Procuradores e juízes criticam proposta na Câmara que restringe buscas em escritórios de advocacia

Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deve colocar em votação esta semana o projeto de lei, que tramita em regime de urgência (Reprodução/TV)

Com informações do jornal O Globo

RIO — Associações de procuradores, juízes e delegados federais criticaram um projeto de lei, em análise na Câmara dos Deputados, que prevê restrições para mandados de busca e apreensão, investigações e delações premiadas que tenham advogados ou escritórios de advocacia entre seus alvos.

O projeto, que passou a tramitar em regime de urgência na segunda-feira, é de autoria do deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG) e trata de mudanças no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), regulado por uma lei federal de 1994.

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Advogados que defendem a medida citam a necessidade de proteger o sigilo das comunicações com clientes, e também de dar segurança ao pagamento de honorários. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deve colocar o projeto em votação esta semana.

Para o diretor de assuntos jurídicos da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Patrick Martins, o projeto em análise na Câmara “cria uma blindagem para advogados que usam a profissão para praticar crimes”. Um dos pontos criticados na proposta é a proibição de buscas em escritórios de advocacia “com fundamento meramente em indício, depoimento ou colaboração premiada, sem a presença de provas periciadas e validadas pelo Poder Judiciário”, sob pena de nulidade.

— A rigor, o Judiciário só valida uma prova ao final do processo. Querem que haja sentença para depois se fazer busca e apreensão, um tipo de medida cautelar que se faz no início da investigação, justamente para recolher provas? É um projeto que inverte todo o processo penal. Caso seja aprovado na Câmara, devemos ingressar com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal — afirmou Martins.

Já a OAB se manifestou favoravelmente. Em nota, o presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, afirmou: “A inviolabilidade do escritório do advogado é uma garantia da sociedade. Ali há documentos, processos, vidas de clientes, confiados em sigilo ao advogado, que não podem ser comprometidos sem que sejam objeto do mandado de busca e apreensão, objeto de investigação. Essa iniciativa legislativa separa o joio do trigo, deixa claro que o que for objeto de mandado específico, investigado com correção, poderá ser colhido, impedindo de ser exporem dados e processos que não são objeto de investigação. Essa exposição indevida seria, inclusive, uma exposição do cidadão, não do advogado”.

A apresentação do projeto, feita em novembro, ocorreu dois meses após a Polícia Federal (PF) deflagrar uma operação contra advogados que teriam firmado contratos fictícios com o Sistema S do Rio, em um desvio apontado de R$ 150 milhões. A denúncia do Ministério Público Federal (MPF), recebida pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, tornou réus mais de 20 advogados,  incluindo nomes como Frederick Wassef, que atuou em processos do presidente Jair Bolsonaro, e Cristiano Zanin, parte da defesa do ex-presidente Lula. Eles negam as acusações. Wassef também foi alvo de busca e apreensão em um endereço registrado como seu escritório em Atibaia (SP), em junho, na Operação Anjo. No local, a PF prendeu Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), denunciado pela prática de “rachadinha”.

As forças-tarefas da Lava-Jato do Rio, responsável pela operação sobre desvios no sistema S, e de Curitiba não quiseram se manifestar. Em nota, a procuradora natural da Lava-Jato de São Paulo, Viviane Martinez, reiterou que o ponto criticado pela ANPR “cria uma blindagem nos escritórios de advocacia”.

“Acredito que, assim como o direito penal inquisitorial do Código de Processo Penal de 1973 era um desvio, próprio de um regime militar de exceção, onde havia pouco espaço para a democracia, essa teses garantistas que criam impunidade também são um desvio de rumo. Com o amadurecimento da nossa sociedade, certamente esses desvios serão corrigidos”, afirmou a procuradora.

O advogado Belisário dos Santos Jr., ex-secretário de Justiça de São Paulo, membro da Comissão Arns e também da Comissão Internacional de Juristas, avalia que a intenção do projeto é garantir “não só a inviolabilidade física, mas também tecnológica” de escritórios de advocacia, “resguardando inclusive o sigilo das comunicações com clientes”. O jurista apontou, no entanto, que há “defeitos de redação” que podem gerar “problemas” na aplicação do projeto, caso seja aprovado na forma atual.

— Às vezes há por parte das autoridades uma desconfiança indevida se houve ou não serviço prestado. Ao afirmar que o contrato advocatício pode ser verbal, o projeto trata de um cenário muito frequente hoje em dia. Isso não significa que o advogado não deva fazer seus contratos por escrito. Há alguns pontos do projeto que descem a um nível de detalhes que acabam restringindo até mesmo a atuação dos tribunais de ética, que costumam ter um agir sensato e sereno —afirmou.

O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Eduardo André Brandão, se referiu ao projeto como “blindagem” e “proteção exacerbada para a atividade da advocacia, completamente descompassada com o que a sociedade espera”. Para ele, o projeto tenta “inibir a atividade do Judiciário e do Ministério Público” ao prever, em um de seus artigos, que um advogado estaria sujeito a processo disciplinar caso acompanhe um cliente em colaboração premiada “sobre atividade de outro advogado, sem a presença de provas periciadas e validadas pelo Poder Judiciário”.

— Valorizar o trabalho dos advogados é essencial para a democracia, mas este projeto pode ter efeito contrário, de desacreditar a advocacia, além de dificultar o trabalho do Judiciário e do MP — afirmou Brandão.

O diretor da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Edvandir Paiva, defendeu que a legislação atual sobre inviolabilidade de escritórios é “suficiente”. Uma lei aprovada em 2008 diz que, “presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de um advogado”, o Judiciário pode expedir mandado de busca e apreensão em escritório de advocacia, desde que a ação seja acompanhada por um representante da OAB. O projeto que tramita na Câmara, por sua vez, exige que o representante e o próprio investigado acompanhem também o processo posterior de análise do material obtido.

— Exigir que o advogado investigado acompanhe a análise do material apreendido é mais uma tentativa de engessar, burocratizar a investigação — avaliou.

Já o advogado criminalista Miguel Pereira Neto, conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), elogia outros pontos do projeto além da inviolabilidade dos escritórios, como a previsão de que, em caso de bloqueio de bens, um percentual de até 20% seja liberado para pagamentos de honorários advocatícios.

— O projeto preserva prerrogativas de defesa. A busca e apreensão não pode ser uma “fishing expedition”, jogar a rede para ver o que aparece. Isto seja contra quem for, mas principalmente num escritório de advocacia. A prática de atos contra advogados deve ser vista com toda a cautela — argumentou.

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