‘Ocupação no Pará dá recado’, diz Alessandra Munduruku
Por: Fabyo Cruz
07 de fevereiro de 2025
BELÉM (PA) – No Dia Nacional da Luta dos Povos Indígenas, celebrado nesta sexta-feira, 7, a ocupação de povos originários na Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc), em Belém, completa 25 dias, simbolizando a resistência histórica desses povos na defesa por seus direitos. Entre as principais vozes dessa causa está Alessandra Korap Munduruku, liderança reconhecida internacionalmente por sua atuação na defesa dos territórios indígenas contra garimpeiros e grandes empreendimentos. Em entrevista exclusiva à CENARIUM, ela falou sobre os desafios e a força do movimento.
“Cheguei aqui pensando que ficaria apenas dois ou três dias, e daqui a pouco será um mês. Enfrentamos muito. Nos primeiros dias, fomos atacados: jogaram gás de pimenta nos banheiros, cortaram a energia e a água do prédio, impediram a entrada de comida. Viemos apenas com a coragem — sem redes, sem barracas, sem nada. Tudo o que temos foi doado. Mas viemos com a força do espírito, do território, da natureza”, relembra Alessandra.

Com a mesma firmeza com que denuncia invasões na Amazônia, ela tem enfrentado altos e baixos na luta pela revogação da Lei 10.820/2024, que altera a educação indígena no Pará. “Ao longo desses 25 dias de ocupação, passamos por momentos de tristeza e de fortalecimento. Nossos parceiros — guerreiros, caciques — às vezes desanimavam, mas, onde chegávamos, nos reerguíamos. Nunca desistimos. Sempre dissemos que nossos direitos não se vendem. Ninguém troca direitos, ninguém vende território, ninguém negocia nossa existência”, disse.
Repressão e resistência
“Tivemos muitas conversas e tentaram nos enganar várias vezes. Tentaram nos intimidar, nos rotular como pequenos, dizendo que só espalhávamos fake news. Mas sabíamos por que estávamos aqui. Somos um povo de luta, um povo de paz, um povo que conhece o chão que pisa e o sofrimento do nosso povo. Mas também somos guerreiros”, afirma Alessandra.
Ela relembra a repressão enfrentada pelo grupo durante a ocupação. “Quando tivemos a primeira conversa com o governador, após 15 dias aqui, parecia que haveria uma luz. Mas, em vez de diálogo, colocaram 1.500 policiais contra 40 pessoas desarmadas. Nossa arma era o canto. Nossa arma era o maracá. Nossa arma era a pintura. Nossa arma era a nossa voz”, conta.

Durante a entrevista, a liderança Munduruku também denunciou tentativas de silenciamento: “Durante esses 15 dias, tentaram nos desmobilizar três vezes. Tomaram nossos celulares, proibiram gravações e vídeos. Quando chegamos para negociar, um batalhão de policiais nos esperava. Ainda assim, fomos”.
Alessandra reforça que a pauta da ocupação sempre foi precisa: “Falamos sempre sobre a revogação da lei e a exoneração do secretário [Rossieli Soares]. Mas o governador não respondia. Dizia apenas que haveria um decreto e um grupo de trabalho [GT]. Eu disse: ‘Isso é fraco para nós. Decreto é fraco. Queremos a revogação da lei para que possamos construir uma legislação específica para os indígenas e quilombolas’”.
Luta coletiva
A mobilização começou em defesa da educação indígena, mas, ao longo da ocupação, os manifestantes perceberam o impacto da Lei 10.820/2024 em outras comunidades tradicionais. “Quando mexeram com a nossa educação, achávamos que era apenas a educação indígena. Mas sabemos dos problemas no território, das dificuldades que os professores enfrentam para sair da cidade e chegar às aldeias. São um, dois, três, quatro dias de viagem, sem apoio do Estado e, muitas vezes, nem do Município. Eles precisam arcar com combustível, material didático, frete e transporte”, explica Alessandra.
Ela conta que, no processo, aprenderam sobre os desafios enfrentados por professores de comunidades ribeirinhas e quilombolas. “A Lei 10.820/2024 não afeta apenas os povos indígenas, mas toda a educação do Estado do Pará. Ela impacta os alunos, os pais, os professores e todas as comunidades. Por isso, essa luta não deveria ser só nossa”.

Os manifestantes seguem mobilizados até a votação na Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), prevista para o dia 18 deste mês. “Desde o início falamos que só sairíamos depois da revogação. Lutamos muito para que o governador assinasse o termo de compromisso. Agora, aguardamos a votação e queremos participar para ver isso acontecer”, destaca.
A luta que não para
Sobre o Dia Nacional da Luta dos Povos Indígenas, Alessandra reforça que a resistência é diária. “A luta por direitos acontece todos os dias. Todos os dias você luta para ter terra demarcada, para ter saúde, para ter educação. E hoje, 7 de fevereiro, é um dia simbólico para lembrar que essa luta é constante. É isso que estamos fazendo aqui na Seduc. É isso que muitos povos indígenas fazem”, ressalta.
Ela também destaca a urgência da situação dos indígenas Guarani Kaiowá, que enfrentam violência extrema em seus territórios: “Eles não têm Natal, não têm Ano Novo, não comemoram porque estão sendo massacrados, mortos. Precisamos pensar nesse povo também. Não só nos que estão ocupando a Seduc, mas nos que estão nos seus territórios sendo assassinados pelo Estado. Por isso, todo dia é dia de luta dos povos indígenas!”.
Assista à entrevista completa na TV CENARIUM: