Marco Temporal: ‘Não é o momento para esse debate’, diz Apib sobre Toffoli defender indenização a ruralistas

Indígenas acompanham a votação em Brasília (Foto: Mayara Subtil/Revista Cenarium)
Mayara Subtil – Da Revista Cenarium Amazônia

BRASÍLIA – A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) declarou, nesta quinta-feira, 21, à REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA, que o voto contrário do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli pela validade de aplicação do Marco Temporal na demarcação dos territórios, é “relativamente bom”, mas que “não é o momento” para debater indenização prévia pela União aos ruralistas. O magistrado acatou as mudanças sugeridas pelo ministro Alexandre de Moraes, de que, caso não haja ocupação de indígenas, é necessária compensação.

O ministro rechaça o Marco Temporal, ele declara sua inconstitucionalidade, um voto relativamente bom no que diz respeito ao Marco Temporal. Agora, o ministro, em um último momento, finalizando o seu voto, trouxe uma questão que nos preocupa muito enquanto movimento indígena. O ministro abre um tópico para dizer, escrever e preceituar teses sobre exploração econômica em terras indígenas. A gente entende que não é o momento para fazer esse debate. A gente entende que a forma como o ministro coloca, em alguma medida, flexibiliza o usufruto exclusivo dos povos indígenas”, declarou Maurício Terena, coordenador jurídico da Apib.

Indígenas dançam e cantam em comemoração ao voto contra a tese do Marco Temporal do ministro Dias Toffoli. (Foto: Mayara SubtilMayara Subtil/ Revista Cenarium)

O placar agora é de 5 a 2 pela invalidação da tese na Corte. Ainda faltam os votos de quatro ministros, e um voto para que haja maioria em plenário. A sessão foi encerrada pouco depois das 18h20 (horário de Brasília) de quarta-feira, 20, e deve ser retomada nesta quinta-feira. Toffoli reforçou o raciocínio de que usar o Marco Temporal como critério na concessão de áreas aos povos tradicionais é o mesmo que ferir a Constituição Federal.

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Na mesma linha votaram os ministros Edson Fachin, relator da ação, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Cristiano Zanin. O magistrado ainda defendeu que a análise em andamento na Corte abrange a “pacificação de uma situação histórica“, sobretudo na garantia dos direitos dos povos indígenas.

A Constituição não optou pela teoria da posse imemorial. Há que se ter um vínculo. Agora, esse vínculo não está obrigatoriamente no marco de 5 de outubro de 1988. Estamos a julgar não situações concretas, estamos aqui julgando o destino dos povos originários do nosso País. É disso que se trata”, complementou o ministro.

Indígena Xokleng Isabel Paté se diz esperançosa pela não adoção da tese do Marco temporal no STF.
Indígena Xokleng Isabel Paté, de 85 anos (Mayara Subtil/ Revista Cenarium)

Do lado de fora do STF, representantes dos povos tradicionais comemoraram o voto contrário. A indígena Xokleng Isabel Paté, de 85 anos, se disse esperançosa de que sairá de Brasília com seus filhos e netos aliviada pela não adoção da tese do Marco Temporal no STF. “Tenho certeza de que esse Marco Temporal será derrotado pelos ministros. Traz muitas consequências para minha família. É o marco da morte. Me sinto mais segura”, declarou.

O alívio também é sentido pela liderança indígena Alessandra Munduruku, mas reforçou os impactos do Marco Temporal em um cenário contrário à adoção do entendimento no Judiciário. “Se o STF não reconhecer que as terras são nossas, o planeta todo vai sofrer, porque a gente precisa das terras demarcadas. Os invasores estão matando, expulsando, contaminando. Há milhares de anos que nós estamos aqui, não desde 5 de outubro de 1988. Hoje, nós temos que ter um pedaço de terra para a gente viver”, declarou.

Linha do tempo

Sete ministros já apresentaram seus votos e quatro ainda irão se pronunciar: Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e a presidente do tribunal, Rosa Weber. Há dois votos no sentido de validar o uso do Marco Temporal como um requisito à concessão das áreas ao uso indígena, sendo dos ministros Nunes Marques e André Mendonça.

A ação começou a ser julgada no STF, em 2021, e envolve uma disputa do Instituto de Meio Ambiente de Santa Catarina e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) pela área da Terra Indígena Ibirama-Laklanõ, de Santa Catarina. À época, somente o relator, ministro Luiz Edson Fachin, e o magistrado Nunes Marques votaram, deixando o placar em 1 a 1, já que Fachin foi contra a adoção da tese, enquanto Marques defendeu a validação.

O debate só retornou ao Plenário da Corte em 2023. Em paralelo, indígenas de vários lugares do País acamparam em Brasília e organizaram mobilizações. Em junho, o ministro André Mendonça pediu mais tempo para analisar a tese. Indígenas chegaram a queimar um caixão em protesto contra o novo adiamento.

No dia 30 de agosto, indígenas marcharam na capital federal contra o Marco Temporal. No dia seguinte, quando a votação foi retomada, um telão foi instalado em frente ao prédio do STF para que os representantes dos povos originários pudessem acompanhar. O julgamento foi interrompido nesse dia e voltou nessa quarta-feira, 20.

A tese do Marco Temporal defende que os indígenas só têm direito às terras que ocupavam ou disputavam em 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a atual Constituição Federal. Se o entendimento for adotado pelos magistrados, o Marco Temporal deverá ser seguido pelos demais tribunais do País em processos que tratam de demarcação de terras indígenas.

Edição e revisão: Gustavo Gilona

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