Santuário resiste ao tempo e mantém sobrevivência de primatas raros na Amazônia

Uacari é considerado o mais misterioso macaco da Amazônia (Ricardo Oliveira/Cenarium)
Ana Paula Freire – Especial Para Cenarium

MANAUS – Na floresta dominada por macacos, localizada na região do Tarumã, a oeste de Manaus, quem reina é Zita, uma fêmea de uacari-branco (Cacajao calvus), espécie rara, meiga, “a única capaz de quebrar castanhas com os dentes”, segundo o seu mais fiel adorador, o empresário David Israel, 58, um dos sócios do empreendimento turístico Amazon EcoPark Jungle Lodge. É nesse complexo de dois mil hectares que está o Amazon EcoPark Sanctuary ou, simplesmente, “Santuário dos Macacos”, como ficou conhecido por abrigar, principalmente, esse grupo de animais.

Zita chegou ainda pequena, há 25 anos, e é a “queridinha do pedaço”. “Ela manda no coração da gente”, brinca Israel. Nada mal para quem divide o mesmo espaço com uma macaca, digamos, mais “famosa”. Afinal, quem não se lembra de Catú, companheira da indiazinha Tainá, do premiado longa “Tainá: Uma Aventura na Amazônia” (2000), dirigido por Tânia Lamarca e Sérgio Bloch? Princesa, o nome real, era ainda bebê quando foi escalada para o elenco. Ainda hoje atrai a atenção principalmente das crianças que visitam o Santuário.

Os macacos-barrigudos (Lagothrix lagotricha) são o maior grupo – Princesa é um deles, assim como Fred, o “macho alfa”, segundo Israel. Há também exemplares de macaco-prego (Cebus apella), macaco-de-cheiro (Saimiri sciureus), macaco-guariba (Alouatta guariba, também conhecido como Bugio, na região Sul do País), sauim-de-coleira (Saguinus bicolor) e, claro, dos uacari-branco ou parauaçu, mais reservados, que vivem ao redor do Lodge e vão basicamente para se alimentar, pois não ficam muito tempo na área dos guaribas.

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Zita com seu fiel adorador, o empresário David Israel (Ricardo Oliveira/Cenarium)

Considerado por muitos o mais misterioso macaco da Amazônia, devido a sua cauda curta e face vermelha e a seus pelos que vão do branco ao ruivo, o uacari-branco é uma espécie que só ocorre no Estado do Amazonas, mais precisamente na região central, entre os rios Solimões e Japurá, onde está localizado o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Só por essas características, já dá para imaginar o privilégio que é poder vê-los de pertinho. Por isso, os visitantes são levados justamente na hora das refeições, momento em que eles aparecem.

Todos os bichos ficam soltos, circulam livremente pelo Santuário, às vezes, dão uma escapadinha, mas sempre voltam. “Não é uma ilha, se eles quiserem debandar, podem ir. Mas, como oferecemos comida, estão sempre aqui, vagueando pela floresta”, conta Israel. No caso dos macacos, a alimentação consiste em frutas, ovos, banana, melancia, mamão, castanha-da-Amazônia, um cardápio bem variado, servido duas vezes ao dia (ás 10h30 e às 16h), cuidadosamente preparado pelo tratador Janderlei.

Educação ambiental

Além do Santuário, o complexo Amazon EcoPark Jungle Lodge engloba o EcoPark Wellness, um SPA para quem busca programas de nutrição e cursos de meditação, e o EcoPark Beach Club, inaugurado recentemente, para os que querem curtir uma praia de rio. “O Amazon EcoPark Sanctuary, dos macacos, do orquidário, das trilhas ecológicas, é a parte educacional do projeto, onde realizamos atividades de limpeza dos rios, plantio de árvores e outras ações em prol do meio ambiente e da preservação. É o propósito da nossa existência”, diz Israel.

