Vozes indígenas e negras encerram festival literário em Manaus

Ailton Krenak, Vanda Witoto e João Paulo Tukano brindaram o público do festival literário com depoimentos sobre a existência e resistência indígena no Brasil (Mencius Melo/Revista Cenarium)
Mencius Melo – Da Revista Cenarium

MANAUS – O encerramento do 1º Festival Literário do Centro (Flic) no domingo, 23, contou com a presença de convidados ilustres. Entre eles, o escritor indígena Ailton Krenak, a historiadora e pesquisadora Patricia Melo, a escritora baiana Luciany Aparecida, a ativista indígena Vanda Witoto, os escritores Geovani Martins, Dayrel Teixeira e João Paulo Tukano. Todos se dividiram nas três mesas-redondas intituladas: “Escritas da Negritude Brasileira”, “Escritas Periféricas” e “Futuro Ancestral”. As mesas-redondas aconteceram na Rua Barroso, Centro de Manaus, como início às 17h e término às 21h. O evento foi gratuito.

Abrindo as falas, as escritoras Luciany Aparecida e Patrícia Melo discorreram sobre o papel de homens e mulheres negras do Brasil e suas contribuições literárias. “Estou muito feliz de estar aqui nessa rua, próxima a uma encruzilhada, que tem uma simbologia única, e venho aqui com uma missão difícil que é falar de negritude e da participação de mulheres negras na literatura, que isso não é uma tarefa fácil no Brasil”, declarou Luciany Aparecida. Em seguida, foi a vez da historiadora amazonense Patrícia Melo dar sua contribuição: “Não é uma tarefa simples, reconstituir e colocar na frente da cena e dar protagonismo a negros e indígenas na história do Amazonas e da Amazônia”’, observou.

Leia também: Luciany Aparecida e Ailton Krenak vão participar de Festival literário em Manaus

Mesa-redonda debateu sobre o papel de mulheres e homens negros e indígenas na literatura brasileira (Mencius Melo/Revista Cenarium)

Na sequência, ocorreu a palestra “Escritas Periféricas”, com os escritores Geovani Martins e Dayrel Teixeira, do Funkeiros Cult. Durante a mesa-redonda foram destacados o papel da poesia urbana, o uso de ritmos como o funk e cultura pop na conscientização de comunidades periféricas e suas formas de resistência. Após o enceramento da segunda mesa, foi a vez de Ailton Krenak, Vanda Witoto e João Paulo Tukano subirem ao palco. Com mediação do escritor Thiago Roney, o trio foi apresentado diante do olhar atento de uma plateia que lotou a Rua Barroso.

PUBLICIDADE
A mesa-redonda ‘Escritas Periféricas’ reuniu escritores da periferia de Manaus que juntos discorreram sobre cultura e resistência nas comunidades carentes (Mencius Melo/Revista Cenarium)

Leia também: Criador de página que une literatura com funk, influencer do AM mostra olhar da periferia em evento em SP

Ancestralidade

Aguardado e festejado pelo público, o escritor Ailton Krenak saudou os presentes. “Talvez estejamos hoje aqui mais do que saudando a literatura, nós estamos aqui expressando o nosso desejo de vida, a arte é estar vivo. Estou muito honrado com a presença da Vanda e do João Paulo. Somos três pensadores de diferentes etnias que, juntos, expressam o pensamento dos povos originários”, observou. Na sequência, foi a vez da ativista Vanda Witoto tecer críticas sobre o uso da expressão “o futuro é ancestral”. “Quando a gente fala sobre o futuro ancestral, eu tenho algumas incomodações: eu não gosto de pensar esse futuro ancestral quando esse País nega o seu passado ancestral, se eu nego esse passado, eu não tenho perspectiva de futuro”, disparou.

Público acompanhou atentamente as falas dos escritores convidados para as mesas-redondas do Festival Literário de Centro (Flic) (Mencius Melo/Revista Cenarium)

Último a participar, o escritor João Paulo Tukano abriu sua fala saudando os presentes. Por quase dois minutos ele falou na língua Tukano, ao final, perguntou: “Vocês entenderam?”. O público respondeu que não e ele prontamente emendou: “Então vai ficar sem, porque eu não vou traduzir”, brincou, arrancando risos da plateia. O indígena Tukano fez críticas ao sistema educacional brasileiro: “No Brasil, não é fácil ser indígena porque tudo é divisão. Começa pelo ensino básico e médio, onde aprendemos português, matemática, geografia, tudo bem dividido. Ao chegar na faculdade é pior. Nos deparamos com ensino de inglês, francês, espanhol e não há sequer uma língua indígena!”, protestou sob aplausos. “Por isso, eu não traduzi a minha fala de abertura”, confessou sob risos e aplausos.

Ao final, os três agradeceram à organização pelo convite à participação na Flic. Ailton Krenak recebeu dezenas de admiradores para uma sessão de autógrafos. Criador do Flic e nome por trás dos convites aos palestrantes, o produtor João Fernandes, do Casarão de Ideias, não escondeu a satisfação: “Estou muito feliz com a participação dos convidados, porém, mais feliz ainda com a participação do público que atendeu nosso chamamento e se fez presente em massa aqui, na Barroso” , comemorou. Questionado sobre o sucesso do festival, ele comentou: “Quem apostou em fazer parceria conosco sai daqui completamente convencido de que iniciativas como essa são benéficas para todos, entre os quais: a marca da empresa, o poder público e, principalmente, o público que se faz presente”, finalizou.

PUBLICIDADE

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.