Amazonas enfrenta redução no volume de chuvas; cientistas explicam efeito cascata da redução de umidade

Trecho seco no Rio Uarini, no Amazonas, afluente do Solimões (Marcílio Medeiros/Reprodução)
Com informações do Infoglobo

SÃO PAULO – Alcançado pelo arco do desmatamento, o Amazonas enfrenta redução no volume de chuvas neste ano. Na região de Tefé, afluentes do Rio Solimões apresentam extensas faixas de areia, dificultando a passagem de embarcações. Dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) mostram que o Estado teve o menor volume de chuvas dos últimos 15 anos, de janeiro a abril (989,4mm), período mais chuvoso na região. Nos meses mais secos, de julho a setembro, a chuva acumulada foi a menor em 20 anos.

No mês passado, oito das 10 estações convencionais do Inmet, no Amazonas, registraram volumes até 90% abaixo das médias climatológicas. Em Manaus, as temperaturas chegaram a 38,3°C em setembro, o que significa 4°C acima da média esperada para o mês. O município de Lábrea, no sul do Amazonas, um dos mais afetados por desmatamento, chegou a registrar 38,6°C, a temperatura mais elevada do Estado.

Segundo Andrea Ramos, meteorologista do Inmet, o fenômeno La Niña altera o regime de chuvas pelo terceiro ano consecutivo, mas a Amazônia enfrenta, assim como o resto do mundo, o fenômeno dos extremos, com secas mais longas e chuvas de um dia que equivalem à quantidade de um mês.

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“Na Amazônia não há estações bem definidas, mas o período chuvoso reflete em todos os demais meses do ano. Se chove menos no início do ano, no período mais seco a situação piora”, afirma Andrea.

Em Tefé, choveu em setembro apenas 45% da média registrada para o mês.

O pesquisador Marcílio Medeiros, da Fiocruz Amazônia, que desenvolve um projeto de saneamento ambiental na área, conta que teve de andar por 2 quilômetros no leito do Rio Uarini, um dos afluentes do Rio Solimões, para alcançar comunidades do município de mesmo nome. Não conseguiu chegar na cidade de Fonte Boa, pois as embarcações suspenderam o transporte devido à seca.

“Os ribeirinhos relatam que esta é uma das piores secas dos últimos anos”, conta Medeiros.

Na região do Médio Solimões, onde fica Tefé, a seca, que afeta os rios, desacelera chegada de remédios e suprimentos, dificultando a vida das comunidades ribeirinhas.

A Amazônia registrou secas extremas em 2005 e 2010, a maior em mais de 100 anos (desde 1902). O problema se repetiu em 2015 e 2016.

Henrique Barbosa, professor do Instituto de Física da USP e da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, lembra que, nos últimos 20 anos, ocorreram quatro grandes secas na Amazônia, quando o padrão deveria ser de uma em 100 anos.

Rios voadores

Barbosa é coorientador de um estudo com pesquisadores internacionais que mostra um efeito cascata dentro da própria Amazônia, decorrente de secas esperadas em função da mudança climática. Mesmo que a seca atinja apenas uma determinada área, ela vai impactar outras que não foram afetadas diretamente. Os cálculos têm como base o transporte de umidade na atmosfera, popularmente conhecido como “rios voadores”.

“A cada três árvores que morrem no Leste da Amazônia, uma quarta morrerá no Sudoeste e Oeste da região. O aporte de umidade levado pelos ventos, que sopram do oceano em direção aos Andes, será 25% menor, o que faz que essa quarta árvore receba menos água”, prevê Marina Hirota, professora da Universidade Federal de Santa Catarina, coautora do estudo com apoio do Instituto Serrapilheira.

Barbosa explica que a Floresta Amazônica devolve para a atmosfera, pelo menos, 50% da chuva que absorve, por meio da evapotranspiração (liberação de vapor).

Quanto mais se adentra em direção aos Andes, maior é a fração de reciclagem da chuva.

Segundo ele, em Belém, 10% da chuva retorna à atmosfera. Em Manaus, 50%. Na região de Tefé, mais perto da fronteira com Peru e Bolívia, o percentual é ainda mais alto.

“Do oceano em direção ao continente, quanto mais para dentro, mais intensa é a reciclagem da chuva e mais a floresta depende da quantidade de umidade que chega à região para que se mantenha como é hoje, diversa. Sem a umidade adequada, as árvores mais robustas vão morrendo e a floresta passa a ser mais esparsa”, diz Barbosa.

A interação entre floresta e clima garante umidade — e chuvas — em toda a Bacia do Prata, que alcança Argentina, Paraguai e Uruguai. É essa umidade também que abastece o fluxo de águas ao Pantanal.

“À medida que removemos a floresta, tiramos água desse rio voador e ele vai contribuir menos para a chuva em outras regiões, inclusive, com o regime de chuvas no Sul e Sudeste do Brasil, diz o professor.

O estudo indica que o Sul do Amazonas, nova fronteira de desmatamento, será uma das áreas mais afetadas pela redução da umidade levada pelos rios voadores.

“Quando a floresta é trocada por qualquer outra coisa, essa outra coisa devolve menos água para a atmosfera. Regiões abaixo da área impactada também vão sofrer, mesmo que não se tenha mexido nela. Vai ter menos umidade e menos chuva, afirma.

A pergunta dos cientistas é qual o limite para a perda de floresta na Amazônia. Ou seja, até que ponto é possível reverter a degradação. A transformação é chamada de “savanização”, com mudança da paisagem para campo ralo, árvores espaçadas e com menor quantidade de folhas.

Os estudos, segundo Barbosa, apontam que o limite varia entre 22% e 45% de perda florestal. Acima deste, que não se pode ainda precisar, explica Barbosa, todo o resto da floresta vai morrer sozinho.

“Não deveríamos nem chegar perto destas estimativas, mas estamos chegando. A taxa de desmatamento está se aproximando de 20%.

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