Pará lidera ranking de violência contra defensores de direitos humanos

A missionária Dorothy foi assassinada no Pará em 2005 (Tomaz Silva/Agência Brasil)
Daleth Oliveira – Da Revista Cenarium

BELÉM – Um relatório produzido pelas Organizações Não Governamentais (ONGs) Terra de Direitos e Justiça Global mapeou 1.171 casos de violência contra defensoras e defensores de direitos humanos, entre os anos de 2019 e 2022. Divulgado na última semana, o estudo mostra que o Pará lidera o ranking das ocorrências por Estado, com 143 registradas no período.

Intitulado “Na Linha de Frente: violações contra quem defende direitos humanos”, o levantamento está na sua quarta edição. As três primeiras contabilizaram, respectivamente, as ocorrências dos períodos 1997-2001, 2002-2005 e 2006-2012. O novo trabalho se concentra nos anos do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

A coordenadora do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos e Ações Estratégicas da Defensoria Pública do Pará, Maria Maia, explica que os conflitos ligados à terra são os maiores impulsionadores dos casos no Estado.

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“Os defensores de direitos humanos exercem uma função importante para o fortalecimento da democracia, construção dos direitos humanos e enfrentamento a graves violações. No caso do Pará, por ser um Estado de grandes dimensões territoriais, os conflitos fundiários acabam sendo um fator que aumenta os casos de violência contra defensores de direitos humanos”, afirma Maia.

Coordenadora do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos e Ações Estratégicas, Maria Maia (Ascom/DPPA)

A defensora Maria Maia diz ainda que, apesar dos índices, o poder público tem se dedicado para proteger as vítimas dos casos, porém, a melhor arma é a luta pelo fim da impunidade a quem pratica os atos de violência.

“O cidadão é livre para expressar sua manifestação sobre os problemas sociais que entende devam ser solucionados. Porém, há casos de defensores de direitos humanos, que por conta da sua atividade profissional ou voluntária correm risco de morte. Nesses casos, há um programa para a proteção dessas pessoas. De todo modo, a melhor forma de reduzir os casos de violência contra defensores de direitos humanos é combater a impunidade”, destaca.

Problema do Pará é da Amazônia

A advogada e professora de Direito Penal da Universidade Federal do Pará (UFPA), Luanna Tomaz, considera que os índices do Estado são resultados de uma violência histórica na região amazônica.

“Nossa situação envolve inúmeros problemas estruturais da Amazônia. Pela forma como ela foi ocupada, os projetos, aqui, foram implementados causando as questões relativas aos conflitos pela terra. Com os grandes projetos na Amazônia, tivemos conflitos temáticos, como o impacto das mudanças climáticas, entre outros. Então, são muitas questões que nos atingem e que reverberam nesse tipo de violência”, argumenta.

Luanna pontua ainda que a falta de regularização de terras na Amazônia resulta também em esquemas de grilagem, que enfraquecem direitos de povos tradicionais nos espaços rurais. “Temos, no Pará, muitas comunidades indígenas e quilombolas, estes que também são assassinados na luta por seus direitos. Isso se dá ao fato de termos muitas terras sem regularização fundiária, pois temos muita grilagem, muito trabalho escravo e muita pobreza, o que acaba dificultando ainda mais o acesso e o cumprimento de direitos básicos”.

Luanna Tomaz é advogada e professora da Universidade Federal do Pará (Reprodução/Arquivo Pessoal)

“Segundo a nossa constituição, em tese, toda e qualquer pessoa deveria ser uma defensora de direitos humanos. Mas assumir, publicamente, ser defensor, é um desafio, porque nós temos uma sociedade que alimenta o ódio contra defensores e direitos humanos; que alimenta uma cultura de que defender direitos humanos significa privilegiar um grupo A; que significa defender presos e etc. Há muita desinformação sobre a questão da defesa dos direitos humanos”, continua Tomaz.

As vítimas das ocorrências mapeadas são ativistas que atuam, por exemplo, em apoio à população em situação de rua, ribeirinhos, povos indígenas, quilombolas, crianças, assim como mulheres em situação de violência doméstica, imigrantes em condição vulnerável, bem como alvos de preconceito de raça e de gênero.

