Barbie negra: ressignificação ou necessidade de aprovação?

A primeira Barbie negra foi lançada em 1980 (Divulgação)
Luciana Santos – Especial para Revista Cenarium**

MANAUS (AM) – Uma onda rosa tomou conta do comércio e das redes sociais nas últimas semanas em função do lançamento do filme da Barbie, boneca produzida pela empresa Mattel. Dizem os colegas da imprensa especializada que a empresa já não vendia mais tantas bonecas assim, então o filme e toda a estratégia de marketing relacionada a ele foi a grande saída encontrada pela empresa para virar o jogo e se manter como uma gigante do mercado. Estratégia acertada, pois de repente todos pareciam ver “La vie en rose”. E o marketing tem esse papel de criar estímulos para despertar desejos que supram necessidades por meio do consumo. É a satisfação, o gozo pelo ter. É o capitalismo.

Nesse período de tanto alvoroço por um brinquedo que durante muito tempo foi o símbolo da exclusão e opressão, fiquei me perguntando por onde andavam as pessoas que conseguiam observar na boneca loira de cintura extremamente fina a força do patriarcado e do eurocentrismo ou que ao menos lembravam que ela era um objeto inacessível para muitos pelo alto valor. Talvez muitas tenham se conformado com as adaptações que o brinquedo sofreu ao longo dos anos para sugerir um empoderamento ou inclusão, fruto da pressão da opinião pública que movimenta o mercado. E empresas vivem de pesquisas e estratégias, não de boas intensões. Olha o marketing outra vez, movimentando desejos e necessidades.

Como mulher negra, não tenho como observar um fato como esse sem recorrer à tríade gênero, raça e classe. Mas acho que dessa vez preciso focar nestes dois últimos critérios e me dirigir principalmente às minhas irmãs. É preciso lembrar que, para nós, o empoderamento se deu por iniciativas dentro da nossa própria comunidade e pelas reflexões e construções de nossos/as intelectuais. E, pasme você, mulher negra que se vestiu de Barbie nos últimos dias e ostentou o look nas redes sociais, essas mentes iluminadas possuem, em geral, um pensamento de orientação marxista.

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Esses autores e autoras comungam da visão de que o capitalismo perpetua o racismo. Conseguem enxergar a contradição que é reverenciar um símbolo do capitalismo como a Barbie e se dizer antirracista? Pra fazer a comparação com outro símbolo bem-sucedido do marketing: é a imagem do frango feliz da Sadia, contente por poder ceder o seu corpo (e dos seus) para alimentar seus opressores. Se fosse um jogo de tabuleiro (no estilo do Jogo da Vida), com certeza você teria que voltar algumas casas e ter como tarefa a leitura crítica de obras básicas sobre a questão racial.

Sei que muitas vão alegar a necessidade de ressignificar a boneca em questão. Mas necessidade para quem e por quê? Não estaria nessa alegação a vontade de ter a aprovação da branquitude, numa relação de dependência em que os corpos negros são os controlados?

A psicóloga e multiartista Grada Kilomba, em Memórias da Plantação, vai lembrar que nessa relação colonial de controle “Podemos explicar, mas dentro do racismo o objetivo não é entender, mas possuir e controlar. Em outras palavras, o objetivo não é encontrar a resposta, mas sim o divertido ato de manter o sujeito negro dependente do eu branco”. A escritora continua dizendo que “é uma tarefa importante para o sujeito negro despedir-se da fantasia de ter de se explicar ao mundo branco”. Não precisamos de máscaras brancas, só pra lembrar a obra-prima escrita por Frantz Fanon e que tem tudo a ver com esse debate.

Por fim, neste 25 de julho, quero celebrar o protagonismo e resistência das mulheres negras latino-americanas e caribenhas, quero festejar a existência de Tereza de Benguela. Venho de uma comunidade, o Quilombo do Barranco de São Bendito, em que a liderança feminina é muito forte, então meu agradecimento a todas aquelas que me fizeram entender e vivenciar o protagonismo feminino desde a mais tenra idade. E meu agradecimento especial a minha mãe, dona Lúcia, meu exemplo maior e companheira de vida e de muitas lutas.

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(*) Luciana Santos é jornalista e advogada, mestre em Direito Constitucional, especialista em Direito Público, Direitos Humanos e Processo Civil, Africanidades e Cultura Afro-brasileira e possui MBA em Marketing e MBA em Gestão empresarial.
(*) Este conteúdo é de responsabilidade do autor.
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