Um macho parauacus-da-cara-branca na espreita (Ricardo Oliveira/Cenarium)

O hotel, propriamente, ocupa apenas 5% da área total, “mas nós definimos como 80% desse total sendo a área de preservação permanente”. O Santuário iniciou as atividades em agosto de 1991, com a chegada dos primeiros macacos, resgatados de áreas que seriam alagadas para a construção de represas. De acordo com Israel, o projeto era acompanhado de perto pelo Ibama e pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente. “Inclusive, nós recebíamos os animais apreendidos pelo Ibama, que não tinha estrutura para mantê-los”.

O empresário lembra que os barrigudos foram os primeiros a chegar. Depois, vieram exemplares de macaco-aranha (Ateles paniscus) e outros animais, como anta, paca, todos resgatados pelo Ibama. “Havia muito comércio ilegal, nos anos 90, e esses grupos de animais foram ficando na nossa área, alguns se reproduziram, e então o projeto foi se consolidando. Hoje, temos uma fauna de espécies endêmicas da região bastante diversificada, e nossa área está muito bem preservada”, orgulha-se Israel.

Vivem por ali veados, esquilos, japiins, sanhaçus, bem-te-vis, águias, gaivotas migratórias (que passam e colocam ovos na praia), tartarugas, tracajás, e muito provavelmente alguns mais raros de se encontrar. “Já registramos até pegada de onça”, conta o empresário, assegurando que todos os animais mantidos nesse pedaço verde do lado oeste de Manaus são acompanhados por uma equipe multidisciplinar de profissionais, que incluiu veterinário, tratadores, biólogos, botânicos, pesquisadores, a maioria colaboradores.

O Uacari exibe expressão de mistério enquanto observa o movimento na natureza (Ricardo Oliveira/Cenarium)

Laboratório vivo para estudantes do ensino fundamental à pós-graduação, o Santuário é uma das áreas mais preservadas no lado oeste de Manaus. Ao norte, fica a Reserva Florestal Adolpho Ducke, estação experimental do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que cobre uma área de dez mil hectares de floresta tropical úmida e abriga o Jardim Botânico Adolpho Ducke. Na parte leste, a área pertence ao Exército brasileiro. Três pontas de área verde no entorno da capital amazonense, sendo uma mantida pela iniciativa privada.

Apoio e resistência

O Santuário é sustentado exclusivamente com recursos provenientes das operações turísticas do Amazon EcoPark Jungle Lodge. Israel diz que prefere assim: “Nunca tivemos apoio financeiro, porque nunca fizemos um esforço concentrado para ir atrás. Até cogitamos, mas é muito complicado, sobretudo se for verba pública. Nosso objetivo não é criar burocracia e sim proporcionar proteção aos animais e contribuir para uma consciência ambiental das pessoas. Ultimamente, tem sido uma luta bem difícil, mas conseguimos manter sem ajuda externa”.

A dificuldade a que se refere veio com a pandemia da Covid-19. Com a estagnação do turismo, os recursos para alimentação dos animais, remuneração de veterinários e tratadores, e para manutenção geral reduziram significativamente. “[a pandemia] Impactou, sem dúvida. Nessas horas, um apoio externo seria bem-vindo. Como sou sempre muito otimista, sei que a situação vai melhorar e vamos continuar com o nosso projeto. Ele nos inspira e nos motiva pelo conjunto de benefícios que proporciona”, acredita Israel.

Fred é o “macho alfa” da espécie e barrigudo, exibe o seu porte físico na floresta (Ricardo Oliveira/Cenarium)

Sempre é possível, segundo ele, “adotar” um macaco ou uma árvore e ajudar a manter o Santuário. Para isso, são veiculadas campanhas informais na rede social Instagram, perfil @amazonecoparksanctuary, em inglês para atrair possíveis adotantes estrangeiros, sensibilizados pela causa, explica Israel. “Estamos abertos a instituições que queiram colaborar ou mesmo realizar atividades de cunho educacional. E quem quiser contribuir espontaneamente adotando um animal ou uma árvore, receberemos de bom grado”.

