Debate na Câmara dos Deputados pede por mais mulheres indígenas na política

Wanda Ortega Witoto - líder indígena do Amazonas (Paulo Sérgio/Câmara dos Deputados)

Yusseff Abrahim – Da Revista Cenarium

BRASÍLIA – A afirmação e o encorajamento à participação política foram os destaques da audiência pública com o tema “Mulheres Indígenas na Política: Avanços e Conquistas”, realizada na manhã desta terça-feira, 22, pela Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados.

A reunião fez parte da agenda da campanha ‘Março Mulher’, que celebra os 90 anos da justiça eleitoral e do voto feminino.

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O evento foi aberto pela primeira mulher indígena eleita deputada federal, Joenia Wapichana (Rede/RR), que propôs a reunião para celebrar as conquistas sociais, econômicas e políticas das mulheres, além de conscientizar a população sobre desigualdades étnica e de gênero. Vítima de falas violentas de alguns colegas deputados, Joenia mostra disposição para se afirmar enquanto candidata eleita.

“Nós mulheres, cidadãs brasileiras, oriundas dos povos originários deste País, temos o direito de estar e permanecer nos cargos que são cabidos a qualquer um brasileiro e brasileira, seja no Congresso Nacional, cargo público ou profissão”, comentou.

Disposta a apresentar uma visão amazônica para a política, a deputada criticou a falta de sentimento de coletividade no Brasil e no resto do mundo.

“Nós valorizamos a nossa política do “Malocão”, que é feita lá na comunidade indígena, de forma coletiva e democrática, que a gente tenta trazer para este Congresso de uma forma educativa, como forma de incorporar os valores indígenas que estão faltando, hoje, em muitas partes do mundo; por isso está havendo guerra, cobiça em relação às terras indígenas, porque está faltando um olhar de responsabilidade em recursos naturais e, principalmente, o sentimento de humanidade que está se perdendo e as mulheres vão trazer novamente”.

A política precisa de mulheres

Disputando um lugar na política representativa, desde 2004, como candidata à vereadora, a atual vice-prefeita do município de Normandia, em Roraima, Veralice Lima de Oliveira, transmitiu uma mensagem de motivação para que as mulheres entrem na política e se sintam capazes de disputar e honrar os espaços conquistados.

“Não desistam, façam o que vocês quiserem, porque nós somos capazes, a gente é mãe, avós, donas de casa, agricultoras, vereadoras, vice-prefeitas, prefeitas e deputadas”.

Ao destacar que Normandia, há muito tempo, conta com pelo menos duas vereadoras, a vice-prefeita exaltou a diferença da política sob o ponto de vista feminino.

“Conheço várias mulheres indígenas em Normandia que são muito capazes, precisamos motivá-las para que continuem na política nos defendendo. Já foi comprovado que nós mulheres fazemos uma política melhor, até em qualidade, porque mulheres são mais doces, têm olhar diferenciado, mais honesto e estamos mostrando isso para a sociedade”.

A mulher indígena e a justiça eleitoral

Outra convidada do evento, a presidente do Núcleo de Inclusão e Diversidade da Secretaria-Geral da Presidência do Tribunal Superior Eleitoral, Samara Pataxó, lembrou da participação quase nula das mulheres indígenas nos 90 anos da Justiça Eleitoral brasileira, mas já identifica esforços institucionais para avanços.

“Há um movimento das instituições, pouco mais significativo. No TSE existem diversas comissões, de gênero, igualdade racial, onde estou inserindo a cultura indígena e plantando uma semente”, disse a advogada, que é nativa da aldeia Pataxó no Sul da Bahia.

Mesmo com as conquistas de cidadania plena, adquiridos a partir da Constituição de 1988, Samara comentou sobre as barreiras que já deveriam ter sido superadas, mas persistem, como a dificuldade de reconhecimento da identidade indígena por parte da população, incorrendo numa dupla discriminação sobre as mulheres.

“Além de lidar com o racismo estrutural, temos que agir de forma a descolonizar nossos corpos e a ideia que outros têm a nosso respeito, querendo ditar onde devemos estar. Participamos, politicamente, de diversas formas, desde como votamos, sendo votadas, exercendo cidadania de forma plena, sob o direito de exercer mandatos livres de discriminação, assédio e violências”, explicou.

A advogada concluiu sua fala com um apelo para que mulheres indígenas fiquem atentas aos convites para candidaturas em grupos oportunistas que querem apenas fazer uso eleitoral da representatividade.

“Quero alertar as parentes para tomarem cuidado com as propostas de candidatura, para não servirem de “laranjas”. Infelizmente, muitas mulheres indígenas e mulheres em geral são cooptadas. Então, vamos estar atentas para que possamos exercer o protagonismo e que a nossa voz e a nossa luta prevaleçam sobre qualquer tipo de proposta antiética e anti-indígena”.

Espaço geográfico desafia a representatividade

Participando de um coletivo que, atualmente, articula a construção de candidaturas no Amazonas, a líder indígena Vanda Ortega Witoto apontou o desafio do espaço geográfico no percurso da representatividade.

“Pela distância da capital, quem consegue alcançar os territórios é só quem já está nesse cenário político há muito tempo e tem recursos, essas diferenças dificultam nossa caminhada junto a jovens, idosos, lideranças e todas as comunidades”, disse Witoto.

Para ela, este é um dos fatores estruturais que explica a ocupação dos mandatos políticos por homens brancos para representar a Amazônia nas esferas municipal, estadual e federal.

“Temos a maior população indígena do País e não temos uma representação política indígena para demandar a defesa de seus territórios, que dialogue com o Estado em prol dessas populações, dessa região e, sobretudo, na defesa da Amazônia, neste momento histórico importante”.

Witoto, que é pré-candidata à deputada federal, considerou que estar representados nos espaços que constroem a política é o que faz a diferença entre o estabelecimento dos direitos na Constituição de 1988 e a sua efetivação na sociedade.

Também participou do evento a assistente social e cacique Ô-é Kayapó que destacou a representatividade feminina interna entre os Kayapó, com o início do caçicado em 2012, que elevou as mulheres a encabeçarem posicionamentos políticos dentro e fora do território.

As deputadas Érika Kokai (PT/DF) e Ângela Amin (Progressistas) foram as presenças parlamentares.

SAIBA MAIS

Na eleição de 2020, um levantamento da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral, indica que foram eleitos 234 representantes indígenas de 71 povos originários, sendo 10 prefeitos, 11 vice-prefeitos e 213 vereadores. Ao todo, somente 31 mulheres indígenas foram eleitas, o que corresponde a apenas 13% deste segmento de representantes.

Assista a audiência pública na íntegra

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