Manaus, a Paris dos trópicos? Nem nos esgotos…

As fotos que ilustram meu artigo não são profissionais, fiz com o celular, na piscina com borda infinita da casa de um amigo em um desses condomínios de luxo da beira do Tarumã-Açu. A primeira é de novembro de 2019, pouco antes da pandemia, e a segunda foi feita dia 13 de julho deste ano. Em pouco mais de um ano, a paisagem mudou completamente: o rio, o principal afluente do Rio Negro dentro de Manaus, está tomado de flutuantes.

A pergunta é: tratam seus dejetos antes de derrubar no rio? Já respondo: não, não na grande maioria. Fui checar com a Visa Manaus, que faz de vez em quando blitz, bem de vez em quando mesmo, e a última foi em fevereiro. A resposta do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), que é o responsável no Estado pela legalização destes, também foi evasiva: informou que, em relação às fiscalizações nos flutuantes do bairro Tarumã, as equipes “continuam atuando na regularização e legalização dos mesmos, onde há, aproximadamente, 400 instalações”.

Mas o que se esperar se, embora sejam uma realidade desde o século passado, a orientação sanitária dos flutuantes sequer merece um capítulo especial no Código Sanitário de Manaus. Estariam as regras ali dispersas como “estabelecimentos congêneres” do capítulo 22, que trata sobre restaurantes?

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De acordo com uma fonte do governo, antes da pandemia não tinha nem metade, nem 200, desses atuais 400 flutuantes na orla de Manaus. Para esta fonte, a união da falta de fiscalização, a facilidade de “invadir” o rio e instalar um bar ou restaurante flutuante, somado ao desemprego e crise na pandemia, fizeram esse boom preocupante de flutuantes jogando esgoto não tratado nos rios.

Um dado estarrecedor sobre Manaus, que inclusive engloba, é claro, o condomínio de luxo de onde pude fazer essas fotos, é que a capital amazonense se mantém nos últimos lugares no ranking das piores cidades em tratamento de esgoto sanitário desde 2009, que foi quando o Instituto Trata Brasil, respeitada Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), começou a medição do tratamento de esgoto e saneamento básico em geral no Brasil. No relatório de 2021, Manaus é 89ª em coleta e tratamento de esgoto no País, num ranking dos 100 maiores municípios brasileiros. Bem vergonhoso, nem 20% do esgoto jogado nos rios aqui da cidade é tratado, o percentual apontado é 19,9%.

O dado de tratamento de esgoto é um dos indicativos mais fortes de desenvolvimento de um país. Pode parecer maluquice minha, e talvez seja, mas quando fui a Paris fiz questão de conhecer o Museu dos Esgotos, que não é um passeio com cheiro de perfume francês, mas mostra história de um sistema de tratamento incrivelmente inteligente e que foi criado no final do século 14, inclusive a tour mostra parte do cenário que inspirou trechos de “Os miseráveis”, de Victor Hugo. A capital francesa, hoje, possui a maior estação de tratamento de esgotos da Europa, a “Seine Aval”, que trata mais de 75% dos esgotos gerados pela população.

O serviço mais básico, essencial para qualquer nação, é o saneamento. Se junta, é claro, também, à distribuição da rede de água tratada pelas cidades.  As duas coisas juntas, água limpa e esgoto tratado, são as maiores e universais prevenções de milhares de doenças, como cólera, disenteria, hepatite A e febre tifoide mundo (pobre) afora. Saneamento básico é saúde. Um impressionante documentário sobre o bilionário Bill Gates mostra uma interessantíssima pesquisa que ele banca, com foco na Índia e Senegal (seria bem-vindo no Brasil, tio Bill) que transforma coco em água limpa, fertilizante ou energia, no Reinvent Toilet Challenge.

A concessionária Águas de Manaus, por contrato com o governo estadual, tem até 2030 para apresentar tratamento de esgoto da “Paris dos trópicos” com 5% a mais da cobertura da Paris original. Pelo andar da carruagem, lenta, muito lenta, dificilmente em 2030 Manaus vai ter 80% do esgoto tratado, ainda mais levando-se em conta de quanto a cidade ainda vai crescer, com as invasões das matas e, também, com as invasões dos rios, com os flutuantes.

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(*)Jornalista e mestre em Ciências Políticas

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