Bolsonaro relaciona nordestinos a analfabetismo e especialistas alegam ‘tentativa de inferiorização’

Jair Bolsonaro (Divulgação)
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS – Após o primeiro turno das eleições, uma “onda” de discriminação regional contra nordestinos tomou conta das redes sociais. A situação ficou mais evidenciada nessa quarta-feira, 5, quando o presidente Jair Bolsonaro usou o analfabetismo na região para explicar a derrota sofrida, nos Estados do Nordeste, para o adversário Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Especialistas em Direitos Humanos e Relações étnico-raciais analisaram a situação e chamaram de “tentativa de inferiorização”.

“Lula venceu em nove dos dez Estados com maior taxa de analfabetismo. Você sabe quais são esses Estados? No nosso Nordeste. Não é só taxa de analfabetismo alta ou mais grave nesses Estados. Outros dados econômicos agora também são inferiores na região”, disse Bolsonaro, durante live. Foi no Nordeste onde Bolsonaro sofreu a maior derrota: teve 26,8% dos votos, enquanto Lula teve 67%.

Reprodução/ Twitter

Segundo o Estadão, a ONG Safernet Brasil recebeu, apenas na segunda-feira, 3, 348 denúncias de xenofobia. Foram aproximadamente 14 denúncias de xenofobia por hora no dia seguinte ao primeiro turno do pleito. Com os 348 registros totais deste dia, o número quase supera o total de reclamações registrado nos primeiros seis meses do ano passado, de 358.

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O historiador e pesquisador de relações étnico-raciais Juarez Silva Júnior explica haver uma percepção generalizada de que o Nordeste, por ter menores recursos e, consequentemente, ter uma população que enfrenta mais desigualdades, não é tão avançado ou elitizado se comparado com outras regiões. Estrategicamente, essa desigualdade regional se torna argumento para inferiorizar toda a população e tentar provar a superioridade de outra.

“Todo preconceito vem do desconhecimento do outro e vem também de uma tentativa de inferiorização do outro para manter uma suposta superioridade. Para se manter em um determinado status que se imagina elitizado, normalmente se inferioriza o outro. Então essa argumentação de que o diferente de mim é pior, está presente, sim, nessa onda que a gente está vendo aí de violência moral, social, contra os nordestinos”, pontua.

Estratégia política

O Nordeste foi onde Lula e Bolsonaro tiveram a maior diferença de votos: 67%, contra 26,8%. O petista também venceu no Norte, mas no Sul, Sudeste e Centro-Oeste o atual presidente saiu vencedor. Durante a transmissão ao vivo dessa quinta-feira, 5, Bolsonaro culpou as gestões petistas na região pelos baixos índices de desenvolvimento.

“Esses Estados do Nordeste estão há 20 anos sendo administrados pelo PT. Onde a esquerda entra, leva o analfabetismo, leva a falta de cultura, leva o desemprego, leva a falta de esperança. É assim que age a esquerda no mundo todo”, afirmou em transmissão ao vivo nas redes sociais.

O advogado e cientista político Manoel Moraes cita a escritora Hannah Arendt ao afirmar que o preconceito alimenta a política e cria identificação, o que pode se tornar uma estratégica na corrida eleitoral.

“Ele [o preconceito] firma posições e cria, digamos assim, possibilidade de unidades políticas. Então você se afirmando contra os nordestinos pode consolidar o voto do Sudeste. Pensando nesse sentido, sim, é possível que esse tipo de manifestação tente cristalizar e aumentar votos do Sudeste para avançar no ponto de vista de uma vitória eleitoral”, analisa ele.

Mas o cientista político destaca, ainda, que se for realmente uma estratégia, é uma “absurda” e que espera que os candidatos debatam mais propostas e propaguem menos ataques. “Eu acho que é importante dizer que se isso for uma estratégia planejada a partir dessa perspectiva, é um absurdo imaginarmos que tenhamos um processo eleitoral de tão baixa qualidade. A minha expectativa é que no segundo turno nos tivéssemos a oportunidade de discutir projetos, saúde e educação”, conclui.

Nordestinos reagem

Nas redes sociais, nordestinos se manifestaram sobre a onda de ataques e as falas de Jair Bolsonaro. A ex-BBB e cantora Juliette, paraibana, afirmou, no Twitter, que as falas do presidente são preconceituosas e reflexos de pensamentos maldosos. “Queria estar surpresa com as falas preconceituosas sobre o Nordeste, mas não estou. Nem com a pessoa, nem com a atitude. Esse é o reflexo de um pensamento raso, desinformado e maldoso”, disse.

O médico Bruno Gino, também nordestino, se mostrou revoltado e disse se sentir humilhado com as alegações de Bolsonaro. “Ontem, o Bolsonaro chamou nós nordestinos em uma live de ‘povo analfabeto’, ‘povo sem cultura’, ‘povo sem emprego’ e ‘povo sem esperança’. Ele me desrespeitou como médico durante toda a pandemia, ajudando a matar meus pacientes… Agora ele me humilha só por ter nascido no Nordeste”, manifestou.

O presidente Jair Bolsonaro também se manifestou após a repercussão da transmissão ao vivo. “Não caiam em narrativas que tentam nos colocar contra nossos irmãos do Nordeste. A esquerda divide para conquistar. Já tentaram com negros, mulheres, indígenas, etc. Agora tentam com nordestinos, para abafar conquistas como a Transposição do São Francisco, que nós concluímos”, afirmou.

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