Brasil registra 23 ataques em escolas desde 2002; professores falam sobre insegurança

Um levantamento contabilizou até o momento, 23 registros de ataque nas escolas (Reprodução/Internet)
Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium

MANAUS – Um levantamento realizado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ainda em andamento, contabilizou, até o momento, 23 registros de ataques em níveis de “extrema violência” nas escolas brasileiras. Somente nos últimos noves meses, foram dez atentados nas unidades de ensino.

De acordo com dados do mapeamento divulgados pelo Estúdio i, exibido pela GloboNews, nessa segunda-feira, 27, de 2002 a 2023, 24 estudantes, quatro professores e outros dois profissionais da área da educação morreram por conta dos ataques violentos nas escolas.

Para o psicólogo e doutor em Educação Adan Silva, o crescimento exponencial da violência, principalmente no âmbito básico da educação, externaliza alguns fatores frente a um problema complexo que atravessa pautas como racismo estrutural, homofobia, pensamentos classistas e outras mazelas interseccionalizadas.

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“Há alguns pontos que precisam ser pensados para não darmos respostas simplistas para algo tão complexo. Creio que uma das coisas que mais vimos nos últimos quatro anos foi essa ascensão do pensamento fascista, ataques, afrontes à democracia sobre o pretexto de liberdade de expressão e isso, na verdade, é uma falácia, pois a partir do momento que ela fragiliza, deixa de ser liberdade e passa ser conteúdos de ódio, a partir dos conteúdos vinculados”, analisa Adan.

Escola Estadual Thomazia Montoro, na zona Ooeste de São Paulo, local de um dos atentados mais recentes (Reprodução/ Redes Sociais)

Naturalização da violência desde a infância

Enquanto psicólogo, Adan destaca que, uma vez observada comportamentos que envolvam situações semelhantes vindo da infância, é possível constatar o quanto a violência tem sido naturalizada e massificada na cabeça de crianças e jovens.

O que antes se fazia na chamada Deepweb, agora se tornou algo banal, você ver esses tipos de discursos violentos no Twitter, por exemplo. Se tornou algo público, quase que parte da rotina e esses pensamentos racistas, fascistas é internalizado desde cedo como algo verdadeiro. Tanto que o caso mais recente, o garoto que causou a morte de uma professora assume que se inspirou em um outro caso semelhante para fazer o que fez“, diz Adan.

Para o doutor em educação, os ataques em espaços escolares, além de ser um reflexo macro do que está acontecendo na sociedade, também mostram como a escola ganha centralidade e é disputada por grupos de extrema-direita que promovem pensamentos problemáticos.

“(…) Então estes ataques são bastante sintomáticos ao acontecerem na escola, pois na escola estamos falando não só de educação, mas relações de hierarquia e o quanto essa violência extremada está achando lugar em um ambiente que é de socialização” (…) inclusive, faço até um chamado ético para a maneira de como se divulga isso, a maneira de como essas imagens podem servir de exemplos para outros jovens que estejam sendo cooptados por esse ideais extremistas” salienta Adan.

Imagens mostram o aluno indo em direção à professora, de 71 anos, com faca (Reprodução)

“(…) Podemos perceber que temos toda uma articulação social que deve vir à tona a partir do que está sendo disparado, para que a escola ganhe essa liberdade de cátedra, para que esses sistemas sejam discutidos com as crianças, pois assim como uma criança aprendeu a atirar e matou uma professora, fora todas outras questões que a gente sabe que existe, mas que não é exposta, mostra o quanto é importante que esses pequenos adquiram valores de cidadania”, afirma Adan.

Na leitura do sociólogo e também professor Luiz Antônio, há um “recrudescimento” da extrema-direita ao redor do mundo que se expressa nacionalmente com discursos de ódio que vêm ganhando intensidade em meados dos anos 2000 e se potencializou com o bolsonarismo.

