Bolsonarista abandona tradição de Natal em família para ir a acampamento antidemocrático

"Intervenção Militar com Bolsonaro no Poder" é novo lema do acampamento antidemocrático em Manaus (22/12/2022 -Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)
Ívina Garcia – Da Revista Cenarium

MANAUS – “Fiquei chateada, mas guardei para mim“, conta Juliana* ao ver seu pai Antônio* abandonar a tradição de almoçar com a esposa e a filha no dia de Natal, 25 de dezembro, para passar a data no acampamento antidemocrático montado em frente ao Comando Militar da Amazônia (CMA), na zona Oeste de Manaus.

Juliana conta que ela e a mãe já estavam se preparando para aproveitar o dia em família na casa da avó, quando o pai informou que não iria. “Ele nem cogitou isso, a mamãe queria ir, eu também, mas com essa ida dele para lá [acampamento], percebi que a mamãe acabou ficando meio desanimada e a gente ficou em casa mesmo“, conta.

Antônio participa do acampamento antidemocrático que ocupa a frente e a calçada do CMA há 56 dias, desde o resultado do segundo turno da eleição presidencial, que deu vitória para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e marcou a derrota de Jair Bolsonaro (PL).

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Os atos são considerados antidemocráticos porque pedem intervenção federal para impedir um governo legitimamente constituído, conforme a Lei Nº 14.197, conhecida como Lei do Estado Democrático de Direito. Manifestantes contestam o resultado da eleição presidencial e pedem que as Forças Armadas ajam para interromper a posse de Lula.

O Artigo 359-L do dispositivo indica que é crime “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais“, e o Artigo 359-M afirma que é passível de penalização “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído“.

Ceia

Na noite do dia 24, os manifestantes do ato em frente ao CMA prepararam uma ceia de Natal com uma mesa posta no portão principal do local que é considerado o maior grupamento militar da América Latina.

Carnes, arroz, macarrão, salgadinhos, tortas e panetone foram divididos entre os manifestantes, enquanto ainda esperam por alguma atitude do presidente Bolsonaro, que decidiu passar o Natal e a virada do ano em um resort de luxo nos Estados Unidos.

Ceia de Natal preparada por manifestantes em frente ao CMA (Reprodução/Twitter)

Diferente de alguns que estão dormindo no acampamento, o pai de Juliana nunca passou a noite no local, mas costuma chegar tarde em casa. “Se não me falha a memória ele começou a ir [ao acampamento] logo depois do segundo turno. Mas nunca dormiu, ao menos nisso ele prefere o conforto da cama dele. Teve dias que chegava em casa 1h ou 2h da madrugada, mas nunca chegou a dormir“, conta.

Juliana diz ainda que não notou uma mudança no comportamento do pai, mas que evita conflito direto por não concordar com a visão política do pai. “Ele bota para falar mesmo quando acha outra pessoa que dá trela para esse pensamento [bolsonarista]”.

Para a jovem, tanto o pai quanto a mãe são mais antipetistas do que bolsonaristas. “Ele sempre foi mais desse lado da direita, mas pelo que percebo não pelo Bolsonaro em si, que ele disse que tem suas críticas, mas sim pelo antipetismo que ainda é muito forte nele“.

“Intervenção Militar com Bolsonaro no Poder” é novo lema do acampamento em Manaus (22/12/2022 – Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

O movimento antipetista ganhou força a partir do impeachment da presidente Dilma Rouseff, em 2016, utilizado como base para a ascensão da extrema-direita no Brasil. Com a prisão do Lula, em 2018, e a esquerda enfraquecida no País, Bolsonaro emergiu e chegou à Presidência.

Ela conta que a mãe, mesmo contra a eleição do Lula, nunca chegou a ir ao acampamento. “Ela nunca foi e pelo que percebo, nem interesse tem. Sendo bem sincera, ela já ta com ranço disso, mas também não discute mais com ele, porque já viu que não adianta e só causa estresse entre eles dois“, afirma.

Juliana diz que não sabe se o pai chegou a gastar dinheiro com a manifestação, mas ele comprou um banquinho para usar no acampamento e sempre leva salgados de casa para se alimentar pelas longas horas que participa do movimento.

Como uma pessoa que pensa positivo, queria pensar que depois do dia 1º ele vai sair de lá, mas ultimamente tendo a imaginar que vai é piorar depois da posse”, afirma a jovem.

Barracas tomam conta da calçada em acampamento antidemocrático em Manaus (3/12/2022 – Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

* Juliana e Antônio são nomes fictícios usados na reportagem para preservar a identidade da entrevistada, que preferiu não se identificar.

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