Caso Milton Ribeiro é enviado ao STF após suspeitas de interferência de Bolsonaro

Milton Ribeiro deixou o governo em março, pressionado pelo escândalo do gabinete paralelo de pastores no MEC. Foto: Alan Santos/PR
Com informações da Folha de S.Paulo

BRASÍLIA – Após suspeitas de interferência do presidente Jair Bolsonaro (PL) nas apurações, o juiz Renato Coelho Borelli enviou os autos das investigações sobre o ex-ministro Milton Ribeiro e pastores suspeitos de atuarem no Ministério da Educação para análise do STF (Supremo Tribunal Federal).

O magistrado, da Justiça Federal do Distrito Federal, deu a decisão após o Ministério Público Federal apontar “indício de vazamento da operação policial e possível interferência ilícita por parte do presidente da República Jair Messias Bolsonaro nas investigações”.

Em interpretação telefônica que captou conversas do ministro, Ribeiro afirma que “ele acha que vão fazer uma busca e apreensão… em casa… sabe… é… é muito triste”.

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“Bom! Isso pode acontecer, né? Se houver indícios né…”, afirmou o ex-ministro, segundo as transcrições. A reportagem apurou que esse “ele” mencionado por Ribeiro como uma possível referência a Bolsonaro.

O presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro – Evaristo Sá – 4.fev.2022/AFP

Nos diálogos interceptados, o ex-ministro afirma que teme a medida. “Eu acho assim, que o assunto dos pastores… é uma coisa que eu tenho receio um pouco é de… o processo… fazer aquele negócio de busca e apreensão, entendeu?”, disse a um interlocutor.

Além dessa conversa telefônica, outro motivo para a remessa foi a mensagem enviada a colegas pelo delegado federal responsável pelo pedido de prisão de Milton Ribeiro, de que houve “interferência na condução da investigação”.

Bruno Calandrini diz no texto que a investigação foi “prejudicada” em razão de tratamento diferenciado dado pela polícia ao ex-ministro do governo Jair Bolsonaro. O episódio foi revelado pelo jornal Folha de S.Paulo.

“Registre-se também que há indícios de igual interferência na atividade investigatória da Polícia Federal quando do tratamento possivelmente privilegiado que recebeu o investigado Milton Ribeiro”, afirma a manifestação do Ministério Público.

A Procuradoria cita que o ex-ministro “não foi conduzido [de São Paulo] ao Distrito Federal (não havendo sido tampouco levado a qualquer unidade penitenciária) para que pudesse ser pessoalmente interrogado pela autoridade policial que preside o inquérito policial, apesar da farta estrutura disponível à Polícia Federal para a locomoção de presos”.

O juiz Borelli determinou a interrupção de interceptações telefônicas dos investigados e a remessa do processo para o Supremo. Ele solicita que a ministra Cármen Lúcia, que ficou responsável por decisões nas investigações sobre Milton Ribeiro quando ele era ministro, seja a relatora do caso.

“Figurando possível a presença de ocupante de cargo com prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, cabe ao referido Tribunal a análise quanto à cisão, ou não, da presente investigação”, afirmou o juiz.

Segundo ele, cabe a Cármen Lúcia a decisão a respeito do prosseguimento da investigação na Justiça Federal do Distrito Federal ou que parte dos autos fique sob responsabilidade do STF.

Milton Ribeiro foi preso preventivamente na última quarta (22) por decisão de Borelli e solto um dia depois, após determinação do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região). Também foram presos, entre outros, os pastores Arilton Moura e Gilmar Santos, ambos ligados a Bolsonaro.

Em nota, o advogado do ex-ministro, Daniel Bialski, disse que recebeu com surpresa a decisão da remessa dos autos para o STF.

“Observando o áudio citado na decisão, causa espécie que se esteja fazendo menção a gravações/mensagens envolvendo autoridade com foro privilegiado, ocorridas antes da deflagração da operação”, afirmou o advogado, em nota.

“Se assim o era, não haveria competência do juiz de primeiro grau para analisar o pedido feito pela autoridade policial e, consequentemente, decretar a prisão preventiva.”

A defesa afirma que irá analisar tudo o que foi anexado aos autos “se lhe for franqueada vista da íntegra da documentação”. “Todavia, se realmente esse fato se comprovar, atos e decisões tomadas são nulos por absoluta incompetência e somente reforça a avaliação de que estamos diante de ativismo judicial e, quiçá, abuso de autoridade, o que precisará também ser objeto de acurada análise”, disse.

Ribeiro é investigado pelas suspeitas de crimes de corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência, num caso que enfraquece ainda mais o discurso anticorrupção de Bolsonaro.

​Borelli é o juiz federal que determinou a prisão de Ribeiro. De acordo com a Justiça Federal do Distrito Federal, após sua decisão, ele recebeu centenas de ameaças de grupos de apoio ao governo Bolsonaro.

Ney Bello, o juiz do TRF-1 que revogou as prisões, está em campanha para ser indicado por Bolsonaro para uma das duas vagas de ministros abertas no STJ (Superior Tribunal de Justiça).

“Verifico que a busca e apreensão já foi realizada, as quebras de sigilos já foram deferidas e não há razão o bastante para a manutenção da prisão, sem a demonstração concreta de onde haveria risco para as investigações”, disse o magistrado.

Segundo ele, apesar de não ser necessária a prisão, os possíveis crimes devem ser investigados.

Em nota, o advogado do ex-ministro disse que na decisão de Ney Bello “felizmente, a ilegalidade foi reconhecida e a prisão revogada. A defesa aguarda o trâmite e a conclusão do inquérito, quando espera que será reconhecida a inocência do ex-ministro”.

A defesa de Gilmar Santos tem dito que o pastor não cometeu irregularidades. Já a de Arilton afirma que só se manifestará nos autos.

Os pastores são peças centrais no escândalo do balcão de negócios do ministério. Como mostrou a Folha, eles negociavam com prefeitos a liberação de recursos federais mesmo sem ter cargo no governo.

Os recursos são do FNDE, órgão ligado ao MEC e controlado por políticos do centrão, bloco político que dá sustentação a Bolsonaro desde que ele se viu ameaçado por uma série de pedidos de impeachment.

O fundo concentra os recursos federais destinados a transferências para municípios. Prefeitos relataram pedidos de propina, até em ouro.

Em áudio revelado pelo jornal Folha de S.Paulo, Milton Ribeiro disse que priorizava pedidos dos amigos de um dos pastores a pedido de Bolsonaro.

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