Sem novos estudos ambientais, Petrobras quer explorar petróleo no litoral do Amapá

Imagem dos Corais da Amazônia que foi captada do navio Esperanza, liderado pelo cientista da Universidade Federal do Rio de Janeiro Fabiano Thompson e Kenneth Jozeph Lowick, do Greenpeace da Bélgica (Divulgação Greenpeace)
Com informações do Infoglobo

RIO DE JANEIRO – A expectativa da Petrobras em iniciar neste ano a exploração de petróleo no litoral do Amapá, na chamada Foz do Amazonas, esbarra na falta de estudos atualizados com a previsão de possíveis áreas atingidas em caso de vazamento de óleo. Quase dez anos após arrematar blocos na região e às vésperas do início da COP-27 no Egito, a estatal não realizou ainda todas as consultas prévias às diversas comunidades indígenas e ribeirinhas de cidades do Amapá e do Pará.

A luz amarela sobre essa polêmica acendeu no fim de setembro, quando representantes da Petrobras afirmaram que a expectativa era que uma última licença do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) pudesse sair ao longo de novembro.

O aval é o que falta para perfurar o primeiro poço, batizado de Amapá Águas Profundas a 160km da costa e a 40km da fronteira com a Guiana Francesa. O objetivo é comprovar a viabilidade econômica.

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A Foz do Amazonas faz parte da Margem Equatorial, área considerada nova fronteira exploratória que vai do litoral do Amapá ao Rio Grande do Norte. Levando em conta o plano de negócios até 2026, a estatal estima realizar investimentos da ordem de US$ 2 bilhões para as atividades exploratórias em toda a região.

Imagem dos Corais da Amazônia que foi captada do navio Esperanza, liderado pelo cientista da Universidade Federal do Rio de Janeiro Fabiano Thompson e Kenneth Jozeph Lowick, do Greenpeace da Bélgica (Divulgação Greenpeace)

A estatal, porém, é alvo de dois inquéritos em curso por parte do Ministério Público Federal (MPF) do Amapá e Pará, que fizeram recomendação conjunta ao Ibama para que não seja emitida licença para a perfuração do poço. Procurada, a estatal mantém a estimativa de que a licença saia até o fim do ano.

Para o MPF, um dos entraves é que o único estudo apresentado sobre áreas potencialmente afetadas no caso de vazamento de petróleo foi feito em 2015 por consultoria contratada pela BP, petroleira que abandonou o projeto. A francesa Total também desistiu. Com isso, a Petrobras está sozinha nos 6 blocos arrematados com Total (40%) e BP (30%) em 2013 em leilão da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Estatal fará novo estudo

Quando assumiu a operação, a Petrobras apresentou ao Ibama em 2021 um plano de emergência baseado no mesmo estudo, destacou a procuradoria. Segundo Gabriela de Góes Anderson Maciel Tavares, procuradora da República, o estudo de 2015 não leva em consideração a “complexidade da morfologia costeira amazônica e da hidrodinâmica local”.

Assim, diz o MPF, o estudo não contempla a possível chegada do petróleo na costa brasileira nem em países vizinhos em caso de vazamento, o que é criticado por ambientalistas e pelo próprio Ibama.

“A Foz do Amazonas é uma área muito sensível. É preciso levar em conta a morfologia da costa para minimizar os efeitos do vazamento. Muito se fala que o Brasil precisar explorar a região por conta da atividade da Guiana Francesa, mas a questão é que o Brasil tem normas ambientais mais rígidas e não dá para comparar”, afirma Gabriela.

Mesmo com os desafios ambientais, o apetite da Petrobras na região vem crescendo conforme aumentam as descobertas na Guiana Francesa, que já produz petróleo e tem volume recuperável estimado em 11 bilhões de barris de óleo equivalente (boe).

No processo, a Petrobras, no fim de setembro, admitiu que vai fazer novo estudo de modelagem de dispersão de óleo, mas não deu data para finalizar. Informou que vai garantir a incorporação “dos avanços computacionais ocorridos nos últimos anos, como a atualização de softwares de simulação, atualização das condições de contorno e análise dos resultados com novos dados”.

