MPs apontam falta de transparência em venda bilionária de carbono no Pará
Por: Fabyo Cruz
21 de outubro de 2024
BELÉM (PA) – A falta de transparência e a ausência de consulta às comunidades tradicionais e povos indígenas na negociação proposta de quase R$ 1 bilhão em créditos de carbono no Pará – anunciada pelo governador do Estado, Helder Barbalho (MDB), durante a Semana do Clima em Nova York – geraram críticas por parte do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério Público do Estado do Pará (MP-PA). As instituições solicitaram que a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) implemente, com urgência, ações que estejam em conformidade com a legislação atual.
No dia 16 de outubro, o MPF, em colaboração com o MP-PA, encaminhou uma solicitação à Semas, direcionada ao titular da pasta, Raul Protázio Romão, pedindo a publicização imediata de informações sobre o projeto, além da garantia da participação social e do direito à Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI), conforme estipulado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
No final de setembro, o Governo do Pará anunciou a venda de créditos de carbono, mas, de acordo com o MPF e o MPPA, até o momento não há informações sobre a estrutura do projeto. Além disso, foi constatado que apenas algumas organizações tiveram acesso à documentação, deixando de fora parte significativa da sociedade civil e das comunidades impactadas.
A Convenção 169 da OIT, que regula o direito de povos indígenas e comunidades tradicionais à consulta prévia, foi ignorada, segundo relatos de organizações civis. Estas afirmam que não participaram das discussões sobre a negociação dos créditos de carbono e temem as consequências de uma decisão tomada sem um diálogo amplo.
Na ocasião, Alessandra Korap, uma das principais vozes indígenas do povo Munduruku, enviou um recado diretamente ao governador, enquanto participava da 57ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra. Em sua fala, Korap destacou o impacto ambiental sofrido pelas comunidades no Pará, apontando a seca, a morte de peixes e a falta de acesso à água como problemas que deveriam estar na agenda prioritária do governo estadual.
Auricélia Arapiun, liderança do povo Arapiun e integrante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), também se pronunciou duramente contra o governador. “Ele usa o nome dos povos indígenas para legitimar um acordo bilionário, mas não respeita as leis internacionais, nem a Constituição Federal“, afirmou. Auricélia criticou a falta de consulta aos povos indígenas sobre a venda de créditos de carbono e ressaltou que o governador não tem diálogo com as comunidades tradicionais.
Incertezas
Além da falta de transparência, o MPF e o MPPA expressaram dúvidas sobre a viabilidade jurídica da negociação dos créditos de carbono, uma vez que parte deles pode estar vinculada a áreas que não pertencem ao patrimônio fundiário do Estado do Pará. Entre estas áreas estão terras indígenas, Unidades de Conservação de Proteção Integral de jurisdição federal e Unidades de Conservação de Uso Sustentável de domínio federal ou municipal.
Entre as medidas solicitadas à Semas, o MPF e o MPPA destacaram:
- A disponibilização imediata da documentação relativa ao projeto em plataformas de acesso público, como sites e bibliotecas;
- A realização de audiências e consultas públicas que envolvam todas as regiões do estado, para assegurar a participação de diversos setores da sociedade no debate sobre o projeto;
- A implementação da Consulta Prévia, Livre e Informada, respeitando os protocolos autônomos das comunidades tradicionais e os procedimentos culturalmente diferenciados para a tomada de decisão;
- A apresentação de informações detalhadas sobre a área de abrangência do Sistema Redd+ Jurisdicional e o tratamento jurídico das áreas que não são de domínio do estado, como terras indígenas e unidades de conservação federais.
O que diz a Semas
A CENARIUM questionou a Semas sobre as medidas do MPF e do MP-AM. Em nota, a pasta afirmou que o sistema de geração de créditos de carbono do Pará “está sendo construído há dois anos”. A secretaria disse, ainda, que o projeto possui a “participação ativa de indígenas, quilombolas, extrativistas e comunidades tradicionais”.
“A Semas iniciará nos próximos meses uma nova fase de diálogo com essas populações sobre a destinação de recursos. O contrato assinado com a Coalizão Leaf será consolidado em 2025, após a conclusão deste processo de construção coletiva”, diz trecho da nota.
Leia o documento do MPF e MP-PA na íntegra:
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