Ao menos 135 pessoas morreram esperando vaga de UTI em SP na última semana

O mais jovem dessa lista, um homem de 40 anos, esperou um leito durante seis dias, internado no hospital de campanha do município, mas não resistiu (Edilson Dantas/Agência O Globo)

Com informações do O Globo

SÃO PAULO – A morte de Renan Ribeiro Cardoso, de 22 anos, à espera de um leito de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para Covid-19 em São Paulo na quinta-feira acende um alerta sobre os problemas que pacientes infectados pelo coronavírus podem enfrentar nos próximos dias, caso as medidas de restrição de circulação de pessoas não surtam o efeito esperado. Assim como ocorreu em São Paulo, outras cidades começam a relatar casos de mortes de pessoas que não conseguiram vagas nas UTIs, enquanto as taxas de ocupação beiram 100%.

Nas últimas semanas, foram registradas 135 mortes de pessoas que aguardavam transferência para uma UTI em municípios paulistas. Em Franco da Rocha, cidade da Região Metropolitana em que houve o maior número de óbitos nessas condições, no dia 15 deste mês, seis vítimas tinham menos de 60 anos, segundo a prefeitura. O mais jovem dessa lista, um homem de 40 anos, esperou um leito durante seis dias, internado no hospital de campanha do município, mas não resistiu.

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A situação tende a piorar nos próximos dias, já que o número de leitos disponíveis está diminuindo e a procura por internação, crescendo. Segundo dados disponibilizados pela plataforma do governo estadual, as regiões de Araçatuba e Registro tinham, respectivamente, quatro e cinco leitos de UTI disponíveis no domingo. A capital tinha 414 leitos para atendimento da população como um todo, mas, dependendo da distância, nem sempre é possível fazer a transferência.

Os dados foram compilados por matemáticos da InfoTracker, plataforma criada por pesquisadores de USP e Unesp para monitorar o avanço da pandemia em São Paulo. No Estado, 1,5 mil pessoas estão na fila para internação. Segundo o secretário de Saúde, Jean Gorinchteyn, 20% desses registros, em média, correspondem a pedidos por terapia intensiva.

De acordo com a Secretaria de Saúde do Estado, a demanda de transferências de pacientes com coronavírus cresceu 117% em comparação ao início da pandemia. “A regulação depende da disponibilidade de leitos e da condição clínica adequada para que o paciente seja deslocado com segurança até o hospital de destino”, informou, em nota. Segundo o governo estadual, mesmo que não consiga transferência para UTI, o paciente recebe atendimento em uma unidade de saúde.

A situação é mais dramática em cidades menores, que sequer têm um leito de UTI. Segundo Ederlon Rezende, médico intensivista e integrante do Conselho Consultivo da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), menos de 10% dos municípios do Brasil tem UTI. Em São Paulo, diz ele, são cerca de 100 das 645 cidades.

Na capital paulista, por outro lado, a relação de leitos por habitantes é comparável a de países desenvolvidos, segundo Rezende:

— Se eu pensar nos 10 mil leitos para atendimento só de Covid-19 em São Paulo, já dá uma taxa de 23 leitos para cada 100 mil habitantes, coisa que só Alemanha e Estados Unidos têm. É um sistema que sempre funcionou, desde que não tenhamos que viver uma pandemia — disse ele, que continuou:

— Hoje esgotou-se a capacidade de abrir leitos de UTI. Já estamos abrindo leitos que não têm estrutura e pessoal adequado para funcionar normalmente. Acaba que temos UTIs improvisadas, o que significam esses resultados fora do esperado — disse.

Saga por internação

A história de Renan ilustra a saga de outros pacientes de Covid-19 com dificuldade para conseguir internação. Atendente de uma pizzaria na zona Leste, negócio que tocava ao lado do pai, ele procurou atendimento em um hospital de Itaquera, alegando “muito cansaço e falta de ar”, segundo a prima Érica Cardoso. Ele foi medicado, e voltou para casa. Sem apresentar melhoras, Renan foi orientado a procurar uma Unidade de Pronto Atendimento, onde foi internado no último dia 11.

— Fomos para a UPA São Mateus, onde o médico falou que ele ficaria para fazer um raio-x. Mas o médico disse que não tinha maca, que ele precisaria ficar em uma cadeira de rodas. Pensa uma pessoa de 172 kg passar a noite todinha em uma cadeira de rodas, e passando muito mal? Ele estava muito cansado — contou Érica.

No dia seguinte, os médicos avisaram a família que iriam procurar um leito de UTI para intubá-lo.

— À tarde voltamos para vê-lo rapidinho, mas ele já tinha morrido. Dezenove minutos depois, saiu uma vaga para ele. Por que não apareceu vaga para ele lá nos dois dias que ficou esperando? Ele esperou muito tempo. O problema é que deveriam ter tomado providências muito antes porque ele era obeso e estava com dificuldades de respirar. Se tivesse tido um leito, hoje ele estaria vivo — disse Érica.

Segundo a prima, nos últimos meses ele queria fazer uma cerimônia para celebrar o casamento dos pais. A família se preparava para fazer uma festa dia 14 de março, fatalmente a data de sepultamento de Renan:

— Ele foi embora sem realizar esse sonho.

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