O empresário rechaça as críticas de que está usando a floresta e os animais em benefício de seu negócio. Argumenta que contribui muito mais para a preservação ambiental mantendo o Santuário, ainda que seja uma atração turística. “Imagine se não tivesse o turismo para sustentar, os visitantes, os programas de educação ambiental e tudo o mais que fazemos, seria um prejuízo muito maior para a natureza do que ter essa oportunidade lá. Tenho consciência de que ajudamos mais esses dois mil hectares de verde do lado de Manaus com toda a pressão urbana”.

Muitas vezes, o embaraço é provocado pelo próprio Ibama. Recentemente, o órgão fiscalizador solicitou a castração de todos os macacos machos para conter o aumento da população. A alegação, segundo Israel, era de que algumas espécies do barrigudo não eram nativas dessa região do rio Negro. “Nós explicamos que o fato de eles estarem ali ajudam as pessoas a entenderem a importância de preservar os animais. Não adianta apenas ter uma floresta em pé, é preciso mantê-la rica na diversidade de espécies como um todo”.

A elegância do primata nos movimentos livres na grande floresta preservada (Ricardo Oliveira/Cenarium)

Israel acredita que haveria muito mais questionamentos e adversidades, se o Santuário recebesse recursos externos. “A cobrança seria maior e poderia comprometer a nossa liberdade. Nós estamos em conformidade com a legislação, temos licença ambiental regular para tudo. Acho que, no geral, nos contribuímos muito. Se desistíssemos do projeto e entregássemos esses animais para o próprio Ibama, seria um problema, pois o Ibama não tem condições de recebê-los. Eles não sobreviveriam”.

Perguntado sobre o investimento total empreendido no Amazon EcoPark Jungle Lodge, Israel afirma que nunca se preocupou em fazer esse levantamento. Para dar uma ideia da magnitude do patrimônio, a partir de um valor especulativo, ele diz que se o m2 valesse R$ 1, a propriedade hoje estaria avaliada em, pelo menos, R$ 20 milhões. “Obviamente, é somente um exemplo de escala, vale muito mais”.

“Microcosmo amazônico”

A oportunidade de ver de perto a habilidade dos macacos pulando de uma árvore a outra com maestria, sentir o vigor dos barrigudos, ouvir o coral dos guaribas e, com sorte, testemunhar a súbita aparição dos uacaris tornam a visita ao Santuário uma experiência única. Como observa Israel, os visitantes têm, bem próximo a Manaus, um retrato de como é o interior da Amazônia, algo que você só conseguiria ver se viajasse por muitos dias e montasse uma plataforma para esperar os grupos passarem.

Detalhes da parauacus-da-cara-branca fêmea (Ricardo Oliveira/Cenarium)

“Estamos no Tarumã, do aeroporto são 15 minutos até a marina e depois, mais 15 minutos, e você está dentro de um pedaço de floresta amazônica ao lado de Manaus, mas com total preservação. Essa disposição facilita tanto para visitantes quanto para pesquisadores estudantes. Além disso, oferecemos todo o apoio do hotel para que o visitante possa dispor de conforto e segurança. O Santuário é um microcosmo amazônico, onde buscamos, de forma harmônica, soluções ecologicamente corretas, economicamente viáveis e socialmente justas”.

Curiosidades

  • Em três décadas de funcionamento, o Amazon EcoPark Jungle Lodge foi cenário de parte do longa Anaconda (1997), dirigido por Luis Llosa, com as presenças de John Voight e Jennifer Lopez, e da minissérie brasileira “Amazônia, de Galvez a Chico Mendes”, produzida pela Rede Globo.
  • Hospedou a comitiva da Fifa, na visita a Manaus, até então candidata a uma das sedes da Copa de 2014.
  • Há registros de que membros da família Rockfeller também se hospedaram no hotel.
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