Para o professor, o discurso de ódio entra nas estruturas sociais e legitima alguns valores como individualismo, a ideia de que se o “outro” causa dor ou incômodo deve ser eliminado. De acordo com Luiz Antônio, a escola acaba se tornando alvo por ser um lugar onde se deposita “todas as mazelas” da sociedade, somada ao fato de que, por vezes, as unidades de ensino são espaços onde os alunos vão receber delimitações mais severas.

“Por que a escola é cenário para isso? Eu costumo dizer que as escolas e até as delegacias são espécies de ‘quarto’ onde a gente coloca tudo lá. Todas as mazelas da sociedade são depositadas dentro desses espaços e, indo para contexto desses jovens dentro de uma unidade de ensino que não os inclui, uma estrutura que denuncia a mediocridade deles, mostrando que o mundo não vai comportar certas atitudes, esses jovens revidam contra esses espaços.

Colegas socorrendo a professora que morreu nessa segunda-feira, 27 após ser esfaqueada por um aluno (Reprodução)

“Um dado muito importante é que muitas vezes esses meninos vão receber o primeiro ‘não’ na escola. O pai e a mãe, não todos, mas muitos com conteúdos conservadores, neopentecostal com essa cultura do campo de direita e extrema-direita, vão criando esses meninos sem um controle ou referência positiva e, quando ele chega na escola, e lá eles se deparam com um ‘você não pode fazer isso’, ‘você está errado’, ‘você não pode espancar os outros’, a reação imediata desses jovens é atentar contra a escola e professores”

Professora do Ensino Fundamental há mais de 25 anos, Francisca Ernesto fala da sensação de insegurança que ronda umas das classes que deveria ser a mais valorizada no mundo. Para a pedagoga, o acesso à internet cada vez mais facilitado, a falta de monitoramento efetiva e a não atenção aos comportamentos de crianças e adolescentes dentro e fora da escola, são questões que devem ser revistas.

“Eu, como professora, me sinto profundamente triste e agredida cada vez que uma situação dessa acontece. A escola deve ser um espaço de ampliação de mundo, conhecimento, formação de valores no sentido da cidadania, mas também de acolhimento e segurança. Nenhum aluno ou professor vão para um ambiente escolar para morrer e, principalmente, de forma tão violenta” lamenta a professora.

“Muito se espera desse espaço fundamental para a formação do ser humano, mas a sensação que tenho é que ultimamente, pouco se contribui para que esse lugar seja, de fato, visto como um ambiente tão importante para formação de identidade de uma sociedade. Estamos sufocados pela violência que faz parte, inclusive, cada vez mais cedo, do cotidiano das nossas crianças”, considera Francisca.

Outros dados

Ainda segundo o levantamento, a faixa etária dos agressores está entre 10 anos, o mais jovem, e 25 anos, o mais velho. Dos 23 ataques, 12 foram cometidos por arma de fogo. Na soma, foram 16 alunos, 12 ex-alunos que cometeram os atentados. Na contagem, um municipal cívico militar, foi alvo de ataques, quatro escolas particulares, quatro unidades do município e 12 estaduais.

Imagens externa da Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, na zona Oeste do Rio de Janeiro, após ataque na unidade de ensino
(Tasso Marcelo/Estadão Conteúdo)

Caso recente

Um dos casos mais recentes, foi o da Elisabeth Tenreiro, professora, de 71 anos, que morreu nessa segunda-feira, 27 após ser esfaqueada por um aluno da própria escola em que trabalhava, localizada na zona Oeste de São Paulo. Além de Elisabeth, o ataque cometido por jovem aluno de 13 anos e estudante do 8º ano também feriu outras três professoras e mais dois alunos.

O massacre na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, ocorrido em abril de 2011, o ataque em uma escola infantil, em Santa Catarina, que tirou a vida de três crianças e duas funcionárias, em maio de 2021, e o duplo ataque a duas unidades de ensino no Espírito Santo, em novembro do ano passado, que deixou três mortos e mais 13 feridos, foram alguns dos episódios de extrema violência que marcaram o País.

Leia também: Professora de escola em São Paulo morre após ataque de aluno

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