Uso do fogão a lenha nas casas concentra poluentes até 20 vezes acima do limite da OMS, aponta estudo

Fogão rudimentar a lenha: improviso é realidade de milhões de brasileiros (Marco Aurélio / Divulgação Instituto Perene)

Com informações do InfoGlobo

Uma pesquisa realizada no Recôncavo Baiano apontou os riscos aos quais milhões de brasileiros estão submetidos pelo uso de fogões a lenha. Na semana passada, pesquisadores da PUC-Rio foram premiados, no Congresso da Sociedade Brasileira de Química do Rio, pelo trabalho realizado em oito casas da comunidade quilombola em Cachoeira (BA), que identificou presença médias de 100 a 300 microgramas por metro cúbico (mg/m3) de partículas finas tóxicas, geradas pela fumaça. O limite estabelecido pela Organização Mundial de Saúde é de 15 mg/m3, e o excesso pode causar doenças pulmonares e cardiovasculares.

O uso de fogões a lenha no dia a dia para cozinhar está relacionado à degradação econômica, pois a lenha acaba sendo um substituto para fogões elétricos ou a gás, que são mais custosos. No ano passado, foram queimadas 24 milhões e toneladas de lenha como fonte de energia nas residências brasileiras, apontou o Balanço Energético Anual realizado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Esse número é o maior patamar observado desde 2009. Segundo a série histórica, o uso do fogo a lenha esteve em queda entre 2006 e 2013, quando então voltou a crescer, o que se relaciona com os momentos econômicos do Brasil.

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A pesquisa, realizada pela coordenadora do Laboratório de Química Atmosférica (LQA) da PUC-Rio, Adriana Gioda, e pelos alunos Luiz Felipe da Silva e Alex de La Cruz, foi premiada no congresso como o melhor trabalho da área ambiental, por trazer dados inéditos, que indicam a alta concentração de poluentes nas residências. Agora, a segunda parte da pesquisa, que está inserida no programa Fogão do Mar, do Instituto Perene, irá analisar os impactos causados à saúde por conta dessa emissão, e quantificar a melhoria da qualidade com o uso dos “fogões ecoeficientes”, que são distribuídos pelo programa como uma forma de mitigar os danos.

“Esses dados significam que as pessoas ficam expostas a um alto nível de poluição, muito acima do recomendado pela OMS. Várias doenças estão relacionadas a essa exposição, como problemas cardíacos, AVC, e câncer de”, explica Adriana Gioda, que observou o aumento da poluição por uso de lenha a partir da crise econômica no país, objeto de um novo artigo que ela está escrevendo.

A pesquisa foi a oito casas de uma das comunidades beneficiadas pelo programa Fogão do Mar. Lá, a medição era feita por oito horas, a partir das primeiras queimas de lenha. No trabalho, os pesquisadores destacaram que, em alguns casos, a concentração das partículas MP2.5 e MP10 (consideradas as maiores ameaças) extrapolou o limite dos próprios sensores, de 1000 mg/m3, ou seja, quase 100 vezes o máximo recomendado pela OMS.

Dona Crispina recebe seu fogão ecoeficiente  — Foto:  Divulgação Instituto Perene
Dona Crispina recebe seu fogão ecoeficiente — Foto: Divulgação Instituto Perene

Ao final, foram registradas as quantidades médias por cada uma das oito casas. Os valores variaram de 100 a 300 mg/m3, considerado muito alto:

“Os resultados preliminares indicam que, ao queimar a lenha, os ocupantes ficam expostos a níveis de poluição superiores aos recomendados pela OMS. Nesse cenário, diversos participantes reclamaram dos incômodos gerados pelo excesso de fumaça como, por exemplo, irritação nos olhos, alergias e uma série de problemas respiratórios. Atualmente a OMS considera que o risco de exposição ao MP2,5 é tão grande quanto o tabagismo e se encontra entre os 5 maiores riscos dos 87 listados por essa agência”, escreveram os pesquisadores, no relatório.

Segundo estimativas da OMS, 2,8 bilhões de pessoas do mundo ainda dependem exclusivamente de combustíveis sólidos, como lenha e carvão, e fogões rústicos para cozinhar e se aquecer. Pelos cálculos da organização, esse número resultaria na morte de pelo menos 4,3 milhões de pessoas.

Programa beneficia comunidades carentes com fogões menos poluentes

Desde 2006, o Instituto Perene desenvolve trabalho junto a comunidades rurais, especialmente na Bahia, com entrega dos chamados fogões ecoeficientes, equipamentos que ainda utilizam a lenha, mas que possuem uma estrutura que garante maior proteção, com uma câmara de combustão revestida e uma chaminé, que joga a fumaça para fora da casa. Nos últimos 16 anos, o instituto já alcançou 497 comunidades, na Bahia, Goiás e Tocantins, e 12 mil residências.

O fogão ecoeficiente — Foto: Divulgação / Instituto Perene
O fogão ecoeficiente — Foto: Divulgação / Instituto Perene

No ano passado, uma nova fase do projeto, o programa Fogão do Mar, com patrocínio da Petrobras, passou a atender comunidades de Cachoeira e Maragogipe (BA) e, até o final de dezembro, serão entregues 2.200 fogões.

“O fogão ecoeficiente é uma tecnologia de transição. A solução final é usar o gás de cozinha, mas milhões de brasileiros usam a lenha diariamente, por limitação de renda”, explica Guilherme Valadares, engenheiro florestal e fundador do Instituto Perene. “O importante é que o fogão gera uma combustão mais eficiente e, consequentemente, menos danosa.”

Valadares diz que, ao longo dos anos de atuação no setor, conseguiu observar a redução do uso de lenha e, depois, o retorno dessa fonte, por causa da degradação econômica social. Nesse ano, o instituto também começou um novo programa, patrocinado pela Caixa Econômica Federal, para entrega mais sete mil fogões.

“O uso da lenha é um indicador de renda da população. De 2007 a 2011 vimos muitas famílias deixando de usar fogão a lenha, mas a partir de 2014, 2015, a coisa virou. Agora, com a pandemia então, ficou ainda mais preocupante. Às vezes a pessoa me diz que tem que escolher entre comprar remédio, comida ou gá”, diz Valadares.

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