Pandemia de Covid-19: desigualdade entre países prolonga status da doença

Estado de emergência global em saúde pública foi decretado em 11 de março de 2020. Na foto, soldados sul-coreanos desinfectam o aeroporto internacional em Daegu, no início da pandemia (Reprodução/Kim Kyung-Hoon)
Da Revista Cenarium*

RIO DE JANEIRO – O que define uma pandemia é a disseminação descontrolada de uma doença em todos os continentes, causando epidemias em todas as partes do mundo, ao mesmo tempo. Para pesquisadores ouvidos pela Agência Brasil, a Covid-19 já não se comporta mais de maneira fora de controle na maior parte do mundo, mas a decisão de rebaixar o status de emergência global em saúde pública passa também pela possibilidade de manter recursos mobilizados para ajudar os países mais pobres.

O acesso às vacinas está entre os indicadores mais evidentes de que a resposta à pandemia ocorreu de forma desigual. Enquanto países como Chile, Cuba e Japão aplicaram mais de três doses por pessoa, mais de 70 países no mundo aplicaram menos que uma. Em todo o mundo, mais de 13,2 bilhões de doses foram aplicadas, sendo menos de 1 bilhão no continente africano.

Na última reunião do Comitê de Emergência do Regulamento Sanitário Internacional (RSI – 2005) sobre a Pandemia de Coronavírus de 2019 (Covid-19), na Organização Mundial da Saúde (OMS), as recomendações do grupo foram, entre outras, focar na vacinação e nas doses de reforço, melhorar a notificação de dados à OMS e aumentar a disponibilidade, a longo prazo, de vacinas, diagnósticos e terapias – medidas que requerem apoio a países com orçamentos menos robustos.

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A decisão de rebaixar o status de emergência global em saúde pública passa também pela possibilidade de manter recursos mobilizados para ajudar os países mais pobres (Massimo Pinca/Reuters)

O comitê reconheceu que a pandemia de Covid-19 pode estar se aproximando de um ponto de inflexão em que os impactos da doença, na mortalidade, se manterão limitados pelo grande número de pessoas previamente infectadas e imunizadas. “Embora a erradicação desse vírus de hospedeiros humanos e animais seja altamente improvável, a mitigação de seu impacto devastador na morbidade e mortalidade é alcançável e deve continuar a ser uma meta prioritária”, afirmou o grupo.

Quais são as ameaças de novas pandemias?

Em um mundo cada vez mais conectado por viagens internacionais e transações comerciais entre países, a capacidade de disseminação rápida de vírus respiratórios, como o SARS-CoV-2, se mantém como um desafio para autoridades sanitárias e cientistas.

Felipe Naveca destaca que os coronavírus já demonstraram que são uma ameaça que veio para ficar, após terem causado três emergências de saúde pública relevantes em menos de 20 anos. Em 2002 e 2012, os coronavírus SARS e MERS provocaram epidemias que atingiram diversos países do Leste Asiático e Oriente Médio, o que já havia despertado a atenção da comunidade científica para a necessidade de se preparar para o surto seguinte, que começou em 2019, com o SARS-CoV-2.

“Em uma lista das possíveis ameaças de uma nova pandemia, os coronavírus, certamente, estariam entre elas, assim como o Influenza. Não tem como a gente achar que não vai acontecer, porque a história nos mostra que já aconteceu algumas vezes”, afirma Naveca.

“Esse foi o terceiro evento de emergência de um coronavírus de grande importância médica em menos de 20 anos. A chance de acontecer outro é grande. Ninguém acredita que seja em um futuro muito próximo, mas, impossível, não é.”

A pandemia de Covid-19, decretada há 3 anos, deixou capitais do mundo inteiro completamente vazias. Na foto, a Praça São Pedro, em Roma (Reprodução/Guglielmo Mangiapane)

Naveca acredita que os avanços tecnológicos propiciados pelos investimentos em sequenciamento genético e novas tecnologias de vacina, na pandemia de Covid-19, terão um papel importante na resposta da humanidade a possíveis novas emergências sanitárias.

