Primeiro, ele ironizou. Disse que a lei foi “invalidade pelo STF” e afirmou que “agora as escolas estaduais de RO podem usar a ‘linguagem neutra’”, usando aspas ao se referir ao dialeto.
“Perdemos essa batalha, mas continuaremos na luta para defender as nossas crianças de ideologias esquerdistas”, escreveu, por fim, o ex-deputado.
O ex- deputado estadual e autor da lei que proíbe linguagem neutra em instituições de ensino (Reprodução/Assessoria)
Trata-se da Lei Nº 5.123, aprovada pela Assembleia Legislativa de Rondônia (ALE-RO) em 2021 e sancionada pelo governador reeleito, Coronel Marcos Rocha (União Brasil), no final de setembro daquele mesmo ano. A lei foi suspensa pelo ministro Edson Fachin, relator do caso na Corte.
Votação no STF
Até esta sexta, pelo menos oito ministros já votaram para tornar a norma inconstitucional, incluindo Fachin, relator do caso. Ele foi acompanhado por Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Kassio Nunes Marques.
Os votos são depositados virtualmente pelos ministros, por isso não há necessidade de sustentação oral. O processo deve seguir até a meia-noite desta sexta-feira.
No entanto, até o final do julgamento, qualquer ministro pode pedir mais tempo para análise da lei, para que o caso seja enviado ao debate no plenário físico do STF. Por enquanto, prevalece o entendimento de que a regra deve ser barrada.
“Todes”, “todxs”, “bonite”, “amigue”, “elu”, “delu” são exemplos de termos acolhedores e inclusivos (Foto: Reprodução)
Inconstitucionalidade
Assim como ativistas e especialistas em educação apontaram em avaliação à CENARIUM, na época da aprovação da lei de Rondônia, o dispositivo pode ser declarado inconstitucional porque é a União quem deve legislar sobre normas de ensino e por atentar contra princípios fundamentais do País. É o que diz a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), que propôs a ação.
Já para o relator do caso, a lei não pode contrariar diretrizes básicas estabelecidas pela União. “Norma estadual que, a pretexto de proteger os estudantes, proíbe modalidade de uso da língua portuguesa viola a competência legislativa da União”, sugeriu Fachin. Ele ainda destacou que as regras estabelecidas devem ser “minimamente homogêneas em todo o território nacional”.
Para o ministro do STF e relator do Caso, Edson Fachin, a norma criada em Rondônia afronta a competência da União. (José Cruz/Agência Brasil)
Para o magistrado, a linguagem neutra, a qual ele também se refere como “inclusiva”, visa combater preconceitos linguísticos. “Finalmente – e talvez ainda de forma mais grave – a norma impugnada tem aplicação no contexto escolar, ambiente no qual, segundo comando da Constituição, devem imperar não apenas a igualdade plena, mas também a ‘liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber’”, ressaltou.
Acolhimento e respeito
“Todes”, “todxs”, “bonite”, “amigue”, “elu”, “delu”. A variação é de acordo com a preferência da pessoa a quem você se refere. Tudo vai depender se ela prefere pronomes neutros ou de acordo com algum dos gêneros. Isso porque uma pessoa não binária, ou seja, de gênero neutro ou fluído, também pode adotar pronomes masculinos e/ou femininos.
O ex-deputado discorda. Em seu projeto de lei, ele afirma que na língua portuguesa, os termos no masculino são neutros. Já no parecer de justificativa para a necessidade da lei, ele diz que o dialeto “afasta ainda mais as pessoas”, deixando a sociedade polarizada.
Para a estudante e ativista não binárie Álex Sousa, é justamente o contrário. “Levando em consideração que o mesmo [Eyder Brasil] insiste em dizer que o neutro é masculino, toma uma posição de não respeitar os pronomes e a identidade alheia. Eu tomarei o caminho oposto, usarei o feminino para referir a ele como manifestação política”, criticou Álex.
“Caso o mesmo se sinta incomodado, estará sentindo na pele a dissidência de gênero que pessoas não binárias, mulheres e homens trans, travestis e até mesmo mulheres cis sentem quando usam a torto e a direito o masculino como neutro alegando incluir à todes”, acrescentou.
Estutante e ativista não binárie, Álex Sousa explica a diferença que uma única letra pode significar na vida de uma pessoa de gênero neutro (Acervo Pessoal/Reprodução)
“A minha retificação, para o gênero não binárie, com a inclusão do “e” como neutro é um marco importante. Acreditem ou não, uma única letra é capaz de fazer muitas pessoas sentarem e me escutarem (…). A língua é um instrumento de poder, é um campo de batalha e é um espaço que estamos disputando e reivindicando”, diz a estudante e ativista, que também se identifica com pronomes femininos além dos neutros.
“Da mesma forma que estamos discutindo o uso racista língua, ou seja, problematizando palavras de cunho racista na qual precisamos deixar de usar no nosso dia a dia, é necessário, também, discutir o apagamento de identidades femininas e a não inclusão de pessoas não binárias”, alertou.
Vitória
Álex comemora o amparo da Justiça. “É uma vitória, sem dúvidas. A extrema direita conservadora tende a procurar formas de criar cortinas de fumaça para não ter que pautar os reais problemas da sociedade, como a necessidade da educação sexual e da diversidade de gênero, raça e corpos, o que, a longo prazo, ajudaria a diminuir os índices de violência contra crianças, negros, mulheres e outras identidades e corpos minorizados socialmente”, afirmou à REVISTA CENARIUM.
“É importante também que mais pessoas não binárias se disponibilizem a se organizar, a ocupar espaços de poder, desde a saúde, educação até às câmaras e assembleias legislativas pelo País. Se nós botarmos a nossa voz pra jogo, conquistaremos as nossas vitórias de maneira mais rápida do que ficar esperando a boa vontade de pessoas cis”, finalizou.
Procurado pela CENARIUM, o ex-deputado Eyder Brasil ignorou todas as tentativas de contato.
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