição de 1988. Um pacto em defesa da civilização e contra a barbárie, multipartidário, o mais amplo possível, como expresso na frente partidária que lançou a pré-candidatura Lula/Alckmin”, afirmam.

O manifesto também aponta caminhos para que o próximo governo consiga recuperar o Brasil e tornar o País menos desigual, como segue na lista abaixo:

• Promoção de uma Reforma Política baseada nos princípios de fortalecimento dos partidos políticos e aumento da participação popular por meio de plebiscitos, referendos e conselhos setoriais deliberativos;
• Extinção do teto de gastos e criação de uma nova regra fiscal que compatibilize a sustentabilidade de médio e longo-prazo da dívida pública, essencial para administrar a fragilidade financeira do Estado Brasileiro, com o aumento necessário dos gastos com educação, saúde, assistência social, cultura e políticas de apoio a negros, povos tradicionais, mulheres, portadores de necessidades especiais, juventude e LGBTQIA+;
• Reativação dos conselhos de políticas públicas que foram extintos na Gestão Bolsonaro. Em especial, a retomada do funcionamento pleno do Consea e dos instrumentos nacionais de combate à fome e à miséria, das políticas de estoques reguladores e de preços mínimos, e do forte apoio à agricultura familiar;
• Promoção de uma mudança profunda na política econômica, social e ambiental cujo caráter ortodoxo, neocolonial e neofacista aprofunda as tendências à estagnação econômica e exacerba as múltiplas desigualdades – de renda e riqueza, regional, de raça/etnia e de gênero no mercado de trabalho;
• Promoção rápida de uma Reforma Tributária Ampla e Estrutural que vise atender como objetivos: (i) aumentar fortemente a progressividade da carga tributária por intermédio da taxação de lucros e dividendos distribuídos, revisão da “pejotização” e aumento dos impostos sobre a propriedade e redução da carga tributária sobre o consumo dos mais pobres; (ii) estabelecer a equidade horizontal entre os setores de atividade econômica, reduzindo a carga tributária sobre a indústria de transformação e aumentando a carga tributária sobre o agronegócio e o setor de serviços;
• Modernização, reestruturação e democratização do Estado, colocando no centro de sua agenda os objetivos de garantir a vida, o bem-viver e a sustentabilidade com visão de longo prazo;
• Desenho e implementação de programas emergenciais de obras públicas em infraestrutura e serviços públicos em parceria com Estados e municípios, visando à geração de trabalho e renda e incentivo às economias locais;
• Construção de sólido programa de investimentos em infraestrutura econômica, urbana e social, com destaque para iniciativas que reduzam desigualdades sociais e regionais;
• Fortalecimento do BNDES e dos bancos públicos como financiadores de projetos para a retomada e modernização tecnológica da indústria, defasada em nível internacional devido à falta de investimentos. Esse financiamento deverá estar atrelado a metas concretas de melhoria da competitividade nos mercados internacionais e a metas de sustentabilidade social e ambiental, inclusive de redução de emissão de CO2. É preciso que as autoridades monetárias voltem a ter capacidade de, se necessário, usar suas taxas para favorecer o investimento e o esforço contra cíclico, além de privilegiar setores e atividades que sejam intensivos em benefícios para toda economia. Também é importante priorizar o apoio aos pequenos negócios e às médias, pequenas e microempresas;
• Fortalecimento do serviço público nacional, respeitando e valorizando os direitos das servidoras e servidores, buscando desfazer privilégios acumulados no último período, em especial no Judiciário e nas Forças Armadas, assim como a recuperação da capacidade indutora e de planejamento do Estado Brasileiro;
• Modernização de modelos de implementação de políticas públicas, atualizando-os face aos desafios e oportunidades associados aos novos padrões técnicos da era do conhecimento e a avanços do processo de reconstrução do Estado.
• Tomada de medidas imediatas de combate à fome e à insegurança alimentar e nutricional;
• Retomada da política de valorização do salário mínimo;
• Revisão das Reformas Trabalhista e Previdenciária com base na negociação entre trabalhadores, empresários e governo;
• Suporte técnico e financiamento da agricultura familiar, implementação de uma reforma agrária agroecológica, estabelecimento de estoques reguladores e comercialização dos produtos visando à redução da carestia, à garantia da segurança alimentar e à melhoria da renda dos pequenos produtores rurais;
• Incentivo à economia solidária, ao associativismo, ao cooperativismo, aos arranjos produtivos locais e projetos de desenvolvimento territorial urbano e rural;
• Garantia do acesso aos direitos humanos, ao trabalho e a uma vida decente. Combate ao racismo, ao sexismo e ao patriarcado, criando medidas afirmativas e mecanismos institucionais para que pessoas e grupos discriminados possam superar a pobreza e ter acesso a trabalho e existência dignos;
• Revisão da política de paridade de preços internacionais dos combustíveis por intermédio da retomada da produção nacional de derivados de petróleo, fortalecendo a Petrobras como uma empresa de energia indutora do crescimento e desenvolvimento nacional;
• Retomada do controle estatal da Eletrobras e da priorização da expansão de energias renováveis, mantendo o setor público no controle da matriz energética do país;
• Desenvolvimento de uma política ambiental comprometida com a sociobiodiversidade, a defesa do meio ambiente e a solução das questões climáticas, garantindo aos direitos dos povos originários definidos constitucionalmente e o reconhecimento de seus conhecimentos, aderente às medidas de proteção das riquezas naturais do País. Apresentação de plano de transição justa para uma economia verde, baseado na biotecnologia, indústria 4.0, internet das coisas, promovendo mudanças no atual padrão de mobilidade urbana, e buscando a recuperação de áreas degradadas e do complexo industrial da saúde;
• Forte aumento do investimento em ciência, tecnologia e inovação mirando os patamares observados nos países desenvolvidos;
• Garantia de um olhar estratégico para o desenvolvimento regional, em especial para a Amazônia e o Nordeste, com caráter de inclusão e redução das desigualdades, mas também de integração dentro de um projeto nacional de desenvolvimento, a partir dos próprios potenciais regionais. Fundamental aqui
também retomar as negociações com Estados e Municípios, no que tange à dívida pública, buscando tornar mais justa e sustentável a situação financeira dos níveis subnacionais;
• Retomar e fortalecer a integração regional por intermédio do Mercosul e a expansão do processo na América do Sul e no conjunto da América Latina e Caribe;
• Revisão da política externa de forma a recuperar o protagonismo do País nos organismos e fóruns internacionais e na cooperação sul, especialmente com os países da América Latina, da África, da Ásia, assim como resgatar e fortalecer os laços com os Brics.

Leia a íntegra do manifesto:

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