Ao GLOBO, a Petrobras disse que “o estudo de modelagem hidrodinâmica e de dispersão do óleo apresentado em 2015 no processo de licenciamento é válido e atende plenamente o seu propósito no estudo ambiental, conforme corroborado pelas análises do modelo hidrodinâmico a partir de novos dados de correntes disponíveis, que evidenciam com bastante clareza a representatividade dos fenômenos oceanográficos desde a plataforma continental interna até a bacia oceânica. Mesmo assim, de forma diligente, a atualização do estudo de dispersão de óleo será entregue ao Ibama na primeira quinzena de novembro”.

Em uma reunião no dia 4 de outubro, a Petrobras prometeu fazer estudos aprofundados caso o primeiro poço tenha viabilidade econômica. “Na perfuração, confirmando a viabilidade do poço, será feito todo um novo estudo e licenciamento para a produção, envolvendo a licença prévia e outros pontos legais mais complexos”, diz o texto.

Risco para reputação

Segundo Marcelo Laternann, porta-voz de Clima e Justiça do Greenpeace Brasil, que tem petição com mais de dois milhões de assinaturas para impedir a exploração na região, a área precisa de mais estudos porque é pouco conhecida:

“Quando fizemos uma expedição na região verificamos que o sistema recifal era seis vezes maior do que se sabia. Vimos as petroleiras estrangeiras saírem do projeto porque elas têm preocupação hoje com sua reputação e forte compromisso com a transição energética. Os estudos ainda não avançaram e sabemos que os impactados econômicos e sociais serão enormes”.

A Petrobras ainda não sabe outros aspectos como o tamanho das reservas. Na reunião com a Procuradoria, no Rio, a estatal afirmou ser “necessário verificar se há o prolongamento dos campos de exploração, tendo em vista ligação entre Guiana e Suriname e diversos poços já descobertos”. No encontro, a estatal revelou planos de construir infraestrutura próximo ao Porto de Belém.

Um dos dois inquéritos em andamento apura “a violação ao direito de consulta prévia, livre, informada e com boa-fé aos povos indígenas de Oiapoque”, segundo o documento.

Sem consulta prévia

Para o MPF do Amapá, a atividade vai impactar quatro comunidades indígenas no Amapá e comunidades quilombolas e ribeirinhas no Pará.

Segundo a Procuradoria, não houve consulta prévia às comunidades dos povos Karipuna, Palikur-Arukwayene, Galibi Marworno e Galibi Kali’na, que terão terras afetadas pela construção de base aérea com previsão de aumento de 3.000% no tráfego aéreo e pressão por infraestrutura.

As comunidades quilombolas de Abacatal e Aurá, em Ananindeua, no Pará, serão afetadas pelo recebimento de resíduos, e a comunidade ribeirinha de Pirocaba, em Abaetetuba, no Pará, deve sofrer interferência nas atividades pesqueiras. Segundo a Procuradora, as últimas audiências públicas foram em 2017.

A estatal tentou marcar em setembro consultas para outubro, mas o Ibama não permitiu por causa das eleições. A Petrobras vem tentando, agora, fazer em novembro, mas lideranças locais querem mais tempo.

“Lideranças extrativistas do Pará pediram para adiar as reuniões para ter mais tempo para marcar os encontros, pois a Petrobras marcou em um período muito curto. Não se sabe nem onde serão essas reuniões”, disse Gabriela.

Procurada, a Petrobras disse que vai realizar até o dia 18 de novembro um total de 18 reuniões para as comunidades do Oiapoque e Belém para “informar as partes interessadas dos municípios da Área de Influência, sobre a atividade a ser desenvolvida, impactos, projetos socioambientais e licenciamento ambiental, bem como esclarecer e dirimir dúvidas e expectativas”.

Vinícius Nora, analista de Conservação do WWF, vê com preocupação a declaração da Petrobras que prevê obter licença para exploração em novembro porque faltam pontos a serem elucidados, como a modelagem de dispersão de óleo apresentada pela estatal que contém “fragilidades”:

“Precisa de estudo mais claro. O local é de difícil acesso e conservação. É área de difícil resposta emergencial. Para avaliar risco, estamos às cegas”.

Procurado, o Ibama não retornou.

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