Parem de nos matar

Primeiro vamos compreender a palavra feminicídio.

Feminicídio é uma palavra nova para uma prática antiga, sendo que mulheres morrem de forma trágica todos os dias no Brasil, há muito tempo. São espancadas, estranguladas e agredidas brutalmente até perderem a vida. Assim sendo, o assassinato de mulheres em contextos marcados pela desigualdade de gênero recebeu uma designação própria. O conceito surgiu na década de 70, mas a palavra só passou a ser usada em 2015 para designar o crime de ódio contra as mulheres. O feminicídio é a última instância de controle da mulher pelo homem, o controle da vida e da morte. O termo feminicídio significa perseguição e morte intencional de pessoas do sexo feminino, quando uma mulher tem sua vida ceifada simplesmente por ser mulher. Só se caracteriza feminicídio quando a causa está diretamente relacionada ao ódio baseado no gênero, sempre há violência física, psicológica e sexual. Grande parte dos motivos está relacionada com o machismo e o sentimento de posse que os homens tentam impor às mulheres que fazem parte, de alguma maneira mais íntima ou não, do seu convívio social. Geralmente os autores dos assassinatos são os companheiros ou ex-companheiros das vítimas.

Falar a respeito desse tema é sempre doloroso, cruel, difícil. A sociedade não debate com a seriedade devida, nem mesmo no curso de direito o assunto é discutido amplamente como deveria, fica limitado ao tipo penal e o debate de gênero é deixado de lado. O enfretamento às raízes dessa violência extrema não está no centro do debate público com a intensidade e profundidade necesárias diante da gravidade do problema. As causas para ocorrer esse crime hediondo são muitas, mas podemos destacar a desigualde de gênero, a bagagem cultural predominantemente patriarcal e machista, a figura masculina como epicentro sinônimo de força e superioridade.

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Durante séculos as mulheres foram vistas como um ser inferior, como alguém sem alma e sem sonhos. As desigualdades entre homens e mulheres é socioeconômica, cultural, intelectual, política e jurídica. Enquanto os homens comandavam e detinham o poder, as mulheres eram subordinadas e submissas, se limitando a amar incondicionalmente enquanto eles governavam. Mas nunca elas foram consultadas se queriam apenas amar, isso lhes foi imposto destruindo seus sonhos, suas vidas e lhes transformando em estátuas. Durante muitos séculos suas vidas foram roubadas.

Só muito recentemente a mulher começou a sair da cozinha e dos quartos das crianças para protestar contra o monopólio do homem.

No Brasil, há bem menos de um século, a mulher era, e quase oficialmente, considerada uma “coisa, talvez algo um pouco mais do que uma criança e seguramente bem menos do que um homem. Ou seja, as mulheres de 70 anos que conhecemos e que convivem conosco, nasceram em um mundo onde eram vistas como seres imperfeitos, coisas engraçadinhas e que apenas serviam para procriar.

Só tiveram direito ao voto em 1933, e somente um ano depois resolveram estabelecer, ou pelo ao menos pôr no papel, a igualdade entre os sexos a qual foi mantida na constituição de 1977.

Na época do Brasil Colonial, os homens tinham o direito de matar suas mulheres. É isso mesmo que você leu, sim, eles podiam lhes tirar a vida; e até a década de 1970  o argumento de “legítima defesa da honra” ainda era aceito nos tribunais como justificativa para crimes passionais. Até hoje, é comum homens que cometem feminicídio chegarem ao julgamento achando que não fizeram nada de errado, afinal, durante séculos lhes foi ensinado que suas vidas pertenciam a eles, que eram suas propriedades.

O feminicídio surge então como forma coercitiva e carrega consigo muito mais que um título de qualificadora, foi uma forma que o Estado viu de coibir uma prática extremamente reincidente no país; uma maneira de tentar frear a banalização de um crime tão grave.

A ex-presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei 13.104, a chamada Lei do Feminicídio, em 09 de março de 2015. A lei altera o Código Penal ( art. 121 do Decreto de Lei n° 2.848/40 ), incluindo o feminicídio como uma modalidade de homicídio qualificado, colocando no rol de crimes hediondos.

Outra Lei muito importante dentro desse contexto, é a Lei Maria da Penha, Lei nº 11.340 que foi sancionada em 07 de agosto de 2006 pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que cria mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Importante ressaltar que a mulher que deu nome à lei ficou paraplégica depois de seguidas tentativas de assassinato do companheiro, com quem viveu por 23 anos.

Bom, eu fiz toda essa análise para tentarmos entender todo esse ódio contra as mulheres. Não há nenhuma justicativa para que um homem tire a vida de uma mulher, mas é necessário que entendamos esse quadro social a que fomos submetidas durante toda a história, durante séculos, mesmo antes de Cristo.

Tratadas como seres inferiores por todos os poderes constituídos aos longos dos milênios, as mulheres tiveram seus quinze minutos de fama e protagonismo nas civilizações pagãs: eram sacerdotisas, deusas poderosas, representavam a fertilidade e a mãe Terra. Mas isso não as impediu de serem queimadas vivas na fogueira em praça pública pela Igreja, que as consideravam bruxas apenas por não seguirem os padrões impostos, que não seguiam as regras do catolicismo, ou que fosse considerada esquisita. Sim, se fosse considerada estranha podia ser queimada viva, a religião também nos oprimiu, mas deixo essa pauta para um próximo artigo.

Perdi as contas das vezes em que parei de escrever esse artigo, coloquei as mãos no rosto e fiquei atônita do quanto o mundo foi cruel com a gente.

Vamos aos números?! O Brasil é o quinto em taxa de feminicídio no mundo, isso mesmo, e olha que somos um estado laico e não temos um Alcorão em nossa mesa e nem estamos no Médio Oriente.

Em nosso país uma mulher é assassinada a cada 2 horas, uma é estuprada a cada 11 minutos, a cada hora 503 mulheres são vítimas de agressão e cinco são espancadas a cada 2 minutos.

Os dados são alarmantes e preocupantes, mesmo com a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio a violência aumentou, os assassinatos também.

O que há com os homens? Por que uma mulher não pode dizer “não”? Por que uma mulher não pode sair viva de um relacionamento? Por que temos que perder a vida para que nossas vontades sejam respeitadas? São muitas perguntas sem respostas.

Se hoje podemos estudar, votar, se podemos nos divociar e também escolher nosso futuro marido, devemos isso a todas as mulheres que vieram antes de nós e lutaram por isso, muitas foram mortas, agredidas, queimadas. Então devemos respeitar e ter orgulho dessa mulheres. Ainda hoje há muitas manas lutando pelos nossos direitos, pela nossa vida. O movimento feminista tem uma grande importância. Você pode até não se considerar feminista, mas não pode negar a importância dessas mulheres e desse movimento para a manutenção da nossa liberdade.

“O feminismo é a ideia radical de que mulheres são seres humanos”

( Cheris Kramarae )

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(*)Regiane Pimentel é bacharel em direito, ativista social e feminista amazônida.

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