Mulheres indígenas ocupam diretoria da Akavaja pela 1ª vez
03 de junho de 2024
Feliciana Kanamaria e Inory Kanamari foram escolhidas para diretoria da Akavaja (Composição: Weslley Santos/Revista Cenarium)
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
MANAUS (AM) – Após 16 anos de existência, a Associação dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Akavaja), com sede em Atalaia do Norte, a 1.138 quilômetros de Manaus (AM), terá, pela primeira vez, uma mulher na presidência. Feliciana Kanamari foi eleita ao cargo no último dia 31 de maio. A advogada Inory Kanamari ocupará a vice-presidência.
Feliciana Kanamari atua na associação desde a concepção da organização sem fins lucrativos. Ela, que já assumiu o cargo de vice-presidente anteriormente, ao lado de Deucimar Tamaküri Magalhães Kanamari, afirma sentir-se realizada em ser a primeira mulher indígena a assumir a presidência da Akavaja depois de muitas lutas. “[Me sinto] realizada e desafiada, pois enfrentamos desafios todos os dias trabalhando dentro do movimento indígena“, declarou.
Feliciana Kanamari e Inory Kanamari (Arquivo pessoal)
A advogada e presidente da Comissão Indígena da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Amazonas (OAB-AM), Inory Kanamari, agora vice-presidente da Akavaja, lembrou que a vitória é resultado de muitas lutas perdidas. Ela pontuou, ainda, a importância de que mulheres indígenas ocupem mais espaços de poder.
“A votação foi acirrada, mas Tamakori [Deus do povo Kanamari] nos honrou com a vitória e nos colocou na história do Vale do Javari como as primeiras indígenas a venceram uma eleição contra homens“, comemorou. “Nossa vitória abre precedentes para que outras mulheres indígenas de outros povos venham a ocupar esses mesmos espaços que até pouco tempo eram ocupados exclusivamente por homens“.
A eleição teve duas votações. A primeira, com 13 votos a 7 para a chapa encabeçada por Feliciana, foi impugnada. Na segunda houve empate e o critério para escolher a chapa vitoriosa foi a idade. Além de Feliciana e Inory, Francisca Kanamari foi eleita para tesouraria da Akavaja.
Da esquerda à direita: Francisca, Feliciana e Inory (Arquivo pessoal)
Enfrentando preconceitos
A chapa formada apenas por mulheres indígenas teve que enfrentar diversos desafios. Um deles foi a descredibilização da competência para executar as funções, como relata Feliciana Kanamari.
“Teve alguns líderes dentro do movimento, dentro da Univaja [União dos Povos Indígenas do Vale do Javari], que diziam para os outros, debochando, ‘Ah, essas duas mulheres, patricinhas, não vão dar conta, porque aqui é cargo de homem, não é cargo para mulheres boçais, vão passar só dois meses, três meses, e já vão abandonar’. Enfrentei isso dentro do movimento“, discorre, lembrando da vitória que foi ter conseguido realizar a assembleia na qual ocorreu a votação.
Da esquerda à direita: Francisca, Feliciana e Inory na assembleia do povo Kanamari (Arquivo pessoal)
“Por isso eu fico emocionada, que eu honrei com a minha palavra. Eu prometi, mesmo sem experiência, que eu não ia abandonar meu povo e eu ia fazer uma assembleia dentro da Aldeia Massapê, e eu cumpri com a minha palavra. Foi uma assembleia muito intensa“, lembrou.
Inory Kanamari também lembra das dificuldades que enfrentaram ao “furar a bolha” e ocuparem um espaço no qual homens ainda relutam em aceitarem mulheres.
“Não só enfrentamos perseguições, como seguimos sendo perseguidas, porque nós somos exceção. E toda vez que você é uma exceção, você é um prego que se destaca, leva martelada, toda vez que você é exceção no espaço, você vai sofrer perseguição. E, assim, a sociedade indígena não vê ainda, no Vale do Javari, com bons olhos, mulheres nesses espaços. E isso é ruim, mas é algo que a gente vai superar, porque nós chegamos até aqui e iremos alcançar cada vez mais espaços“, comemora.
Como nova gestão da Akavaja, Feliciana e Inory têm vários planos para o futuro. Todos eles consideram a diversidade das setes etnias que formam o Vale do Javari. O território é a segunda maior terra indígena do País e está localizada na região onde o jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira foram assassinados, em 2022.
“A ideia é dar segmento ao que já está no Plano da Akavaja, que é realizar atividade dentro das aldeias. Uma das atividades que vai ser realizada no mês 8, ou mês 7, que vai ser a atualização do nosso Projeto Político-Pedagógico aqui do Vale do Javari, do povo Kanamari. Terá também o encontro de liderança na Aldeia Jarinal, onde tem o povo de recém-contato, que é Tchomã Diapa“, acrescentou.
Indígenas na assembleia da Kavaja (Reprodução/Arquivo pessoal)
A valorização da participação de mulheres indígenas também está no planejamento. “No Médio Javari, que é outra região, na aldeia São Luís, a gente vai realizar também intercâmbio de mulheres, trocas de ideias, porque aqui nós somos sete etnias diferentes, cada uma com os seus costumes, as suas línguas, as crenças diferentes, e nós respeitamos um ao outro. É por isso que a Akavaja tem esse plano e sonho de realizar encontro de mulheres na aldeia“, concluiu.
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