PEC que derruba decisões do STF atropela atribuição da Corte, avaliam analistas

Fachada do palácio do Supremo Tribunal Federal (STF) (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
Mayara Subtil – Da Revista Cenarium Amazônia

BRASÍLIA (DF) – Duas Propostas de Emenda à Constituição avançam no Congresso Nacional para limitar decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). No Senado, a PEC 8, de 2021, quer proibir decisões monocráticas (de um ministro só) e estabelecer prazos de pedidos de vista nos julgamentos da Corte.

O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sinalizou que pretende levar o texto, que já teve o aval da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), à votação em plenário na próxima semana. Na Câmara, há a PEC 50, de 2023, para suspender decisões dos magistrados que os parlamentares “considerem inconstitucionais“.

A pedido da REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA, especialistas em Direito Constitucional avaliaram a PEC que tramita na Câmara dos Deputados. Para a advogada Ana Paula Canova Abinajm, não pode haver interferências nas decisões entre poderes. “Há inconstitucionalidade por afronta ao princípio da separação entre poderes. Dessa forma, não cabe ao Congresso executar as atribuições previstas pela PEC, sob pena de se tornar um órgão de revisão das decisões do STF“, explicou.

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Canova Abinajm também reforçou que, em um cenário onde a PEC seja discutida e votada em dois turnos, tanto na Câmara quanto no Senado, terminando, então, em aprovação pelos parlamentares, estará sujeita ao controle de constitucionalidade dos magistrados. “Caso haja a aprovação da PEC e um dos legitimados proponha uma ação direta de inconstitucionalidade, o STF poderá fazer o controle de constitucionalidade da matéria e, se for o caso, declarar sua inconstitucionalidade“, concluiu. 

A advogada Ana Paula Canova Abinajm diz que não pode haver interferências nas decisões entre poderes (Reprodução/Arquivo Pessoal)

Vitória Sernégio, advogada e especialista em Tribunais Superiores, vai mais além e diz que há, de fato, situações em que é possível um Poder interferir em alguma medida do outro, o que é normal do sistema democrático brasileiro, e se tem como objetivo proporcionar o equilíbrio entre poderes.

Um exemplo disso é a sanção ou veto presidencial sobre um projeto de lei que passou no Congresso. Mas o limite está no que a advogada chamou de “sequestro de atribuições“.

Essa influência de um poder sobre o outro não pode, em hipótese alguma, ser traduzida numa limitação de poderes um do outro, em um sequestro de atribuições e de funções de um outro poder. Aqui, realmente, quando essa situação [PEC 50/2023] acontece, estamos diante de um problema da separação entre os poderes, que é uma das coisas mais protegidas da nossa democracia“, declarou.

Do ponto de vista formal, de acordo com Vitória Sernégio, a PEC em si pode ser considerada legítima, só que não o conteúdo. “Está seguindo o procedimento que a Constituição estabelece a ela, foi proposta por quem é legitimado. Porém, se estivermos pensando sobre o conteúdo, a legitimidade desse conteúdo, realmente entendo que temos um problema, pois, se pensarmos bem, o próprio Legislativo, quando editou a Constituição de 1988, escolheu dar para o STF a função de ser o guarda da Constituição“, esclareceu. 

Advogada Vitória Sernégio chamou de ‘sequestro de atribuições’ manobra congressista (Reprodução/Arquivo Pessoal)

O texto modifica o artigo 49 da Constituição Federal, que lista as competências do Congresso Nacional. Conforme a matéria, o Parlamento poderia, por exemplo, “deliberar, por três quintos dos membros de cada Casa Legislativa, em dois turnos, sobre projeto de decreto legislativo do Congresso Nacional, apresentado por 1/3 dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado, que proponha sustar decisão do Supremo Tribunal Federal que tenha transitado em julgado, e que extrapole os limites constitucionais“.

A reportagem procurou o deputado federal Domingos Sávio (PL-MG), autor da PEC, para entender o propósito dele ao protocolar a matéria. Por mensagem, o parlamentar respondeu ter “total respeito pelo Judiciário” e que a PEC “não retira nenhuma competência ou poder do STF“.

“Caso seja aprovada, não significa que qualquer decisão poderá ser revista. É uma proposta séria, necessária, e que não banaliza o questionamento sobre as decisões do STF. Hoje, se o Executivo toma uma decisão por decreto ou por portaria, o Legislativo pode revogar. Porém, se o STF toma uma decisão inconstitucional, a sociedade não tem a quem recorrer para corrigir o erro”, justificou o deputado. Por meio da rede social X, antigo Twitter, Sávio declarou que a proposta, nomeada por ele como “PEC do Equilíbrio Entre os Poderes“, recebeu 175 assinaturas.

Deputado federal Domingos Sávio (PL-MG) é o autor da PEC que autoriza Congresso a suspender decisões do STF (Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

A PEC apresentada também estabeleceria que o decreto legislativo “será promulgado pelo presidente do Congresso Nacional e comunicado ao Supremo Tribunal Federal, com vigência imediata“. Domingos Sávio, na justificativa, ainda afirma que o Poder Judiciário tem o dever de “assegurar o respeito às leis elaboradas por aqueles que detêm o poder que emana do povo, o poder de legislar em nome do povo“.

O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, chegou a criticar, nesta semana, propostas com meta em alterar o funcionamento interno da Corte. Nas palavras do magistrado, o histórico estrangeiro contra Supremas Cortes aponta que as próprias Cortes “não são capazes de proteger isoladamente a democracia“. “Elas precisam do apoio da sociedade civil, da imprensa, da classe política“, afirmou.

Barroso analisou também que, nos 35 anos da Constituição Federal de 1988, o STF cumpriu seu papel como guardião do texto. Conforme o magistrado, críticas à atuação da Corte estão no “varejo político“.

O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), criticou proposta em avanço no Congresso para alterar funcionamento interno da Corte (Carlos Moura/SCO/STF)
Pressão à Corte 

A PEC vem na esteira de uma mobilização de parlamentares da oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de ruralistas para barrar os trabalhos do Congresso, como forma de protesto contra o STF. Um exemplo é o resultado do julgamento na Corte da tese do Marco Temporal. Na visão desses parlamentares, o Judiciário, que definiu o entendimento como inconstitucional, estaria interferindo de forma indevida em assuntos do Legislativo.

Como contrapartida, a oposição reivindica indenizações aos fazendeiros por meio da PEC 132/2015, conhecida como PEC das Indenizações. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já autorizou a instalação de uma comissão especial para analisar a proposta.

Leia mais: ‘STF respeita os Poderes e exige respeito’, diz Moraes após ataques de Bolsonaro
Editado por Jefferson Ramos
Revisado por Adriana Gonzaga
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