Brasil registra 340 mil bebês prematuros por ano, equivalente a 38 partos pré-termos por hora

No âmbito da prevenção à prematuridade, a educação sexual de adolescentes, o planejamento familiar e a adequação do pré-natal, tanto em termos de quantidade de consultas, como em relação à qualidade do atendimento se faz bastante eficaz (Reprodução/Pampers)
Da Revista Cenarium*

SÃO PAULO – Manuella tinha 23 dias e pouco mais de 700 gramas quando sentiu o colo da servidora pública Stephanie Molina Diener, 32, pela primeira vez. Havia fios acoplados ao seu corpo e tubos em seu nariz, mas nenhum equipamento a impediu de trocar um olhar com a mãe.

A gordinha, apelido que Manuella recebeu desde que ganhou peso e teve alta, é um exemplo de como avanços na medicina e na atuação de mães e pais permitem a sobrevivência e a qualidade de vida de bebês cada vez mais prematuros.

“Nos anos 1980, crianças abaixo de 1kg não sobreviviam porque não tínhamos conhecimento da fisiologia do recém-nascido. Não sabíamos, por exemplo, como e quando o pulmão amadurecia. Outro fator que avançou foi a criação de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) neonatais”, comenta Licia Maria Oliveira Moreira, presidente do Departamento Científico de Neonatologia da Sociedade Brasileira de Pediatria.

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Família prematura: Stephanie, Giulliano e Manuella e os cuidados que continuam após a alta hospitalar do bebê (Zanone Fraissat/Folhapress)

Formada em medicina na UFBA (Universidade Federal da Bahia), em janeiro de 1976, ela acompanhou de perto as transformações na área, incluindo a melhor capacitação da equipe multiprofissional, avanços na fisioterapia, uso de corticoide, no pré-natal, para o amadurecimento pulmonar, e de surfactantes artificiais para o correto funcionamento dos pulmões após o nascimento.

“Temos, hoje, no País, uma sobrevida muito boa para bebês a partir de 26 semanas e, em alguns lugares, 24 semanas”, diz Moreira, em linha, com a melhora nas taxas de sobrevivência apontadas em estudos internacionais. São considerados prematuros bebês abaixo de 37 semanas de gestação e prematuros extremos aqueles que nascem com menos de 28 semanas.

Prematuros extremos têm maior dificuldade de regular a própria temperatura e controlar a respiração, então, demandam uma incubadora especial e um respirador adequado, inovações das últimas décadas. Outro ponto forte foi o estabelecimento de protocolos para o momento, imediatamente, posterior ao nascimento, o Minuto de Ouro, para a equipe estar preparada para receber e, se necessário, reanimar o bebê.

Bebê prematuro com o uso de sonda para alimentação em incubadora (Reprodução/Drauzio Varela)

“É preciso ter essa infraestrutura para não lesar o bebê. Ele nasceu antes da hora e o ambiente externo é agressivo. Vemos aquela pele fininha e delicada por fora, imagine por dentro. Tudo que usamos precisa ser delicado”, afirma a neonatologista Filomena Bernardes de Mello, chefe da UTI neonatal do Hospital e Maternidade Santa Joana.

Com mais de 30 anos de carreira, ela também testemunhou as mudanças na neonatologia e aprendeu que o prematuro é uma caixinha de surpresas. “Você olha para o bebê todo bonitinho, mas ele não está com todas as funções 100%. Isso ilude, e temos a obrigação de contar para os pais que o caminho dele vai exigir paciência. Não quer dizer que não vai acontecer o melhor desfecho, mas não posso deixar de falar que os riscos são altos”.

Paciência foi algo que Stephanie e o marido, o advogado Giulliano Naccarati Marcon, 28, começaram a desenvolver ainda durante a gravidez. Foi a segunda gestação – eles perderam Helena com dez semanas – e, logo no início, ocorreram dois sangramentos. Depois, descobriram um pequeno descolamento de placenta e foram informados que Manuella estava com peso muito abaixo do esperado.

Devido ao quadro de risco, Stephanie foi internada na UTI semi-intensiva quando estava com 27 semanas e um dia, e às 4h22 de 17 de agosto, após duas semanas de acompanhamento no hospital, deu à luz em uma cesárea de emergência.

Manuella ficou 75 dias internada. Foi tempo suficiente para os pais conviverem com os mais diferentes sentimentos: culpa, luto pelos bebês que viram falecer e alegria por cada grama conquistada.

“São muitos altos e baixos na UTI neonatal. Os outros pais nos deram muita força, assim como nossos pais, a equipe do hospital e a religião”, conta o casal.

Stephanie lembra, por exemplo, o cuidado da fonoaudióloga para que Manuella começasse a mamar no peito e Giulliano, a autorização para ficar uma hora com a filha no colo. “Fiquei completamente travado. Me perguntava se ela estava saturando, se eu estava puxando algum fio, se a cor do lábio estava boa. São preocupações de um pai de UTI. Nunca vou me esquecer”.

A participação ativa da mãe e do pai foi outro progresso registrado nos últimos anos. Ainda assim, é preciso incentivar a prática, daí o lema deste ano do Novembro Roxo, mês de conscientização sobre os cuidados e a prevenção da prematuridade ser: “Garanta o contato pele a pele com os pais desde o momento do nascimento”.

A participação ativa da mãe e, principalmente, do pai foi um progresso registrado nos últimos anos (Reprodução/Revista Crescer)

“Tivemos muitas conquistas no cenário da prematuridade, mas ainda temos muitos desafios”, destaca Denise Leão Suguitani, presidente da ONG Prematuridade.com. De acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil registra, anualmente, o nascimento de cerca de 340 mil prematuros, o equivalente a 38 partos por hora.

Suguitani elenca, no âmbito da prevenção à prematuridade, a educação sexual de adolescentes, o planejamento familiar e a adequação do pré-natal tanto em termos de quantidade de consultas, como em relação à qualidade do atendimento. A gestante precisa saber, entre outros pontos, quais os sinais de risco e qual o seu hospital de referência para não peregrinar na hora do parto. Necessita, ainda, compreender os riscos de cesáreas agendadas sem necessidade antes de a criança estar completamente madura.

A presidente da ONG também ressalta a necessidade de colocar em prática o Método Canguru em todas as suas dimensões. “São diretrizes muito completas e criteriosas para a atenção humanizada. Não é só o contato pele a pele. Vai dos cuidados antes do parto à estadia na UTI, com os pais tendo acesso 24 horas, porque eles fazem parte do tratamento do bebê. Eles não são visitas”.

O lema deste ano, do Novembro Roxo, mês de conscientização sobre os cuidados e a prevenção da prematuridade é ‘Garanta o contato pele a pele com os pais desde o momento do nascimento’ (Reprodução/Drauzio Varela)

No caso de Stephanie e Giulliano, a licença-maternidade e o home office permitiram acompanhar Manuella por mais de 12 horas por dia, todos os dias. E permitirão dar sequência aos cuidados, já que, como indica Mello, prematuros devem ser acompanhados por uma equipe multidisciplinar, incluindo neuropediatra, fisioterapeuta, fonoaudiólogo e oftalmologista.

“Há diferentes sequelas possíveis, por isso falamos que prematuridade não é só nascer prematuro e acabou. Depois da alta, a história continua”.

(*) Com informações da Folhapress
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