A ‘caixa de pandora’ no Amazonas: aumento de epidemias e risco de novas pandemias

Estudos indicam que uma nova pandemia pode surgir na Amazônia devido à saltos zoonóticos propiciados pela degradação ambiental e desmatamento. (Divulgação)
Lucas Ferrante – Especial para Revista Cenarium**

MANAUS – O estudo publicado no periódico científico Journal of Racial and Ethnic Health Disparities apontou que o desmatamento no trecho do meio da rodovia BR-319 tem gerado um aumento de casos de malária, o que é um bioindicador de como a degradação ambiental, já gerada pela rodovia BR-319, pode propiciar uma nova pandemia. Em um estudo publicado em 2020 no periódico Land Use Policy, que avaliou o impacto da rodovia sobre os povos indígenas, foi apontado que a pavimentação de outras rodovias na Amazônia também foi acompanhada do aumento de endemias, como a malária. Além do aumento de casos de malária, o estudo científico publicado no Journal of Racial and Ethnic Health Disparities apontou o risco eminente de novas pandemias, propiciadas por saltos zoonóticos que podem ocorrer devido ao aumento de trafegabilidade da rodovia e desmatamento na região. Outros três estudos, publicados nos periódicos científicos Anais da Academia Brasileira de Ciências, Science Advances e Regional Environmental Change, indicam que uma nova pandemia pode surgir na Amazônia devido à saltos zoonóticos propiciados pela degradação ambiental e desmatamento.

O estudo na Science Advances, foi enfático em caracterizar o estado do Amazonas como um dos estados com maior risco de emersão de uma nova pandemia. As recomendações do estudo no Journal of Racial and Ethnic Health Disparities foram claras. “Nossos resultados também indicam que a reconstrução da Rodovia BR-319 aumentaria as disparidades na saúde pública e que apenas o projeto de manutenção da atual rodovia levou ao aumento do número de casos de doenças endêmicas, como a malária. A reconstrução da BR-319 também aumentaria o risco de saltos zoonóticos que poderiam dar origem a novas pandemias. Isso se soma aos muitos impactos que sugerem que as agências ambientais do Brasil fariam bem em interromper o projeto de reconstrução proposto”.

O estudo ainda ponderou que alertas de saltos zoonóticos, com o risco de novas pandemias causadas pelo aumento de degradação ambiental e desmatamento, são muitas vezes ignorados por tomadores de decisão, como políticos e órgãos ambientais. O estudo ainda destacou que, em uma publicação no periódico científico Viruses, em 2019 (ou seja, um ano antes do surgimento da pandemia de Covid-19), biólogos alertaram para a identificação de um coronavírus em morcegos na região de Wuhan, na China, que mais tarde foi identificado como o SARS-CoV-2, causador da pandemia de COVID-19. Estudos científicos publicados na prestigiada revista científica Science, que sequenciaram o coronavírus, identificaram que, de fato, a pandemia de Covid-19 foi gerada pelo salto zoonótico do vírus na região de Wuhan que sofria com alta pressão do desmatamento e estradas. Agora, aqui para o Amazonas, temos não apenas um, mas quatro estudos alertando que o avanço da degradação ambiental e aumento do desmatamento podem dar origem a uma nova pandemia. Precisamos lembrar ainda, que a decisão de não realizar um lockdown adequado em Manaus e o retorno presencial das escolas, orquestrado pelo governo do estado do Amazonas e governo federal, causaram o aumento da transmissão comunitária do coronavírus, gerando a segunda onda de Covid-19 em Manaus e fazendo surgir a variante gama, também conhecida como P1, como demonstrou o artigo científico publicado no periódico Preventive Medicine Reports, que analisou as causas do surgimento da segunda onda de Covid-19 na região amazônica. O mesmo estudo apontou que a variante gama se espalhou pelo mundo, cruzando as fronteiras brasileiras antes mesmo de ser identificada aqui, o que demonstra que o surgimento de um patógeno com alta virulência aqui na Amazônia representa um risco global. Desta forma, fica o questionamento do porquê o IBAMA ainda não suspendeu a licença de manutenção da rodovia e negou definitivamente a licença de repavimentação. O estudo no Journal of Racial and Ethnic Health Disparities traz à tona que nem todos os problemas ambientais gerados pela rodovia podem ser resolvidos por obras de engenharia, o que quebra o argumento de muitos defensores da rodovia que apontavam que tecnologia e obras de engenharia poderiam gerar sustentabilidade para o empreendimento. Se a rodovia BR-319 for pavimentada, o governo federal estará abrindo não apenas um dos maiores blocos de floresta ao desmatamento, mas uma enorme “caixa de pandora”, que poderá causar a próxima grande pandemia global.

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(*) Lucas Ferrante é biólogo, formado pela Universidade Federal de Alfenas (Unifal), mestre e doutor em Biologia (ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Dentre suas diferentes áreas de pesquisa, tem pesquisado a grilagem e invasão de terras na Amazônia, zoonoses e a conservação da biodiversidade.

(*) Este conteúdo é de responsabilidade do autor.

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