Patrocinadora do Festival de Parintins, Eneva é alvo do MPF por ameaçar indígenas de morte

Indígena posicionado ao lado de uma das instalações da empresa Eneva S/A. (Composição/Paulo Dutra/CENARIUM)
Paula Litaiff – Da Cenarium*

MANAUS (AM) – Patrocinadora do 57° Festival do Parintins (AM), que ocorre neste final de semana, a empresa Eneva S/A é alvo de inquérito do Ministério Público Federal do Amazonas (MPF/AM) por atentar contra a vida de lideranças indígenas no “Campo do Azulão”, localizado entre as cidades de Itapiranga e Silves, distantes 226 e 181 quilômetros de Manaus, no Estado do Amazonas, que está sob a operação de extração de combustíveis fósseis para geração de energia (termelétricas) da empresa desde 2021.

A Eneva repassou R$ 15 milhões aos representantes dos bumbás Caprichoso e Garantido, personagens do festival, cujo o principal objetivo é “exaltar a cultura indígena da Amazônia”. O inquérito inicial do MPF se baseou no relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) – Prelazia de Itacoatiara, entregue a órgãos federais em setembro de 2023, no qual registrou que a empresa viola a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Um dos registros das ameaça de funcionários da Eneva

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Repasse R$ 15 milhões da Eneva para Festival de Parintins

A Convenção 169 da OIT prevê audiências públicas com os povos tradicionais em caso de empreendimentos de grande porte próximos a territórios indígenas. Nas proximidades do Campo do Azulão, há, aproximadamente, 200 famílias indígenas, quilombolas e ribeirinhas. A presença de poços de extração de gás próximos às comunidades é ainda uma ameaça ao modo de vida desses povos.

Em meio ao um debate sobre a demarcação de terras nas adjacências do Complexo do Azulão, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) se posicionou em documento enviado ao Ministério Público Federal. Documentos da Funai atestam a presença das comunidades indígenas e que há um processo de homologação do território em andamento.

De acordo com informações da Comissão Pastoral da Terra, o empreendimento está prejudicando o acesso a alimentos dos povos tradicionais, oferece riscos à qualidade da água e pode destruir registros históricos, como também constatou a equipe da CENARIUM em matéria investigativa neste ano.

Assista ao doc completo aqui

Depoimento de cacique

É lamentável a gente não poder ficar em nossa terra sem escolta (policial). É uma vida totalmente diferente não poder ter a liberdade de antes, de pescar, de caçar, de fazer o que se gostava”. A declaração é do cacique da aldeia Gavião Real I, Jonas Mura, que está no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH), após ameaças de funcionários da Eneva.

A liderança faz parte das famílias de povos originários que moram no entorno do Complexo do Azulão. Jonas define o que sente ao viver sob ameaças de morte por questionar o processo de exploração de gás e óleo no maior Estado da Amazônia.

O cacique da aldeia Gavião Real I Jonas Mura, em uma área de exploração da Eneva no município de Silves, no Amazonas (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

Jonas está há 27 anos à frente da comunidade habitada por 96 famílias das etnias Mura, Sateré-Mawé e Munduruku. A aldeia onde vive o cacique, Gavião Real I, é uma das sete que integram a região cortada pelo Rio Anebá. Ao todo, cerca de 190 famílias vivem em toda a extensão da localidade adjacente à região explorada pela Eneva.

À reportagem, ele ressaltou a preocupação com os limites exploratórios da Eneva no município, sobretudo quanto aos recursos naturais. Para ele, a exploração, que considera desenfreada e sem a devida preservação, pode comprometer o futuro e a manutenção das comunidades, que dependem da caça e da pesca como fonte de alimentação.

“Há muito tempo, a gente vem lutando para não ter os nossos direitos violados pelo homem branco. A luta é para proteger a nossa fauna, a nossa floresta, rios e lagos, para que nossos filhos, netos e bisnetos possam usufruir disso mais tarde. Se a gente não proteger essa terra, ela vai ser destruída pelo homem branco e nossos descendentes não vão poder ver a riqueza que nós temos aqui”.

Além do cacique Jonas Mura, outras cinco lideranças indígenas estão no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, após ameaças de funcionários da Eneva. Eles preferiram não se identificar durante reportagem no Complexo do Azulão.

A Eneva e a Amazônia

Com uma receita líquida de R$ 2,5 bilhões apenas no primeiro trimestre de 2023, a Eneva vai na contramão do que defendem os protocolos mundiais de meio ambiente e investe na exploração de combustíveis fósseis, violando os direitos dos povos tradicionais no Amazonas com a promessa de gerar desenvolvimento financeiro no município de Silves, no Amazonas. O grupo empresarial tem como principal acionista o Banco BTG Pactual.

Com a promessa de gerar arrecadação anual de royalties de mais de R$ 70 milhões ao ano, a Eneva fechou 2023 com um repasse de R$ 2,3 milhões de royalties após oito anos de exploração de gás no município de Silves. A cidade tem um dos piores índices de desemprego com uma taxa de desocupados formalmente que ultrapassa a 17%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

‘Valorização do povo’

À CENARIUM, a empresa Eneva informou que “apoia o Festival de Parintins por entender que é essencial promover a tradição amazônica, valorizar o povo e apoiar a geração de trabalho e renda ligada à organização do evento, além do fomento a setores como turismo, comércio local e artesanato”. Leia a nota na íntegra:

A Eneva esclarece que é uma empresa comprometida com o desenvolvimento socioeconômico e cultural do Amazonas, e apoia o Festival de Parintins por entender que é essencial promover a tradição amazônica, valorizar o povo e apoiar a geração de trabalho e renda ligada à organização do evento, além do fomento a setores como turismo, comércio local e artesanato.

A Eneva preza pelo mais alto nível de conformidade com a legislação e as normas e mantém um diálogo próximo e contínuo com todos os agentes envolvidos na exploração de áreas de petróleo e gás.

Destaca-se que não foram identificadas comunidades tradicionais indígenas e/ou quilombolas nas áreas de influência das operações do empreendimento da Eneva, conforme as bases oficiais da FUNAI e INCRA, que regulamentam a definição no Brasil.

A Eneva esclarece ainda as licenças ambientais da Eneva no complexo do Azulão, no Amazonas, seguem vigentes, conforme decisão das instituições responsáveis. A companhia segue integralmente a legislação e as normas dos setores nos quais atua, seguindo todas as etapas e procedimentos necessários para a obtenção de licenciamento.

Leia mais: Gasoduto da Eneva pode agravar conflitos na Amazônia
(*) Texto embasado nas reportagens especiais das jornalistas Márcia Guimarães e Adrisa De Góes
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