Rede indígena critica reportagens sobre impacto da internet no Vale do Javari

Reportagens foram publicadas em sites nacionais (Foto: Ipam/ Composição: Weslley Santos/Revista Cenarium)
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – Estudantes indígenas do Vale do Javari, o segundo maior território demarcado do País, repudiaram declarações feitas em reportagens de que a chegada da internet causou problemas nos jovens, como vícios em pornografia e jogos violentos, assim como desinteresse em questões das comunidades.

A reportagem foi inicialmente veiculada no período americano The New York Times, com o título “The Internet’s Final Frontier: Remote Amazon Tribes“, na tradução para o português “A fronteira final da Internet: tribos remotas da Amazônia“. Depois, o material foi reproduzido por sites nacionais, como a Folha de S. Paulo, R7, ND Mais e outros, o último com o título “Tribo indígena brasileira que recebeu Starlink se vicia em pornô e deixa de caçar“.

Veja alguns títulos da matéria reproduzida em sites nacionais:

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Reportagem no The New York Times (Reprodução)
Reportagem na Folha de S. Paulo (Reprodução)
Reportagem no ND Mais (Reprodução)

Segundo a Rede de Estudantes Indígenas do Vale do Javari (Rede Reivaj), além de infundadas e discriminatórias, as declarações também perpetuam “estereótipos negativos sobre os povos indígenas e ignora a complexidade das questões que envolvem a introdução de novas tecnologias em suas comunidades“.

Repudiamos a postura paternalista e preconceituosa implícita nessas declarações, que desconsidera a autonomia dos jovens indígenas do Vale do Javari, e sua capacidade de gerir o uso das tecnologias de acordo com suas necessidades e valores culturais. É essencial reconhecer que os indígenas são agentes ativos na construção de seu futuro e possuem o direito inalienável de acessar e utilizar as tecnologias da informação de forma benéfica, consciente e educacional“, destacou a Rede Reivaj.

A organização acrescentou que as declarações são tentativas de desviar o foco de questões que afetam os povos do Vale do Javari, como a falta de políticas públicas eficazes, a invasão de territórios e a precariedade de serviços básicos de saúde e educação. “Essas são questões que devem ser tratadas com urgência e seriedade pelas autoridades competentes, bem como pelos veículos de informação, cuja responsabilidade será atribuída“, consta ainda na nota de repúdio.

Por fim, a Rede Reivaj exige que as declarações discriminatórias sejam retratadas. Veja a nota de repúdio abaixo:

A vice-presidente da Associação dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Akavaja), Inory Kanamari, no entanto, observa “o outro lado” da questão. Para ela, a reportagem retrata uma situação muito real. “Está ocorrendo não só com os indígenas Marubo, mas com outros povos também. Infelizmente, a tecnologia chegou, mas não chegaram informações necessárias sobre como utilizá-la com segurança. Essa tecnologia é boa, mas também pode ser usada para o mal. O lado ruim, como esse que estamos vendo, é que está sendo um prejuízo enorme para os povos indígenas que habitam a região“, destacou.

Depoimentos

A reportagem entrevistou lideranças indígenas do povo Marubo, residentes no Vale do Javari, em uma viagem com a proposta de “entender o que acontece quando uma civilização pequena e fechada de repente se abre para o mundo“.

A internet instalada na aldeia dos Marubo, com 2 mil membros, é da Starlink, o serviço de internet via satélite da SpaceX, a empresa espacial privada do bilionário Elon Musk. Desde a chegada ao Brasil, em 2022, o Starlink conectou a maior floresta tropical do mundo, levando internet para um dos últimos lugares offline do planeta. Na aldeia, a conectividade chegou há apenas nove meses.

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Um dos relatos é de Tsainama Marubo, 73 anos. Ela declarou ao repórter que a internet trouxe benefícios, como videochamadas com entes queridos distantes e pedidos de ajuda em emergências, mas também fez as coisas “piorarem“. “Os jovens ficaram preguiçosos por causa da internet (…) Eles estão aprendendo os costumes dos brancos“, declarou.

Um dos líderes Marubo, Enoque Marubo, 40 anos, disse que a internet foi uma sensação imediata, mas prejudicial. “Mudou tanto a rotina que foi prejudicial”, admitiu. “Na aldeia, se você não caça, pesca e planta, você não come.”

Kâipa Marubo, pai de três filhos, disse ao The New York Times que estava feliz porque a internet estava ajudando a educar seus filhos, mas ele também estava preocupado com os jogos de tiro que seus dois filhos jogam. “Estou preocupado que eles de repente queiram imitá-los“, disse. Ele tentou excluir os jogos, mas acredita que os filhos tenham outros aplicativos ocultos. Também há preocupações acerca da pornografia acessada pelos jovens.

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