‘Conflito de terra é, hoje, principal causa de suicídio indígena’, diz antropóloga e líder do povo Kaiowá

Mulheres indígenas em protesto por demarcações de terra, uma das causas de suicídio no País. (Andressa Zumpano/ CPT-MA)

Victória Sales e Luís Henrique Oliveira – Da Cenarium

MANAUS – O suicídio é um problema de saúde pública com impactos na sociedade como um todo. O Relatório de Violência contra os Povos Indígenas, divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), registrou 101 suicídios de indígenas no País em 2020, sendo os maiores números no Amazonas (39 casos), Mato Grosso do Sul (32 casos) e Roraima (10). Embora os dados de 2021 ainda não tenham sido contabilizados e divulgados, a doutoranda, antropóloga e líder do povo Kaiowá, Valdelice Véron, citou as principais causas dessa problemática.

“A pobreza, fatores históricos e culturais, baixos indicadores de bem-estar, desintegração das famílias, vulnerabilidade social, falta de sentido de vida e futuro, escassez de terras ou ter um familiar que morreu por suicídio foram apontados como motivadores para as altas taxas de suicídio nos povos indígenas. Na verdade, são vários motivos, um dos principais fatores é a questão das nossas terras que são invadidas e esses conflitos não acabam nunca e traz toda essa violência”, destacou a doutoranda que se baseou em estudos científicos durante seu doutorado.

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Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), estima-se que, no mundo, mais de 700 mil pessoas morrem por suicídio anualmente, sendo a quarta maior causa de mortes de jovens de 15 a 29 anos de idade. Nesse contexto, evidências têm demonstrado ainda maiores riscos de suicídio entre grupos em situação de maior vulnerabilidade, como migrantes e refugiados, população LGBT e povos indígenas. Já o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, divulgado este mês, reforça que, nesse ponto, destaca-se a região Norte, onde se concentra a maior proporção da população indígena do País.

Cacique indígena conversa com membros da aldeia (Mobilização Nacional Indígena/Divulgação)

Valdelice informou ainda que essas questões são diferentes em Terra Indígena (TI) e Reservas Indígenas. “Nas reservas, quando nosso governante faz isso, ele não observa nossa forma de vida. Além de que lá não existe autonomia. Somos atacadas por pistoleiros e tudo isso é muito complicado e é um problema que precisa ser debatido”, relatou.

A líder indígena relata ainda que o assunto precisa ter um debate maior por parte dos governantes. “Para se ter uma ideia, existe o problema do conflito que desencadeia em perdas. A violência é desencadeada nesses conflitos e há o momento que o indígena fica sozinho e acaba recorrendo ao suicídio como se fosse uma saída e sabemos que não é.

Eu mesmo já perdi muitos parentes para o suicídio, sendo os dois últimos na última semana. Eles tinham 19 e 23 anos. Uma grande perda. E para combatermos isso, é preciso que nossos governantes façam ações de governo mais firmes, ouvindo indígenas reais e executando essas ações da melhor forma possível”, reafirmou.

De acordo com dados recentes do Ministério da Saúde, a mortalidade por suicídio é alta entre os homens indígenas, sendo 23,1 mortes por 100 mil habitantes, enquanto que a taxa para homens brancos é de 9,5, e negros 7,6 mortes. Entre as mulheres indígenas a taxa também é maior (7,7), na comparação com brancas (2,7) e negras (1,9).

Alarmante ao compararmos com a média nacional. O Brasil registrou uma média de 5,8 óbitos para 100 mil habitantes, a maioria entre os 15 e 29 anos de idade. Na população indígena foi quase três vezes maior que a média nacional, 15,2 registros por 100 mil, sendo 44,8% jovens em idade entre 10 e 19 anos.

De acordo com o antropólogo Ademir Ramos, existe um desencanto dos jovens quando se fala do presente e futuro seu e do povo. “Considerando que, tanto o governo federal quanto o estadual e municipal, nada ou quase nada fazem em favor da vida, trabalho e da sustentabilidade desses povos, sobretudo, em atenção à população infantojuvenil. As drogas ilícitas, juntamente, com o álcool têm sido uma praga disseminada estrategicamente para dominar e reduzir historicamente estes povos, estruturalmente registra-se também a desorganização das comunidades e com isso as regras tradicionais são violadas, fato este que, resulta do processo de redução ou de integração desses povos a sociedade regional pelo processo migratório às cidades”, destacou.

Ademir relata ainda que o fato de a União e o Estado, e o próprio Congresso Nacional, de fazerem pouco caso para a vida, a cultura e o futuro dos povos indígenas no Brasil afeta ainda mais. “Para esta gente, com ressalvas, eles são entraves para o avanço da mineração, do agronegócio, das grilagens e outros saques”, destacou.

O antropólogo explica que entre os casos a se destacar está os Yanomami, tanto em Roraima como em Santa Izabel do Rio Negro, no Amazonas, estão saindo de suas terras e se aproximando cada vez mais da cidade colocando em risco suas vidas, cultura e saúde. “Fazem isso como estratégia de sobrevivência, porque estão em total abandono visto que suas terras foram demarcadas, mas o governo não criou condições para que eles pudessem se sustentar e com isso as fronteiras nacionais ficam cada vez mais vulneráveis”, explicou.

Diferença

Um fator marcante entre os riscos de suicídio é a distinção dos sexos. Os homens apresentam um risco maior em relação às mulheres, quando se trata de morte por suicídio. “Essas diferenças têm sido associadas à maior agressividade e uma maior intenção de morrer entre homens, levando ao emprego de métodos mais letais, maior acesso a armas de fogo e outros objetos letais, e maior suscetibilidade aos impactos de instabilidades econômicas entre homens”, afirmou o boletim.

Ainda de acordo com o documento, estudos têm demonstrado um risco ainda maior por suicídio em populações indígenas. Segundo um estudo de Roraima, o risco de suicídio é 74% maior entre indígenas, comparados a não indígenas. No Amazonas, identificou-se uma taxa de mortalidade por suicídio em indígenas, com 18,4 por 100 mil, sendo 4,4 vezes superior à população não indígena, com 4,2 por 100 mil. No entanto, entre indígenas o maior risco foi observado entre jovens de 15 a 24 anos, entre os não indígenas, o maior risco foi verificado entre idosos.

Documentos escritos do sociólogo Èmile Durkheim, que viveu no século passado, mostram que cada sociedade está predisposta a fornecer um contingente determinado de mortes voluntárias, e o que interessa à sociologia sobre o suicídio é a análise de todo o processo social, dos fatores sociais que agem não sobre os indivíduos isolados, mas sobre o grupo, sobre o conjunto da sociedade. Cada sociedade possui, a cada momento da sua história, uma atitude definida em relação ao suicídio.

Ações de prevenção

Entre as principais estratégias de prevenção está a necessidade de ter um envolvimento maior entre os líderes governamentais e as lideranças indígenas, além de definições dessas intervenções voltadas para a prevenção do suicídio. “Os indígenas precisam ser ouvidos, pois as Políticas Públicas são feitas para isso”, disse a doutoranda em antropologia.

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