Mito de Lilith: primeira mulher a se rebelar contra o sistema patriarcal

Da Revista Cenarium*

SÃO PAULO – No topo da minha extensa lista de obsessões, uma personagem feminina reina absoluta. Ainda não conheci outra representação tão complexa, humana, transgressora e inspiradora como ela. Ironicamente, conheci essa personagem pela Bíblia Sagrada, ainda que ela não esteja lá. Há uma única e singela menção a ela, no momento em que Adão conhece Eva e diz algo como: “Essa, sim”, dando a entender que, antes de Eva, havia outra mulher mas… essa, não.

Essa, não! é uma expressão associada a algo que saiu do nosso controle e me parece bastante apropriada para introduzir Lilith, a primeira mulher criada por Deus, e a primeira mulher a se rebelar contra o sistema patriarcal.

O mito de Lilith é encontrado em textos sagrados hebraicos que precederam a Bíblia. Nesse mito criacionista, ainda intocado pela moral cristã, Deus cria Adão e Lilith, e eles transam adoidados no Paraíso. Eis que Lilith percebe que goza com mais facilidade quando fica por cima de Adão. Mas Adão azeda o doce de leite dela, insistindo que é ele quem deve estar no controle. O casal briga e Deus mete a colher, dizendo à Lilith que ela deve se submeter à vontade de seu filho favorito.

Lilith, então, decide abandonar o Paraíso e vai para os confins da Terra, onde conhece o demônio Samael, um anjo caído que também se rebelou contra Deus, no qual ela pode cavalgar à vontade. Deus tenta trazê-la de volta e atacá-la de todas as maneiras, mas ela se recusa e ainda revida cada golpe. Criada à imagem e semelhança de Deus, Lilith se torna tão cruel quanto ele.

Quando Adão percebe que vacilou, tarde demais. Essa história é, literalmente, mais velha do que a Bíblia. Nessa brincadeira de mau gosto que chamamos de patriarcado, o homem, por mais que ame uma mulher, precisa se sentir superior a ela. O que faz com que ele acabe perdendo essa mulher e sentindo uma solidão profunda. Daí o que ele faz? Reflete sobre seus erros e tenta melhorar? Não, ele arruma outra logo em seguida. Adão e Eva viram um casal modelo, não porque Eva “domou” Adão e sim porque se submeteu a ele.

Eu poderia ficar 1.001 noites narrando os mitos de Lilith, porque esse é apenas o começo da história. Lilith foi demonizada pelo patriarcado, porque nada é mais poderoso do que uma mulher que prioriza o próprio prazer e tem plena consciência de que não precisa ser boazinha o tempo todo.

(*) Com informações da Folhapress