Marco Temporal: ‘Não é o momento para esse debate’, diz Apib sobre Toffoli defender indenização a ruralistas
Por: Mayara Subtil
21 de setembro de 2023
Indígenas acompanham a votação em Brasília (Foto: Mayara Subtil/Revista Cenarium)
Mayara Subtil – Da Revista Cenarium Amazônia
BRASÍLIA – A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) declarou, nesta quinta-feira, 21, à REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA, que o voto contrário do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli pela validade de aplicação do Marco Temporal na demarcação dos territórios, é “relativamente bom”, mas que “não é o momento” para debater indenização prévia pela União aos ruralistas. O magistrado acatou as mudanças sugeridas pelo ministro Alexandre de Moraes, de que, caso não haja ocupação de indígenas, é necessária compensação.
“O ministro rechaça o Marco Temporal, ele declara sua inconstitucionalidade, um voto relativamente bom no que diz respeito ao Marco Temporal. Agora, o ministro, em um último momento, finalizando o seu voto, trouxe uma questão que nos preocupa muito enquanto movimento indígena. O ministro abre um tópico para dizer, escrever e preceituar teses sobre exploração econômica em terras indígenas. A gente entende que não é o momento para fazer esse debate. A gente entende que a forma como o ministro coloca, em alguma medida, flexibiliza o usufruto exclusivo dos povos indígenas”, declarou Maurício Terena, coordenador jurídico da Apib.
Indígenas dançam e cantam em comemoração ao voto contra a tese do Marco Temporal do ministro Dias Toffoli. (Foto: Mayara SubtilMayara Subtil/ Revista Cenarium)
O placar agora é de 5 a 2 pela invalidação da tese na Corte. Ainda faltam os votos de quatro ministros, e um voto para que haja maioria em plenário. A sessão foi encerrada pouco depois das 18h20 (horário de Brasília) de quarta-feira, 20, e deve ser retomada nesta quinta-feira. Toffoli reforçou o raciocínio de que usar o Marco Temporal como critério na concessão de áreas aos povos tradicionais é o mesmo que ferir a Constituição Federal.
Na mesma linha votaram os ministros Edson Fachin, relator da ação, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Cristiano Zanin. O magistrado ainda defendeu que a análise em andamento na Corte abrange a “pacificação de uma situação histórica“, sobretudo na garantia dos direitos dos povos indígenas.
“A Constituição não optou pela teoria da posse imemorial. Há que se ter um vínculo. Agora, esse vínculo não está obrigatoriamente no marco de 5 de outubro de 1988. Estamos a julgar não situações concretas, estamos aqui julgando o destino dos povos originários do nosso País. É disso que se trata”, complementou o ministro.
Indígena Xokleng Isabel Paté, de 85 anos (Mayara Subtil/ Revista Cenarium)
Do lado de fora do STF, representantes dos povos tradicionais comemoraram o voto contrário. A indígena Xokleng Isabel Paté, de 85 anos, se disse esperançosa de que sairá de Brasília com seus filhos e netos aliviada pela não adoção da tese do Marco Temporal no STF. “Tenho certeza de que esse Marco Temporal será derrotado pelos ministros. Traz muitas consequências para minha família. É o marco da morte. Me sinto mais segura”, declarou.
O alívio também é sentido pela liderança indígena Alessandra Munduruku, mas reforçou os impactos do Marco Temporal em um cenário contrário à adoção do entendimento no Judiciário. “Se o STF não reconhecer que as terras são nossas, o planeta todo vai sofrer, porque a gente precisa das terras demarcadas. Os invasores estão matando, expulsando, contaminando. Há milhares de anos que nós estamos aqui, não desde 5 de outubro de 1988. Hoje, nós temos que ter um pedaço de terra para a gente viver”, declarou.
Linha do tempo
Sete ministros já apresentaram seus votos e quatro ainda irão se pronunciar: Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e a presidente do tribunal, Rosa Weber. Há dois votos no sentido de validar o uso do Marco Temporal como um requisito à concessão das áreas ao uso indígena, sendo dos ministros Nunes Marques e André Mendonça.
A ação começou a ser julgada no STF, em 2021, e envolve uma disputa do Instituto de Meio Ambiente de Santa Catarina e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) pela área da Terra Indígena Ibirama-Laklanõ, de Santa Catarina. À época, somente o relator, ministro Luiz Edson Fachin, e o magistrado Nunes Marques votaram, deixando o placar em 1 a 1, já que Fachin foi contra a adoção da tese, enquanto Marques defendeu a validação.
O debate só retornou ao Plenário da Corte em 2023. Em paralelo, indígenas de vários lugares do País acamparam em Brasília e organizaram mobilizações. Em junho, o ministro André Mendonça pediu mais tempo para analisar a tese. Indígenas chegaram a queimar um caixão em protesto contra o novo adiamento.
No dia 30 de agosto, indígenas marcharam na capital federal contra o Marco Temporal. No dia seguinte, quando a votação foi retomada, um telão foi instalado em frente ao prédio do STF para que os representantes dos povos originários pudessem acompanhar. O julgamento foi interrompido nesse dia e voltou nessa quarta-feira, 20.
A tese do Marco Temporal defende que os indígenas só têm direito às terras que ocupavam ou disputavam em 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a atual Constituição Federal. Se o entendimento for adotado pelos magistrados, o Marco Temporal deverá ser seguido pelos demais tribunais do País em processos que tratam de demarcação de terras indígenas.
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