Aos 50 anos, Malu Galli reflete sobre etarismo e conta como descobriu o candomblé

Atriz se prepara para estrear como uma das protagonistas da nova novela das seis, ‘Além da ilusão’ (Foto: Pedro Bucher)

Com informações O Globo

Quando engatou a carreira na TV, Malu Galli tinha 36 anos e uma história construída no teatro e no cinema. Agora, aos 50, é uma das protagonistas de “Além da Ilusão”, novela das seis que começa nesta segunda-feira, 7, na TV Globo. Na trama passada nos anos 1940, vive Violeta, “uma mulher à frente do seu tempo”, com ideias feministas, dona do próprio negócio e um dos vértices do triângulo amoroso formado por Matias (Antonio Calloni) e Eugênio (Marcello Novaes). Sobre os papéis reservados a mulheres maduras no nosso tempo, Malu diz perceber um avanço. Em termos. “Você vê uma mulher de 40, uma de 50, mas aí é aquela que ainda dá um caldo”, diz. “Nossa vida é mais saudável hoje, nos alimentamos melhor, fazemos exercícios. Independentemente de procedimentos estéticos, temos mais vida jovem útil, então é natural continuar ocupando esses espaços e postergando a aposentadoria. Corremos atrás disso.”

Para a atriz carioca, na dramaturgia a maior parte das histórias é mais voltada para as experiências dos jovens. “Como se fosse mais interessante o que acontece a um jovem do que o que acontece a uma pessoa de mais idade”, afirma“Uma pele enrugada, uma voz que falha, um andar curvado nos lembram a morte. Não queremos lembrar a morte. Só que a morte é nossa companheira de viagem. Os brasileiros são apavorados com ela, tanto que estão indo se vacinar (contra Covid-19) mesmo com governo negacionista fazendo campanha contra. E adoram uma novinha, um novinho.”

Malu Galli Foto: Pedro Bucher
Malu Galli Foto: Pedro Bucher

Malu conta ter encontrado outro olhar sobre o tempo no candomblé. “Tem uma hierarquia bonita porque o mais velho é o mais valorizado, seja o de idade ou o de tempo de santo. Lá, sou uma criança”, diz. “Nunca olho para uma preta velha na mesma altura, tenho que estar sempre olhando de baixo para cima. É um ensinamento filosófico importante. E é uma pena que a nossa sociedade ocidental não dê valor ao tempo.”

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A atriz se descobriu no candomblé há sete anos, quando fazia uma pesquisa teatral. “Sou de uma família católica, estudei em colégio de padre, mas nunca fui religiosa”, conta. “Até porque me traumatizei (rindo).” O trauma veio do colégio de padres na Zona Sul carioca em que ela estudou na infância — e que prefere não nomear. “Em plena ditadura, era a única filha de pais separados da minha série, que tinha oito turmas de 40 e tantos alunos. E eu era levada, rebelde. Sempre dava merda, e eu era chamada na coordenação e escutava que era problemática por ser filha de pais separados.”

Aos 10 anos, também ouviu da escola que era uma “líder negativa”. Dona de uma sensibilidade aflorada, buscou respostas desde jovem. “Me droguei muito na adolescência, gostava do estado alterado de percepção.” Na mesma época, encontrou o teatro, levada por uma colega ao Tablado. “Ali me entendi como uma criança criativa, livre. Aos poucos, o teatro foi me seduzindo mais do que as drogas. Principalmente, quando experimentei o silêncio da plateia… Já era a minha busca pelo segredo, pelo sagrado”, comenta.

Realizou peças, filmes e comerciais depois de emendar o Tablado com um curso profissionalizante ministrado por Bia Lessa na Faculdade da Cidade. Aos 21, com o dinheiro que recebeu pela participação em um anúncio de cigarro, se bancou e saiu da casa dos pais. “Era uma propaganda chiquérrima em que eu era dirigida pelo Walter Salles, o assistente dele era o Andrucha Waddington e a diretora de arte era a Daniela Thomas. Hoje em dia jamais faria.”

Malu Galli Foto: Pedro Bucher
Malu Galli Foto: Pedro Bucher

Continuou atuando, depois também produzindo peças, dirigindo e escrevendo. Tentou algumas vezes trabalhar com TV, mas não conseguia emplacar. Já tinha chegado à conclusão de que a carreira não ia mesmo acontecer na televisão. “Sempre quis muito, porque eu sabia que poderia funcionar, tinha uma sensação de que tinha vocação, mas não rolava”, conta. “Pensei: ‘Acho que estou apaziguada, vou me produzir, fazer minhas coisas’. Tinha orgulho do que estava fazendo.”

Aí um dia estava encenando a peça “A Gaivota”, com Enrique Diaz e Mariana Lima, e Maria Adelaide Amaral e Denise Saraceni foram assistir. Gostaram do que viram e a convidaram para um teste para a minissérie “Queridos amigos”(2008), escrita por Maria Adelaide e dirigida por Denise. “Quando você deixa de desejar muito, a coisa vem”, diz. E não pararam de surgir trabalhos, inclusive com a colega de cena. Mariana Lima, além de ser fã da Malu atriz (“uma das mais incríveis do país”), teve a experiência de ser dirigida por ela no teatro, em “A máquina de abraçar” (2009). “Essa peça era um mergulho profundo no mundo do autismo. Ela foi e é uma excelente diretora”, recorda-se.

