Noruega sacrifica morsa de 590kg e abre discussão no País como local de paz e amor à natureza

A morsa apelidada de Freya descansa em Frognerkilen, em Oslo - Erik Schrøder - 19.jul.22/AFP
Com informações da Folha de S.Paulo

OSLO – Foi mais um bom dia para Freya, a morsa de 590 quilos batizada com o nome da deusa nórdica do amor, da beleza e da guerra, que se tornou uma amada sensação da mídia internacional, uma mascote brincalhona no longo verão de Oslo, a capital da Noruega.

Ela passou um sábado mergulhando de um barco atracado a um píer movimentado na marina, banqueteando-se com mariscos e ressurgindo para cochilar no convés por horas. Christian Ytteborg, 47, um trabalhador da marina que a viu de manhã, chamou as autoridades para ajudar a protegê-la.

A morsa apelidada de Freya descansa em Frognerkilen, em Oslo
A morsa apelidada de Freya descansa em Frognerkilen, em Oslo – Erik Schrøder – 19.jul.22/AFP

Logo depois, diz ele, um barco-patrulha tripulado por “quatro caras gentis” da Diretoria Norueguesa de Pesca veio ajudar. Eles comeram mexilhões juntos e riram com um vídeo em close-up que um dos homens fez da morsa dançando no barco. Um funcionário adolescente da marina então adicionou ao vídeo, como trilha sonora, um rap de Louis Theroux: “Eu gostaria de ver você se mexer, se mexer”.

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Mas quando a noite caiu, e Freya ficou sozinha, os funcionários da Pesca entraram em ação. Eles executaram Freya com o que seu chefe, Frank Bakke-Jensen, ex-ministro da Defesa norueguês, depois chamou de “balas adequadas para essa missão”. Em seguida, cobriram o corpo do animal com uma lona, cortaram as cordas do barco e rebocaram o bicho, devolvendo a embarcação no dia seguinte, vazia e limpa, sem qualquer vestígio.

Na segunda (15), o cadáver chegou meio congelado a um laboratório de necropsia próximo. “Está em pedaços”, diz Knut Madslien, cientista sênior do departamento de vigilância sanitária do Instituto Veterinário Norueguês.

Morsa apelidada de Freya subindo em um barco em Frognerkilen, Fiorde de Oslo, Noruega
Morsa apelidada de Freya subindo em um barco em Frognerkilen, Fiorde de Oslo, Noruega Trond Reidar Teigen 20.jul.2022/AFPMAIS

A morte de Freya polarizou Oslo e ameaçou mudar a imagem de um país associado ao amor à natureza, ao idealismo diplomático e aos prêmios Nobel da Paz em um lugar onde alguém mata uma banhista adorada e vacilante com a eficiência de uma turba.

Em uma terra que adora histórias policiais sombrias, o ataque a Freya surgiu como a chacina do verão, um mistério marinho menos sobre quem puxou o gatilho do que sobre quem afinal é o culpado pela morte da querida nadadora enrugada. Os defensores do animal estão arrecadando dinheiro para construir uma estátua em sua homenagem. Políticos exigem audiências parlamentares. Cientistas examinam uma espécie invasora de ostras do Pacífico que pode tê-la atraído para a marina.

Bakke-Jensen e sua mulher receberam ameaças de morte, levando-o a lamentar “forças irracionais”. Ytteborg, o trabalhador da marina apaixonado por Freya, afirma que se sentiu traído por “um esquadrão da morte”. “Eles não precisavam matá-la”, diz Marius Løkse, 48, que parou de dar aulas para crianças em sua pequena frota de réplicas de barcos vikings para culpar forças políticas obscuras e capitalistas interessadas em proteger seus iates. “Adoraríamos ter a morsa aqui”, disse. “Ela poderia ter se acalmado.”

A Diretoria de Pesca da Noruega, que a princípio pareceu dar as boas-vindas a Freya, ficou alarmada porque as pessoas se aproximavam cada vez mais de um animal selvagem muito grande. As autoridades alertavam para deixá-la em paz. Mas os noruegueses, muitas vezes crianças, desconsideraram os avisos.

As autoridades afirmaram ter notado uma mudança no comportamento de Freya, instigada pela multidão enlouquecida de usuários de redes sociais. Com medo de alguém se ferir, deram um ultimato para os noruegueses recuarem. “Existe a possibilidade de aprovar uma operação controlada para abater o animal”, alertou um funcionário da pesca em 11 de agosto. Autoridades disseram que pensaram em drogá-la com um dardo, mas decidiram que ela simplesmente iria se afogar. Nesta sexta (19), eles optaram por matá-la.

Enquanto os noruegueses jogam a culpa uns nos outros, os verdadeiros responsáveis, como costuma ser o caso, pode ser os que chegaram mais perto da vítima. “Eles queriam uma selfie, um abraço com ela. ‘Melhores amigos para sempre'”, diz Kjell Jonsson, 44, ao voltar para casa com um caiaque no ombro depois de dar uma aula. “A culpa é de todas as pessoas que não conseguiram deixá-la em paz.”

Mas alguns moradores também tinham medo de Freya, aterrorizados com a possibilidade de serem devorados. Erik Holm, 32, estava em seu apartamento com a namorada quando ouviu a notícia do assassinato. A execução causou nervosismo. O sigilo da coisa. A frieza. A decisão de punir o animal, em vez de as pessoas. “O que você diz para as crianças quando se mata uma morsa?”, questiona ele.

Holm decidiu que precisava fazer alguma coisa grande.

Ele já havia feito coisas grandes. Foi a força por trás da construção do maior tobogã aquático da Noruega, um tubo de 300 m em Oslo. Fundou uma rede social para os garotos do clube compartilharem suas atividades. E, acima de tudo, Holm, que é meio sueco, trabalhou em campanhas de rede social para seu time de futebol sueco favorito, ajudando a construir a torcida online e uma estátua do fundador da equipe.

Então ele teve a ideia. “Por que não fazer uma estátua de Freya? Para as pessoas verem, tocarem, saberem o tamanho dela.” Em menos de uma hora, ele criou uma conta no Instagram e fez um apelo para uma vaquinha online, vinculando-a à sua própria página, @Norway, que tem quase 500 mil seguidores.

Amigos influenciadores e celebridades gostaram e “fizeram decolar” a campanha, nas palavras dele, enquanto as forças anti-Freya faziam troça de suas frases (“Compre um ursinho de pelúcia”). Na tarde de sexta, a página tinha arrecadado mais de 238.826 coroas norueguesas, ou cerca de R$ 126 mil.

O barco em que Freya passou suas últimas horas pertencia a Fredrik Walsoe, 46, um incorporador imobiliário que estava viajando na época. Quando um amigo lhe disse que uma morsa estava em seu barco, ele conta que lembrou que não tinha seguro e que pensou: “Posso realmente ter tanto azar?”.

Na quarta (17), ao pegar seus tacos de golfe na lancha, mostrou os rasgos na lona que Freya tinha feito com suas presas. Ele diz se perguntar se ela estaria tentando pegar umas batatas fritas que ele tinha escondido na cabine. “Sinto muito que tiveram que matá-la, mas foi o único jeito”, diz ele.

“Todo mundo quer que isso tenha um significado.”

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