China e Rússia anunciam parceria ‘sem limites’ em meio a tensões com potências ocidentais

Os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e da China, Xi Jinping, em encontro em Pequim nesta sexta-feira(SPUTNIK / via REUTERS)

Com informações do InfoGlobo

CHINA/RÚSSIA — Os presidentes da China, Xi Jinping, e da Rússia, Vladimir Putin, reuniram-se nesta sexta-feira, 4, em Pequim, e deram uma exibição de unidade planejada em detalhes, classificando como “sem limites” a parceria entre os dois países.

A reunião — a primeira presencial de Xi com um líder estrangeiro desde o início da pandemia —  demonstrou um aprofundamento da relação entre os dois países, enquanto continuam as tensões entre o Kremlin e as potências ocidentais, com a sombra da ameaça de uma invasão russa à Ucrânia, e em um contexto mais amplo de rivalidade sistêmica entre Washington e Pequim.

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Uma longa declaração conjunta foi divulgada após o encontro, que ocorreu  pouco antes da abertura da Olimpíada de Inverno de Pequim, na qual Putin e Xi acusam  “certos Estados e certas alianças e coalizões políticas e militares” de minar a “estabilidade estratégica global” ao se comportarem de acordo com uma “ideologia da Guerra Fria” e tentarem impor “seus próprios padrões democráticos” a outros países.

A ambiguidade dos alvos da acusação é proposital, mas ela se dirige no mínimo aos Estados Unidos, à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e ao pacto militar firmado no ano passado entre Austrália, EUA e Reino Unido, o Aukus.

A declaração afirma-se contra a expansão da Otan, denuncia a formação de blocos de segurança na região da Ásia-Pacífico, faz diversas declarações a favor do papel da ONU nas relações internacionais e se diz contra a “interferência em assuntos internos de países soberanos” e contra “revoluções coloridas”, termo usado pela Rússia para classificar movimentos pró-democracia em suas áreas de influência.

“As partes opõem-se a uma maior expansão da Otan e apelam à Aliança do Atlântico Norte para que abandone as suas políticas com uma ideologia da Guerra Fria e respeite a soberania, a segurança e os interesses de outros países, a diversidade de seus padrões civilizacionais e histórico-culturais, e trate o desenvolvimento pacífico de outros Estados de forma objetiva e justa”, diz o texto.

“Os lados pedem o estabelecimento de um novo tipo de relacionamento entre as potências mundiais com base no respeito mútuo, coexistência pacífica e cooperação mutuamente benéfica”, acrescenta.

Em defesa de interesses prioritários dos dois países, o comunicado defende “garantias de segurança juridicamente vinculantes a longo prazo na Europa” — uma exigência russa ligada à Ucrânia — e diz que a Rússia considera “Taiwan uma parte inseparável da China”.

O texto declara que os países formam uma aliança num nível sólido e inédito, mas toma o cuidado de dizer que esta aliança não visa alvos estrangeiros.

“As novas relações interestatais entre Rússia e China são superiores às alianças políticas e militares da época da Guerra Fria. A amizade entre os dois Estados não tem limites, não há áreas ‘proibidas’ de cooperação, o  reforço da cooperação estratégica bilateral não visa países terceiros nem é afetado pela mudança do ambiente internacional e pelas mudanças circunstanciais em países terceiros”, afirma o documento.

Este foi o 38º encontro entre Putin e Xi desde que se reuniram pela primeira vez em 2013, quando Xi assumiu a Presidência. Putin foi o primeiro líder internacional a confirmar que compareceria à abertura dos Jogos de Inverno, sendo seguido por mais de 20. A presença desses líderes diminui o peso do boicote à Olimpíada pelos Estados Unidos e aliados como o Reino Unido, sob a alegação de violações de direitos humanos pela ditadura chinesa. Após o encontro, Putin seguiu para a cerimônia de abertura dos Jogos.

Acordo de gás

Em termos concretos, as partes anunciaram um contrato de 30 anos que aumentará o fornecimento de gás da Rússia para a China por meio de um novo gasoduto, que conectará a região do Extremo Oriente da Rússia ao Nordeste da China. O anúncio indica que a Rússia pode buscar outras parcerias comerciais caso sofra sanções econômicas dos EUA e da União Europeia.

A Rússia já é o terceiro maior fornecedor de gás para os chineses, por meio do gasoduto Força da Sibéria, inaugurado em 2019, e de remessas marítimas de gás liquefeito.  Com o novo gasoduto, a estimativa anual de fornecimento em 2025 passa de 38 bilhões de metros cúbicos para 48 bilhões.

A Gazprom, que detém o monopólio das exportações russas de gás por gasoduto, deve começar a operar o novo gasoduto dentro de dois a três anos. Os pagamentos da obra devem ser liquidados em euros, o que evitará restrições a transações em dólar por parte do governo americano, uma forma de pressão diplomática de Washington que há muito incomoda os outros dois governos.

No início do encontro, em cenas exibidas na televisão estatal russa, Putin cumprimentou Xi em um tapete vermelho na casa de hóspedos do governo no Oeste de Pequim, levantando a mão em saudação. O líder chinês respondeu, por meio de um tradutor:

“Olá! Estou muito feliz em vê-lo”, disse. Putin disse a ele que a relação entre China e Rússia havia “assumido um caráter verdadeiramente sem precedentes”.

“É um exemplo de um relacionamento digno que ajuda cada um de nós a se desenvolver enquanto apoia o desenvolvimento um do outro” disse Putin.

Além do comunicado conjunto, os dois países divulgaram notas independentes após o encontro. O Kremlin classificou o encontro como “muito caloroso, construtivo e substantivo”, enquanto Xi disse estar pronto para “trabalhar com o presidente Putin para planejar e orientar o curso das relações sino-russas sob novas condições históricas”, de acordo com a agência oficial Xinhua.

Nos dias anteriores à reunião, Pequim manifestou apoio às queixas de Putin contra os Estados Unidos e a Otan, e ficou do lado da Rússia em discussões no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Embora não seja parte do conflito, o governo chinês viu na crise uma oportunidade para minar a influência de Washington, que mantém uma rivalidade estratégica com Pequim.

Moscou busca apoio após posicionar 100 mil soldados perto de sua fronteira com a Ucrânia, o que levou os países ocidentais a alertarem para o risco de uma invasão, que o Kremlin nega pretender, e ameaçarem “graves consequências” em retaliação.

Ao mesmo tempo, a China tem ressaltado que as disputas em torno da Ucrânia devem ser resolvidas de modo pacífico. Analistas destacam que uma guerra não interessa à potência asiática, que enfrenta um ano crucial de reformas econômicas e no qual se realizará o 20º congresso do Partido Comunista, no qual Xi deverá ser escolhido para um terceiro mandato inédito na liderança chinesa desde os anos 1980.

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