MPF-PA recomenda anulação de obra de Prefeitura de Santarém em área reivindicada por povos Borari
30 de julho de 2024

Fabyo Cruz – Da Cenarium
BELÉM (PA) – O Ministério Público Federal (MPF) emitiu uma recomendação à Prefeitura de Santarém, município localizado na região do Oeste do Pará, solicitando a suspensão e anulação das licenças concedidas para uma construção na área de Jacundá, no distrito de Alter do Chão, e exigindo a adoção de medidas para a demolição da obra. Segundo a autarquia, a edificação foi erguida em uma Área de Preservação Permanente (APP) e está situada em Merakaiçara, território reivindicado pelos povos indígenas Borari.
A orientação do MPF, direcionada ao prefeito do município, Francisco Nélio Aguiar da Silva, e ao secretário municipal de Meio Ambiente de Santarém, João Antônio Paiva de Albuquerque, informa que a obra viola a legislação ambiental com a construção da edificação em uma APP e ocupa um local sagrado para os Borari, já que naquela localidade são realizados rituais, pesca, coleta de alimentos e plantas medicinais, além de encontros comunitários.
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O MPF orientou os donos do terreno a suspender qualquer obra na APP e a se responsabilizar pela demolição e remoção da estrutura construída. A entidade informou que o secretário do Meio Ambiente do município, juntamente com o prefeito de Santarém e os proprietários, foram avisados sobre a necessidade de restaurar ecologicamente toda a região impactada.
O procurador da República Vítor Vieira Alves faz uma observação sobre o caso. “Áreas de APP como a que ocorre na região de Jacundá (Merakaiçara) desempenham função ambiental e ecológica importante na proteção contra a erosão, filtragem de poluentes, habitat e corredor ecológico, sendo ainda mais importante nos casos de grandes rios, como o Tapajós, que possuem relevantes sistemas aquáticos e importância socioambiental para toda a região do Oeste do Pará”, comentou.
Investigação
De acordo com a investigação do Ministério Público Federal, a Semma de Santarém está ciente da presença de APPs em Alter do Chão e mesmo assim autorizou a construção do imóvel, ignorando essa informação.
Conforme o MPF, o documento da Secretaria do Meio Ambiente que autorizou a emissão das licenças também afirmou, de forma equivocada ou fraudulenta, que não seria preciso desmatar para construir a obra, uma vez que, de acordo com a Semma, não havia vegetação na região, porém, fotos e imagens de satélite demonstraram que a Área de Preservação Permanente possui uma quantidade significativa de floresta.
Além disso, uma parte do projeto acontece na orla marítima, a qual é um espaço de uso compartilhado pela população e de domínio público federal. Por essa razão, é classificada como uma área imprópria para construções, ressalta o documento.
Outras recomendações
O MPF também recomendou à Prefeitura de Santarém a realização de fiscalizações periódicas para impedir novas ocupações e crimes ambientais na região, além de suspender a emissão de novas licenças ambientais para as APPs de Alter do Chão – especialmente na área de Jacundá (Merakaiçara). Para as áreas onde a emissão de licenças é permitida, deve-se realizar consulta prévia, livre, informada e de boa-fé aos indígenas e demais comunidades tradicionais de Alter do Chão desde o início do processo de licenciamento.
A autarquia também recomenda a realização de um mapeamento detalhado das áreas ocupadas ou construídas ilegalmente na APP de Alter do Chão, com especial atenção à Jacundá. Além disso, indica a necessidade de implementar um programa abrangente de educação ambiental em escolas e creches de Alter do Chão, visando conscientizar sobre a importância da preservação das áreas de proteção e prevenir novas ocupações ilegais.
O Ministério Público Federal ainda orientou ao prefeito e ao secretário municipal de Meio Ambiente de Santarém que encaminhem à instituição todos os processos administrativos ambientais de licenciamento solicitados para a APP do Jacundá nos últimos quatro anos, incluindo cópias de licenças e pareceres técnicos, devidamente identificados em mapa.
Leia a nota da Prefeitura de Santarém na íntegra:
“A Prefeitura de Santarém, por meio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma), informa que é importante frisar, que com relação ao tema, qual seja que o local em questão conhecido como Merakaiçara, sendo um local onde os Boraris realizam rituais sagrados, suas atividades tradicionais, pesca, reuniões e que a área serve para a retirada de remédios nativos e fonte de extração de frutas, a Semma esclarece que a falta de identificação e oficialização de territórios indígenas precariza a questão dos empreendimentos em Alter do Chão, que oficialmente é um Distrito do município de Santarém, pertencente a sua gleba patrimonial.
Caso Alter do Chão seja de fato e de direito considerado um território indígena oficializado/demarcado, o município e o estado do Pará seriam incompetentes em matéria de licenciamento ambiental, conforme o artigo 7°, inciso XIV, alínea c, da Lei n º 140/2011 , o que causaria uma insegurança jurídica a respeito dos serviços públicos ofertados no referido distrito, bem como a regularização dos empreendimentos ali presentes, sejam mercearias, pousadas, restaurantes, hotéis, entre outros, propiciando a realização de um licenciamento mais burocrático através dos órgãos federais.
Podemos observar que segundo os dados extraídos da Fundação Nacional dos Povos Indígenas, a etapa de reconhecimento do povo indígena Borari se encontra em estudo (PORTARIA Nº 776, DE 4 DE JULHO DE 2008), portanto, não há delimitação de área.
Quanto aos demais argumentos levantados pelo Ministério Público Federal, qual seja o desmatamento em Área de Preservação Permanente (APP), eles serão debatidos no bojo do Procedimento Preparatório para dirimir dúvidas do MPF quanto a regularidade e legalidade da tramitação do licenciamento ambiental“.