Antropólogo defende criação de ‘Comissão da Verdade Indígena’

Indígenas recrutados pelo regime militar de 1964 para compor a Guarda Rural Indígena (GRIN) que combatia os próprios indígenas (Reprodução/Internet)
Mencius Melo – Da Revista Cenarium

MANAUS – Na semana em que o Brasil perdeu o jornalista e pesquisador Marcelo Zelic, reconhecido pela luta em favor da memória e reparação aos povos indígenas, o debate sobre a criação da “Comissão da Verdade Indígena” volta a ganhar fôlego, já que a proposta defendida por Zelic visa desnudar a violência praticada contra os povos originários durante a ditadura militar.

Zelic se dedicou a levantar arquivos, documentos e depoimentos de organizações indígenas e indigenistas para compor o mosaico de violência contra os povos originários. Ele teve papel fundamental na redescoberta e divulgação do “Relatório Figueiredo”. O levantamento detalha as atrocidades cometidas sob a tutela do extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão criado em 1910 e que passou a se chamar Fundação Nacional do Índio (Funai) a partir de 1967.

Avanços

De acordo com o antropólogo Alvatir Carolino, a história de Marcelo e, sobretudo, a verdade contida nos documentos levantados por ele, não deixam dúvidas. “É preciso e oportuno que a sociedade avance na abertura de arquivos que dão conta de processos de massacres na história recente do nosso País, principalmente, no período da ditadura militar e na transição para a redemocratização”, apontou.

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Indígena fazendo abordagem durante treinamento militar para reprimir possíveis rebeliões em aldeias (Reprodução/Internet)

Dívida histórica

O antropólogo lembrou de uma conversa que ajudou a contextualizar a dívida histórica do Estado com os povos originários. “Um professor meu foi preso e torturado pelo regime militar, por dois anos, e ele me fez um desabafo contando que não recorreu às indenizações, porque nem de longe o que ele passou se comparava ao que os centenas de indígenas haviam passado nas mãos de ferro dos militares”, relatou.

No início dos anos 1980, os Waimiri-Atroari e a estrada que viria cortar seu território e quase extinguir a etnia (Reprodução/Egydio Schwade)

Outro detalhe do qual Carolino fez questão de destacar é a forma como a memória sobre as vítimas da ditadura foi construída. “Fui à exposição ‘Resistir É Preciso’, do Instituto Vladimir Herzog, que aconteceu em 2014 no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), no Rio de Janeiro. Personalidades, entidades e segmentos sociais se organizaram para lutar contra o regime que foram expostos. O curioso é que nenhuma linha foi dedicada ou falava sobre os indígenas barbaramente massacrados” lamentou.

Alvatir acredita que esse é o momento para se criar a “Comissão da Verdade Indígena”. “Ela tem muito a revelar. Os segmentos sociais brasileiros precisam fazer pressão para se criar esse mecanismo. Que venha tornar público a guerra que o próprio Estado moveu contra milhares de indígenas em nome de projetos autoritários. Agora, temos um governo que sinaliza com essa possibilidade e que tem um histórico de lutas pela liberdade”, finalizou.

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