Série busca desconstruir estereótipos e visões distorcidas sobre a ‘Amazônia urbana’
10 de janeiro de 2021
Mostrar as aventuras e desventuras de uma geração, sob o olhar feminino dentro de uma Amazônia desnuda de estereótipos (Reprodução/Acervo Pessoal)
Mencius Melo – Da Revista Cenarium
MANAUS – Quebrar estereótipos e desconstruir visões distorcidas sobre a urbanidade amazônica é um dos objetivos da série ‘Calendário de Letícia’. Já em fase de pré-produção, a obra é assinada por Lídia Ferreira e Anne Lise e foi contemplada pelo ‘Prêmio Manaus de Conexões Culturais 2020’, da Fundação Municipal de Cultura, Turismo e Eventos (Manauscult), com recursos emergenciais da Lei Aldir Blanc.
A obra é uma moderna comédia dramática sobre as aventuras de jovens trintões. No centro da trama está a personagem Letícia, uma mulher comum que usa dos recursos disponíveis no cotidiano, para assegurar sucesso em sua eterna busca pela felicidade. O desenrolar das situações ora cómicas, ora dramáticas dão o tom da obra que é completamente ambientada na Amazônia.
Apresentar uma Manaus urbana e florestal, essa é uma das ideias da série ‘Calendário de Letícia’ (Reprodução/Acervo Pessoal)
Por conta do contexto pandêmico, a produção não arrisca dizer uma data para estreia. A reportagem da REVISTA CENARIUM conversou com a jornalista e roteirista amazonense Lídia Ferreira sobre a série, que comentou sobre a paixão por cinema. “Cada artista tem sua linguagem, sua área de atuação. Embora eu seja jornalista há 13 anos, onde a realidade é a ferramenta de trabalho, sempre fui muito da área cultural”, relembrou.
Talento surpresa
No desenrolar das aulas de um curso, a jornalista descobriu a facilidade para criar roteiros com cargas cômicas. A descoberta do talento até então adormecido, levou Lídia a pensar em buscar meios para lapidar o dom. “Fui editora e repórter de cultura. Iniciei uma faculdade de dança e nas aulas de roteiro me surpreendi com a facilidade em escrever comédia. Não foi algo que planejei muito, fui descobrindo”, revelou Ferreira.
Orgulhosa das origens, Lídia comentou a ideia de ambientar a trama em Manaus. “Queria falar da cidade e de nós, mulheres manauaras, por outro viés, da ficção e humor. Além da nossa cultura e gastronomia rica e totalmente diferente, não tem outra no mundo. Acredito que o mais difícil tem sido eu, como pessoa, arranjar forças para escrever diante de toda essa calamidade na nossa cidade”, lamentou.
A amazonense Lídia Ferreira agora também é produtora de cinema na primeira viagem no audiovisual (Reprodução/Acervo Pessoal)
“Sou manauara então, é meu lugar de fala. Outro ponto essencial foi que ao estudar cinema fora de Manaus, o que mais eu ouvia era ‘você nem parece do Amazonas, eu imaginava outra coisa de lá’. Como assim pensam que eu me visto igual cunhã-poranga? Como ainda me perguntam se temos wi-fi?”. Essas inquietações me levaram a estudar o imaginário amazônico no cinema no mestrado de cinema e artes do vídeo”, confessou.
Visão de mundo
Os primeiros choques culturais acenderam em Lídia a vontade de mergulhar ainda mais na procura por explicações sobre o “olhar de fora” ou as construções imaginárias para a Amazônia a partir de suas urbanidades. “Estudar as imagens me fez perceber que há um olhar eurocêntrico sobre a nossa região. Isso destoa do que somos, do que vivemos, da nossa essência, principalmente em se tratando das cidades amazônicas”, observou.
A sul-mato-grossense Anne é uma produtoras da série ‘Calendário de Letícia’ (Reprodução/Divulgação)
Ao mesmo tempo que o “lugar comum” incomoda, a curiosidade abre espaço para possibilidades. “As pessoas têm vontade de conhecer mais a gente. As produções audiovisuais estão muito centralizadas no eixo Rio-São Paulo há muito tempo, o Brasil é muito maior que isso. Precisamos expandir nosso olhar, valorizar nossa diversidade”, destacou a jornalista.
Questionada se a ideia é negar peculiaridades, Lídia respondeu. “De forma alguma a proposta é negar. Pelo contrário, é valorizar e principalmente, mostrar o que somos hoje, na contemporaneidade. A série propõe um ‘F5’ nesse olhar idílico e romântico da ‘cidade no meio da floresta’. A mídia reforça estereótipos todo tempo. A questão é: somos isso, mas somos mais que isso, somos floresta, cidade, caos urbano, cultura e folclore”, resumiu.
Letícia na berlinda
Sobre a personagem Letícia, a roteirista explicou. “Acho que ela não quer ‘pagar’ de moderna. Ela é moderna! Nós em Manaus somos modernos e florestais ao mesmo tempo. Todo mundo tem celular, faz tik tok e vai mergulhar no flutuante no fim de semana. Tomamos remédios industriais, mas não vamos abrir mão do mastruz com leite ou de qualquer outra receita ‘das antigas’ para garantir a nossa saúde”, desnudou.
“A gente pega engarrafamento proporcional ao de São Paulo, mas fim de tarde, em muitos bairros da cidade de Manaus, gosta de sentar na calçada para conversar e tomar tacacá. Isso é o jeito manauara de ser, essa mistura florestal e urbana. E no amor, não poderia ser diferente, né? Difícil encontrar alguém que nunca usou um truque, nem que seja no dia de Santo Antônio”, finalizou Lídia.
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