“A gente vai viver outra pandemia. Se vai ser nessa mesma escala, eu espero que não. Mas novos desafios vão surgir”, acredita o pesquisador.

“Essas novas estratégias vacinais são estruturas mais facilmente adaptadas para novas linhagens e novos coronavírus. Se surgir uma nova variante de preocupação que mude o cenário, não seria da noite para o dia, mas todo o arcabouço de informações que já existe vai ser utilizado e vai se conseguir fazer uma vacina de emergência muito mais rápida. Todo esse avanço conta a nosso favor”.

Presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia concorda que os coronavírus são uma ameaça que precisa estar sob constante vigilância, assim como o Influenza, que provocou pandemias em 1918 e 2009 e voltou a causar preocupação pela disseminação da cepa H5N1, causadora da gripe aviária.

“São vírus que vieram para ficar e podem causar novas pandemias. Mesmo esse, SARS-CoV-2, com novas variantes, pode causar novos aumentos de casos e novas manifestações clínicas ainda desconhecidas da gente”, diz Chebabo.

“Tanto o Influenza quanto os coronavírus infectam outras espécies e, por isso, não podem ser eliminados como os vírus que só infectam humanos, como sarampo ou poliovírus. Eles estão espalhados na natureza, e só essa questão já os torna importantes, mas, além disso, são vírus respiratórios, o que faz com que tenham a transmissão facilitada, sem precisar de um vetor. Não é necessário nem um contato íntimo, apenas contato próximo”.

O epidemiologista Pedro Hallal lembra que a história da saúde pública registra que eventos com a dimensão da pandemia de Covid-19 são raros e acontecem apenas uma vez por geração. Mas surtos epidêmicos menores podem ser mais frequentes.

“Acho que a gente vai ter surtos epidêmicos, talvez mais frequentes do que a gente tinha normalmente, e talvez causados pelos próprios coronavírus.”

Apesar do otimismo, ele vê que as ações humanas que causam o desequilíbrio de ecossistemas e as mudanças climáticas contribuem para que a humanidade corra mais riscos de viver novas emergências globais de saúde pública. Vírus zoonóticos, como o coronavírus, que podem saltar para seres humanos, ganham mais oportunidades quando esses animais são deslocados de seus habitats naturais.

“Se a gente continuar errando tanto na pauta ambiental, talvez a gente aumente o risco de ter uma nova pandemia na nossa geração. Mas, em geral, acho que a probabilidade não é muito alta.”

Marilda Siqueira também vê as mudanças climáticas como parte dos problemas que potencializam as ameaças de novas pandemias. Mas ela acrescenta que toda a interação homem-ambiente precisa ser incluída nessa discussão.

“Há também a nossa interação com as outras espécies por meio do desmatamento, e daquilo que preparamos para comer e sobreviver, e a forma como preparamos”, afirma ela, que defende o incentivo a mais pesquisas de vigilância com uma perspectiva de saúde única, que leve em consideração também a saúde animal.

“Na natureza, temos reservatórios animais que têm vírus circulando de forma contínua, inclusive, coronavírus. E também o vírus Influenza, presente em várias espécies de aves migratórias, que cruzam continentes, e alguns mamíferos. Se a gente não tiver, dentro de um conceito de saúde única, investimento nessa interação animal-humano, nós vamos ter mais problemas.”

A virologista acredita que os avanços nos diversos campos da ciência envolvidos no combate à pandemia, assim como a formação de redes internacionais de pesquisadores, fortalecem a capacidade de a humanidade responder às próximas emergências sanitárias. Para isso, porém, também é preciso que governos e sociedades discutam o que funcionou e o que deu errado ao longo da crise da Covid-19, para que as lições sejam aprendidas.

“Nós sabemos que vamos ter novas pandemias. A gente não sabe se será amanhã, daqui a dez anos ou daqui a 100 anos. As lições aprendidas são muito importantes para a preparação para novas pandemias ou epidemias, como a de dengue, com que vivemos há décadas, ou a de chikungunya, que está em países vizinhos ao Brasil e pode voltar”.

(*) Com informações da Agência Brasil
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