Quando finalmente engatou na TV, tinha um filho de 7 anos, Luiz. “Eu e o Afonso nos conhecemos, começamos a namorar, apaixonamos e logo engravidei, aos 29 anos”, ela lembra. “Aí rapidamente nos juntamos. Nós nos casamos para nos conhecer. Foi bem ao contrário do que geralmente acontece e tinha tudo para não dar certo pelo senso comum. Mas isso acabou sendo o que nos uniu, porque estávamos juntos em uma grande empreitada, que é ter um filho, criar uma criança.”

Malu Galli Foto: Pedro Bucher
Malu Galli Foto: Pedro Bucher

A gravidez tampouco a afastou do ofício. A amiga Drica Moraes recorda-se de que a gestação aconteceu enquanto estavam em cartaz com uma montagem de “O Rei da Vela”, na Companhia dos Atores. “Durante a temporada, Malu torceu o pé, em São Paulo. Mas ela é tão responsável, que fez a peça de pé engessado e grávida. Voltamos juntas num avião, ela de cadeira de rodas e eu a empurrando. Lembro-me de que a Malu dizia: ‘Por que, meu Deus, por quê?’. Porque é dona de um senso de humor maravilhoso”, narra Drica.

Em meio a tantas histórias, lá se vão mais de duas décadas de casamento com Afonso — sem que a chama se apague. “Para mim, interesse sexual tem a ver com admiração. Claro que passamos por fases, altos e baixos, como todo casal. Mas o sexo com amor é a melhor coisa da vida. E quando ainda entram confiança e tempo de convivência no jogo, fica melhor ainda”, afirma Malu. “Somos monogâmicos idealmente, mas entendemos que a vida não é uma linha reta… Temos em comum o fato de termos feito uma escolha, uma escolha que se renova e é reafirmada todos os dias. Todos os dias nos casamos.”

Recentemente, o casamento entrou em uma nova fase. “Meu filho saiu de casa no meio da pandemia. Está com 20 anos e optou por morar sozinho porque, realmente, ficar dentro de casa com pai e mãe, ele sendo filho único, ou ele ia encontrar o caminho dele, ou ia entrar em colapso.” Uma decisão acertada, segundo a mãe: “Foi bom para mim e para o Afonso, e foi bom para ele principalmente. Todos nós saímos mais maduros dessa experiência de ruptura. Continuamos mais unidos do que nunca. E mais fortes.” Mas doeu. “Vivi um pouquinho aquela dor do ninho vazio. Foi intenso e rápido. Dá uma dor de fim de casamento, de separação. Você dá aquela choradinha. Percebi que, na verdade, não é um fim, é só uma continuação. Mas tem uma parte da mãe que você é que vai embora, aquela mãe que cuida dentro de casa.”

Malu Galli Foto: Pedro Bucher
Malu Galli Foto: Pedro Bucher

No candomblé, Malu é noiva de Iansã e Luiz é Ogã. “É considerado meu pai. Peço a bênção para ele”, diz. Ela se encontra nas características de Iansã. “É orixá dos ventos, das tempestades, a mulher de Xangô, a deusa do movimento. E eu preciso estar em movimento constante tanto geográfico quanto mental”, afirma. “Tem ainda uma coisa de ser explosiva, justiceira, uma grande guerreira, ao mesmo tempo uma mãe calorosa. É a mulher que trabalha fora, que vai para o mercado. Eu me identifico muito com essa figura.”

Inseguranças ainda existem, mas Malu sente que os anos lhe caíram bem: “Comecei a colher o que plantei lá no início”, diz. “Fui ficando mais tranquila, com menos medo, porque o ator em começo de carreira tem muito medo. Não que eu não tenha, continuo apavorada. Mas os fatos nos mostram que dá para confiar, que as coisas acontecem, que estão plantadas, sedimentadas.”

Quando conversou com ELA, estava ansiosa pelo início de “Além da ilusão”, gravada durante a pandemia. “Nunca fiquei tanto tempo gravando uma novela sem estrear. A gente já está desde agosto trabalhando. Então, dá uma sensação de que precisa botar o bloco na rua”, diz. “Uma das coisas mais legais de fazer novela é todo mundo poder ver, todo mundo tem acesso, pessoas de todos os lugares vêm comentar tal cena que viram. Estou sentindo falta disso.”

Malu Galli Foto: Pedro Bucher
Malu Galli Foto: Pedro Bucher

A atriz também está no streaming, na segunda temporada de “Desalma”, série da Globoplay em que vive uma bruxa. Prepara-se ainda para o lançamento de dois filmes. Um deles, de ação, foi rodado em Pernambuco, em 2018. O outro, no sítio onde ela se refugiou com a família, em Bocaina de Minas, na Serra da Mantiqueira, durante a pausa nas gravações da novela em 2020, motivada pela pandemia.

Não parou de trabalhar e se sente privilegiada. “Tive a sorte de estar recebendo pela novela, de estar com essa segurança”, reconhece. “Mas meus colegas passam por muitas dificuldades por causa do ataque à cultura e da pandemia.” Para a atriz, o Brasil passa por uma guerra cultural. “Esse governo não governa, ele se vinga”, afirma. “Considera quem pensa diferente como adversário e o grupo que tem que ser eliminado. Mas a gente sabe que a cultura não é eliminada nunca, porque é a voz de um povo, e você não tem como calar a voz de um povo, a não ser que o mate. Enquanto tiver o povo vai ter cultura.”

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