Minuta propõe comissão da verdade para investigar violações contra indígenas na Ditadura


Por: Ana Cláudia Leocádio

29 de outubro de 2025
Minuta propõe comissão da verdade para investigar violações contra indígenas na Ditadura
Comissão deve apurar violações cometidas contra os povos originários durante a Ditadura (Reprodução/Redes Sociais via Missionários Combonianos)

BRASÍLIA (DF) – Representantes dos povos indígenas entregaram, ao governo federal, uma minuta de decreto para a criação da Comissão Nacional Indígena da Verdade (CNIV), com o objetivo de apurar violações cometidas contra os povos originários durante a Ditadura Militar (1964–1985). O documento foi entregue à ministra dos Povos Indígenas (MPI), Sonia Guajajara, e propõe que a comissão seja instalada na Secretaria-Geral da Presidência da República, com duração de três anos.

A minuta, entregue ao governo no último dia 21, é resultado da atuação do Fórum Memória, Verdade, Reparação Integral, Não Repetição e Justiça para os Povos Indígenas, liderado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), lançado no dia 13 de setembro de 2024, na sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília. Mais de 130 pessoas participaram do lançamento da proposta e da entrega ao governo.

“Forum – Por uma Comissão Nacional Indígena da Verdade” (Leobark/Secom/MPF)

Segundo informações do Ministério Público Federal (MPF), que participou da cerimônia de entrega do documento, a finalidade da CNIV “é investigar e revelar graves violações aos direitos dos povos indígenas no Brasil, garantindo o direito à memória, à verdade, à reparação integral, à não repetição e à justiça”. O objetivo também é atuar na elucidação de fatos e circunstâncias relacionados a assassinatos, genocídios, remoções forçadas, torturas, mortes, desaparecimentos e esbulhos de terras indígenas, além de propor medidas de reparação.

A comissão seria composta por 14 membros, a maioria indígenas designados pelo presidente da República, dos quais sete seriam indicados pela Apib e outros sete a partir de uma lista com 21 nomes encaminhados pelo Fórum. O texto prevê ainda que a comissão tenha duração mínima de três anos, prorrogável, e atue na elucidação de fatos e circunstâncias relacionados a assassinatos, genocídios, remoções forçadas, torturas, mortes, desaparecimentos e esbulhos de terras indígenas, além de propor medidas de reparação.

A ideia de criar a Comissão Nacional Indígena da Verdade surgiu a partir dos resultados das investigações da Comissão Nacional da Verdade (CNV), criada em 2011 e instalada em 2012 pelo governo brasileiro, com o objetivo de investigar as violações de direitos humanos entre 1946 e 1988, ano em que foi promulgada a Constituição Federal.

Entrega do relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV) à então presidenta Dilma Rousseff (Reprodução/Arquivo/Casa Civil)

Em seu relatório final, divulgado em 2014, a CNV concluiu que houve graves violações contra os povos indígenas durante a Ditadura Militar (1964–1985). Conforme os documentos apresentados, pelo menos 8.350 indígenas foram mortos no período investigado. O Fórum considera esse número subestimado, uma vez que a análise compreendeu apenas dez dos 305 povos existentes, sendo 20 vezes superior ao número de mortos e desaparecidos políticos reconhecidos pelo Estado brasileiro.

Por isso, entre as várias recomendações da CNV está a criação de uma comissão específica para apurar as violações sofridas pelas populações indígenas e o reconhecimento, pelo Estado brasileiro, de sua responsabilidade pelos crimes cometidos.

Durante a cerimônia de entrega da proposta, foi realizada uma homenagem ao pesquisador Marcelo Zelic, falecido em 2023, pioneiro na defesa da criação dessa comissão da verdade. Ele teve sua trajetória profissional marcada pela documentação das violações contra os povos indígenas.

“Sem verdade, não há justiça”

Além do Fórum, integrado por mais de 60 organizações indígenas, o evento foi realizado com o apoio da Apib, do MPF, do Instituto de Pesquisa e Relações Internacionais (IPR), do Observatório dos Direitos Indígenas da Universidade de Brasília (OBIND-UnB) e da Embaixada da Noruega no Brasil.

Representantes de povos indígenas durante cerimônia (Leobark/Secom/MPF)

“Sem verdade, não há justiça. Sem justiça, não há futuro”, declarou a Apib em suas redes sociais, ao comemorar a entrega da proposta. “Foi um momento histórico, em que os povos indígenas se levantam para pedir que seja criada a comissão para não repetição das atrocidades da Ditadura”, ressaltou a organização, que representa os indígenas de todo o País.

“Aqui tem uma história – não apenas indígena, mas uma história de Brasil. Recebo este documento firmando o compromisso de levar adiante a discussão, para que haja reparação não só pelo passado, mas também pelo presente, porque a violência contra os povos indígenas ainda não cessou”, afirmou a ministra Sonia Guajajara, ao receber a minuta de decreto das mãos da indígena Elisa Pankararu, coordenadora executiva do Departamento de Mulheres Indígenas da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme).

Coordenadora executiva do Departamento de Mulheres da Apoinme, Elisa Pankararu, entrega a minuta à ministra Sonia Guajajara (Leobark/Secom/MPF)

“A história deste País é banhada pelo sangue indígena. É uma história que oficialmente não se conta, mas que os nossos mais velhos nos contam. Falar em uma Comissão Nacional Indígena da Verdade é dizer que a nossa verdade é dolorida, porque as violências atingem nossos corpos, nossos rios, nossas florestas e toda a natureza da qual fazemos parte”, declarou Elisa Pankararu durante a cerimônia.

Para o representante do MPF no evento, procurador Marlon Weichert, é dever do Estado reconhecer sua responsabilidade histórica pelas violações cometidas. “A comissão tem o potencial de ampliar o conhecimento sobre as violações de direitos perpetradas contra os povos indígenas, revelar as condições em que ocorreram e contribuir para políticas reparatórias e mudanças institucionais capazes de promover justiça e respeito à diversidade cultural brasileira”, afirmou.

Leia mais: Antropólogo defende criação de ‘Comissão da Verdade Indígena’
(*) Com informações da Apib e MPF
Editado por Adrisa De Góes

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