Bônus dado aos amazonenses para entrar na Ufam é um instrumento de justiça social

A bonificação de 20% nas notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para estudantes amazonenses na disputa por uma vaga na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), suspensa no dia 25 de janeiro pela Justiça Federal, precisa ser resgatada. A medida é uma importante ação afirmativa cujo objetivo tem sido promover a igualdade de oportunidades e combater as desigualdades regionais, históricas e estruturais existentes no Brasil. Ao contrário da argumentação de que o bônus frustra o tratamento igualitário entre os candidatos de todo o país, a política da instituição buscava justamente equilibrar a disputa entre candidatos que cursaram o ensino médio no Amazonas com os demais oriundos de regiões com melhores índices socioeconômicos.

A magistrada responsável pela sentença suspendeu a bonificação por acreditar que a Constituição de 1988 não prevê entre as hipóteses de concessão de cotas o critério regional. Segundo a juíza Marília Gurgel Rocha de Paiva e Sales, da Justiça Federal do Amazonas, a legislação brasileira prevê exceções ao tratamento igualitário em certames como o ENEM, desde que os critérios adotados sejam “constitucionalmente relevantes”. Como exemplo, ela cita a Lei de Cotas, que instituiu cotas nas universidades federais para alunos oriundos de escolas públicas e também para pretos, pardos e indígenas. Logo, as desigualdades regionais não seriam “relevantes” para justificar o bônus para os estudantes amazonenses.

Peço licença à magistrada para, respeitosamente, divergir do seu entendimento. As desigualdades regionais no Brasil são um fenômeno persistente e complexo, resultante de uma combinação de fatores históricos, econômicos, sociais e políticos. A concentração de recursos e investimentos nas regiões Sul e Sudeste, em detrimento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, contribui significativamente para essa disparidade. A falta de infraestrutura, acesso limitado a serviços básicos, educação precária e oportunidades de emprego restritas são alguns dos desafios enfrentados pelas regiões menos desenvolvidas.

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Essas disparidades regionais têm consequências profundas, impactando na qualidade de vida, no acesso a oportunidades e na perpetuação de um ciclo de pobreza em áreas menos favorecidas. A falta de investimentos em infraestrutura educacional e de saúde, por exemplo, pode limitar o desenvolvimento humano e a ascensão social das populações locais. Além disso, as desigualdades regionais também geram um desequilíbrio econômico e social, prejudicando o potencial de crescimento equitativo do país como um todo. A busca por políticas públicas mais inclusivas, redistribuição de recursos e desenvolvimento regional equitativo torna-se essencial para mitigar essas desigualdades e promover um desenvolvimento mais sustentável e justo em todo o território brasileiro.

Considerando as disparidades socioeconômicas entre as regiões Norte e Sul/Sudeste do Brasil, é evidente a necessidade de ações afirmativas para promover um acesso mais equitativo à educação superior. Os dados revelam que as regiões menos desenvolvidas enfrentam desafios significativos em termos de acesso à educação de qualidade e oportunidades de emprego, o que impacta diretamente na capacidade dos jovens de competir em igualdade de condições no processo seletivo das universidades federais.

Diante dessa realidade, a implementação de políticas de ação afirmativa, como a bonificação praticada pela Ufam para alunos amazonenses, pode desempenhar um papel crucial na mitigação das desigualdades regionais. Essas medidas buscam compensar as diferenças de oportunidades entre os nascidos em regiões menos desenvolvidas e aqueles provenientes de áreas mais privilegiadas, garantindo um acesso mais justo à educação superior. Ao reservar vagas para estudantes de escolas públicas ou de determinadas origens étnico-raciais, as universidades federais podem proporcionar oportunidades de ascensão social e acadêmica para jovens que enfrentam condições socioeconômicas desfavoráveis.

A implementação de ações afirmativas para o ingresso de jovens nas universidades federais se torna não apenas uma questão de justiça social, mas também uma estratégia essencial para promover a inclusão e o desenvolvimento equitativo em todo o país, principalmente em uma região estratégica como a Amazônia. As leis de um país e seus intérpretes correm o risco de se tornarem “irrelevantes” no processo de construção de uma sociedade mais justa, democrática e inclusiva quando deixam de enxergar dados tão explícitos sobre as desigualdades regionais que assolam nosso País.

*Allan Soljenítsin Barreto Rodrigues é jornalista, escritor, professor do curso de Jornalismo da Ufam, mestre e doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia e líder do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Cultura e Amazônia (Trokano).

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(*)Allan Soljenítsin Barreto Rodrigues – jornalistas, escritor, professor do Curso de Jornalismo da UFAM, mestre e doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia e líder do Grupo de Pesquis em Comunicação, Cultura e Amazônia (Trokano).

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