O pai de família, o Direito e a Justiça

No estacionamento de um Fórum de Justiça trabalhava lavando carros um pai de família que não tinha emprego formal, mas ali estava para conseguir dinheiro justo para alimentar a sua prole. Todos os dias quando chegavam advogados, juízes, promotores, partes, ele se aproximava e pedia para, com a benção de Deus, exercer seu informal ofício, pois, era a única maneira a alcançar o seu pão de cada dia.

Por diversas vezes, via-se esse pai com várias chaves, nas mãos, dos carros de seus clientes, que confiavam a guarda e a lavagem de seus automóveis aquele abnegado senhor, enquanto estavam dentro do Fórum, nas suas audiências.

Certo dia, aquele senhor a quem todos ali tinham confiança, aquele pai de família, estava a chorar no canto do muro do Fórum, pois, tinha sido informado pela administração que não poderia mais trabalhar informalmente naquele local, a par de ser conhecido de todos que ali ele trabalhava para retirar o seu sustento.

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Ele, então, se aproximou e, com lágrimas nos olhos, pediu:

– Senhor, por favor, o senhor poderia me conseguir, pelo menos, R$ 50,00 para eu comprar um isopor e algumas bebidas para vender no sinal, pois, o administrador do Fórum disse que eu não tinha o Direito de estar aqui no estacionamento do Fórum lavando os carros. Eu tenho 3 filhos e era daqui que eu conseguia dinheiro para alimentar a minha família, há mais de 1 ano. Doutor, o senhor que é o homem das leis, isso é justo?

O interlocutor entregou-lhe o dinheiro para que o pai de família pudesse recomeçar seu novo trabalho informal. Da vida desse pai de família, dos seus filhos, não se sabe mais nada. Ele tornou-se mais um invisível na nossa sociedade.

Resta-nos pensar, criticamente, se o Direito e a Justiça estiveram presentes àquela situação.

Foi no Direito que se encontrou fundamento para retirar o ganha pão daquele senhor, a quem todos confiavam, pois, a exploração de atividade econômica dentro de locais públicos pressupõe uma ritualística administrativa que não foi obedecida por aquele humilde senhor. Foi no Direito, nas Leis escritas pelo Parlamento, que aquele senhor deixou de auferir renda para alimentar sua família. Mas, Direito e Justiça não seriam palavras sinônimas?
Infelizmente, não são. Nem tudo que aos nossos olhos parece justo, são corretos aos escritos da Lei.

Penso eu, havendo conflito entre o Direito e a Justiça, deve sempre a Justiça prevalecer; e se isso tivesse ocorrido, aquele pai de família, hoje invisível, ainda estaria no estacionamento do Fórum ganhando seu sustento.

*Flávio Henrique Freitas é Juiz de Direito, Juiz Auxiliar no Superior Tribunal Militar (STM), mestre e doutorando em Direito Constitucional. Coordenador da Escola Nacional da Magistratura.

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