México descriminaliza o aborto em decisão unânime e inédita da Suprema Corte
08 de setembro de 2021

Com informações da Folha de São Paulo
BUENOS AIRES – A Suprema Corte do México descriminalizou o aborto no país em um julgamento nesta terça-feira, 7. Os magistrados decidiram, de forma unânime, que é inconstitucional o uso de artigos do Código Penal para condenar a interrupção voluntária da gravidez de acordo com a vontade da mulher.
A prática já é legalizada nos Estados de Oaxaca, Veracruz e Hidalgo e na capital federal, a Cidade do México — nos quatro casos, até a 12ª semana de gestação. Nos demais, só é permitido realizar o aborto em casos de estupro e risco de morte da mãe.
Na prática, a decisão desta terça-feira, 7, permite que os demais Estados também legalizem o procedimento.
No México, são os entes subnacionais que definem como devem funcionar as leis sobre os direitos civis. Ou seja, para que o aborto seja permitido em todo o País, é necessário que os legislativos regionais o regulamentem; o julgamento da Suprema Corte facilita que eles avancem na formulação desses textos.
“Não tem cabimento dentro da doutrina jurisprudencial deste tribunal um cenário no qual uma mulher e as pessoas com capacidade de gestar não possam decidir se continuam ou não com a gravidez”, disse o juiz Luis María Aguilar ao votar. Arturo Zaldivar, presidente do tribunal, afirmou que o dia é histórico. “Trata-se de um divisor de águas na história dos direitos de todas as mulheres, em especial as mais vulneráveis.”
Sessão
Os debates sobre o tema na Suprema Corte tiveram início na segunda-feira, 6, a partir de um caso no Estado de Coahuila. A ação questionava a constitucionalidade de artigos do Código Penal local que, entre outras coisas, previam condenações de até três anos de prisão a mulheres que fizessem um aborto.
No debate no tribunal, que adentrou a noite e se estendeu por uma segunda sessão nessa terça-feira, 7, os dez juízes que votaram, dos 11 que compõem a corte, manifestaram-se contra a pena — oito deles já haviam declarado seu voto na segunda-feira, 6, estabelecendo uma maioria.
Desde a noite anterior, houve manifestações contra e a favor da medida diante do prédio da Suprema Corte. Os que se posicionavam contrários ao aborto levavam cartazes dizendo “salvemos as duas vidas”, além de imagens religiosas e rosários.
Entre os países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o México é o que tem a maior taxa de gravidez entre adolescentes, com 77 nascimentos por mil mulheres entre 15 e 19 anos. A estimativa do Ministério da Saúde é a de que sejam praticados mais de 800 mil abortos clandestinos todos os anos no país.
Segundo Diego Valadés, ex-juiz da Suprema Corte, ao jornal The Washington Post, a decisão vai definir um critério para mudanças nas leis estaduais, mas também servir para tirar da cadeia mulheres que eventualmente tenham sido presas depois de abortos ilegais.

Descriminalização
O presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, apesar de estar mais à esquerda, é conservador em termos de costumes e havia se posicionado contra a descriminalização. Em público, AMLO, como ele é conhecido, dizia que o tema, por ser “muito delicado e polêmico”, deveria ser resolvido por meio de um plebiscito, sua forma preferida de debater e legislar sobre diferentes assuntos.
O Partido de Ação Nacional (PAN), hoje na oposição, criticou a decisão da Suprema Corte, dizendo-se em um comunicado favorável “à defesa da vida desde sua concepção até a morte natural”. A sigla pediu a adoção de medidas para lutar contra o aborto, que incluem o aprimoramento do sistema de adoção de crianças e da rede de assistência a grávidas.
A AMLO vem sofrendo pressão do movimento feminista mexicano, que nos últimos anos tem ganhado voz em um dos países de tradição católica mais forte no continente. A nova onda ganhou ainda mais força com a atual configuração do Congresso, agora com 50% de legisladoras mulheres.
As feministas enfrentam López Obrador em outros assuntos, como os feminicídios. No último ano, foram assassinadas 3.952 mulheres, aumento de 13% em relação a 2019. As marchas feministas que vêm sendo realizadas no país têm no direito ao aborto e na luta contra o assassinato de mulheres suas principais bandeiras. O México é um país de forte tradição conservadora, e cerca de 80% dos seus 130 milhões de habitantes se declaram católicos.
Com a descriminalização nessa terça-feira, 7, agora a nação depende das leis estaduais para se juntar a outras da América Latina que permitem a interrupção da gravidez pela vontade da mulher. Em dezembro de 2020, a Argentina aprovou uma lei nesse sentido, autorizando a prática até a 14ª semana de gestação — decisão criticada pelo presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, que disse que, enquanto ele estiver no poder, não aprovará uma medida do tipo; no país, o procedimento é autorizado em casos de estupro, risco à vida da mulher ou anencefalia do feto.
Na região, o aborto também está legalizado, até a 14ª semana, no Uruguai, em Cuba e na Guiana. A decisão mexicana contrasta também com a do Texas, Estado dos EUA que faz fronteira com o país. Na semana passada, também após decisão envolvendo a Suprema Corte do país, o Texas implantou uma lei antiaborto muito restritiva, que virtualmente bane a prática.