Além destes, trabalhadores em situação degradante e vítimas de violência armada ou de violações praticadas por forças de segurança do Estado também estão entre os alvos de violência. Na lista, também inclui os defensores do direito à terra, à moradia, ao trabalho, à saúde, à educação e ao tratamento digno.

Foram mapeadas ocorrências em todas as unidades da Federação. Após o Pará, campeão dos casos, aparecem Maranhão (131), Bahia (109) e Pernambuco (100). Quase metade (47%) dos casos envolve violências registradas na área da Amazônia Legal. Também chama a atenção o fato de que os episódios ocorridos nas regiões Norte e Nordeste respondem por 63,9% do total.

Influência do Governo Bolsonaro

O relatório também indica que o Governo Jair Bolsonaro foi um agente ativo do ataque aos direitos humanos, fomentando a violência por meio de discursos e medidas políticas, entre elas, a flexibilização do acesso às armas. Também indica que a deterioração e o sucateamento das estruturas governamentais de garantias de direitos fizeram crescer o ambiente hostil contra grupos historicamente marginalizados.

“Foram quatro anos de ataques e hostilidades contra defensores de direitos humanos. Nós percebemos a importância de retomar essa linha histórica. De 2012 para cá, existem dados levantados por organizações internacionais que, historicamente, têm feito esse tipo de mapeamento. Mas entendemos que é muito importante que haja uma análise feita a partir do Brasil”, esclarece Alane Silva, assessora jurídica da Terra de Direitos e uma das coordenadoras da pesquisa. Ela destaca que, levando em conta a subnotificação, o número de episódios ocorridos no período é provavelmente maior.

A professora Luanna concorda com a indicativa do levantamento. “Nós tivemos, do Governo Bolsonaro, um decréscimo das políticas de proteção aos defensores de direitos humanos. Além disso, tivemos também um aumento do desmatamento, baixa regularização de terras e também de demarcação de terras indígenas. Isso faz com que a violência no campo aumente. Então, eu acho que essa falta de intervenção estatal também foi determinante para o índice”, opina.

83% das vítimas são negras e indígenas

Dos 1.171 casos mapeados em todo o País, apenas 41,6% tiveram uma única pessoa como alvo, enquanto o restante envolveu duas ou mais vítimas. Identificou-se o nome de 65 indivíduos que foram atacados em múltiplas ocasiões.

Em relação à raça, os dados revelam que os grupos mais vulneráveis são os indígenas e os negros, que representam 83,4% das vítimas com informações sobre classificação racial disponíveis.

Foram registrados 169 assassinatos durante o período analisado, o que significa uma média de três defensores de direitos humanos mortos por mês. Em cerca de 63,3% dos casos, armas de fogo foram utilizadas.

O relatório destaca que muitas vítimas sofrem ameaças antes de serem assassinadas, mas essas ameaças são raramente investigadas. Exemplos emblemáticos como as mortes da missionária Dorothy Stang, em 2005, no Pará, e do advogado Manoel Mattos, em 2009, na Paraíba, são mencionados. Os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips também são citados no relatório, ressaltando que Bruno já havia recebido ameaças anteriormente.

Justiça por Dom e Bruno (Arte/Agência Brasil)

Dos 1.171 casos de violência, 78,5% tiveram como alvo pessoas que lutam pela terra, território e meio ambiente. Em 4,8% dos casos, as vítimas eram ativistas LGBTQIAP+ e, em 3,7%, a violência foi direcionada a defensores da moradia e do direito à cidade.

Dos 169 assassinatos, 140 envolviam pessoas que lutavam pelo direito à terra e ao território. O Brasil fica em quarto lugar no número de assassinatos de defensores de terras e meio ambiente, de acordo com um levantamento recente da Global Witness.

O estudo também identificou que 32,7% dos casos envolviam sujeitos privados, como empresas e fazendeiros, enquanto 22,9% contaram com a participação de agentes públicos, como policiais e políticos. Em 44,4% dos casos, não há informações disponíveis sobre os agentes violadores dos direitos.

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