Crise do clima afeta saúde individual com mais dias de calorão e tempo seco

Árvores queimadas em Apuí, interior do estado do Amazonas (Bruno Kelly/Reuters)

Com informações da Folhapress

SÃO PAULO (SP) – OK, você já entendeu que a crise do clima é para valer e causada pela atividade humana, como mostrou o relatório recente do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança do Clima). Agora, como isso pode afetar seu dia a dia? O impacto do aumento da temperatura média na Terra é planetário, com elevação do nível do mar e alteração de ecossistemas inteiros, entre outras mudanças.

Alterações regionais do clima, com maior frequência de eventos extremos, já são percebidas e se intensificarão nos próximos anos, com consequências diretas na saúde de todos. No Brasil, alguns estados conviverão com mais dias de calorão, que podem ser prejudiciais à saúde a ponto de provocar a morte de idosos.

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Em outros, chuvas intensas se tornarão mais recorrentes, ocasionando inundações que aumentam o risco de doenças, quando não destroem bairros e cidades. Por fim, as secas também devem ficar mais intensas, o que pode agravar problemas respiratórios. Além disso, tanto as chuvas intensas quanto as secas prejudicam lavouras, aumentando o preço dos alimentos.

Um exemplo prático de aumento de temperatura está no Sudeste e no Sul do Brasil. Segundo o cenário mais otimista do IPCC, até 2040 os dias com termômetros acima de 35°C passarão de 26 por ano (média de 1995 a 2014) para 32. Num cenário intermediário, até o final do século esse número pode chegar a 43, um aumento de mais de 65% em relação à situação recente.

No Centro-Oeste, o aumento do calorão é ainda mais severo. No cenário intermediário, do IPCC, a média de 53 dias por ano com termômetros acima de 35°C salta para cerca de 72 até 2040 e para 108 até o fim do século, ou pouco mais de um trimestre de temperatura extrema.

As consequências para a saúde são graves. Ondas de calor extremo podem causar hipertermia, que afeta os órgãos internos e provoca lesões no coração, nas células musculares e nos vasos sanguíneos. São danos que podem levar à morte.

Homem empurra carrinho com frutas em rua inundada, em Manaus, que enfrentou, nos últimos meses, a maior cheia já registrada do Rio Negro (Michael Dantas/AFP)

Em junho, uma onda de calor nos estados de Oregon e Washington, nos Estados Unidos, custou a vida de centenas de pessoas. Segundo reportagem do jornal The New York Times, foram registrados cerca de 600 óbitos em excesso no período.

Além do calor, a crise do clima deve tornar mais frequentes os períodos de seca e os dias sem chuva em muitas regiões. É o caso da Amazônia. Dados do IPCC apontam que, na Região Norte, no período 1995-2014 eram, em média, 43 dias consecutivos sem chuva por ano, que podem aumentar para 51, com períodos 10% mais secos até 2040.

Situação similar deve ocorrer no Centro-Oeste, que tinha 69 dias consecutivos sem chuva por ano, que podem ir a 76, com períodos 13% mais secos. Períodos mais secos nessas regiões preocupam por causa das queimadas. Na Amazônia, por exemplo, a época sem chuvas é associada à intensificação de processos de desmatamento e de incêndios.

As queimadas na Região Amazônica têm relação com piora da qualidade do ar e consequentes problemas respiratórios. A Fiocruz e a ONG WWF-Brasil estimam que estados amazônicos com índices elevados de queimadas tenham gastado, em dez anos, quase R$ 1 bilhão com hospitalizações por doenças respiratórias provavelmente relacionadas à fumaça dos incêndios.

No ano passado, o Pantanal passou por sua pior seca dos últimos 60 anos, estiagem que ainda pode continuar por até cinco anos, segundo afirmou à época a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil. A situação fez explodir o número de queimadas na região. O IPCC também aponta aumento da frequência e da intensidade de chuvas extremas e enchentes em diversas regiões do Brasil.

Além dos danos óbvios na infraestrutura das cidades, as inundações provocam problemas de saúde. Hepatite A (transmitida de modo oral-fecal, ou seja, por alimentos e água contaminada) e leptospirose (com transmissão a partir do contato com urina de ratos) são suspeitos conhecidos, mas há também o risco de acidentes com animais peçonhentos, já que cobras e escorpiões podem procurar abrigos dentro das casas.

Manaus tornou-se exemplo recente desse tipo de situação. A cidade enfrentou uma cheia histórica, a maior desde o início das medições, há 119 anos. As águas do Rio Negro provocaram inundações com duração superior a um mês na principal capital da Região Amazônica. Seis das dez maiores cheias já registradas no rio ocorreram no século 21, ou seja, nas últimas duas décadas.

Ruas da região do porto de Manaus tiveram que ser interditadas e foi necessária a construção de passarelas sobre as vias alagadas. Enquanto isso, comerciantes fizeram barreiras com sacos de areia e jogaram cal na água parada para tentar neutralizar o cheiro de fezes.

Em meio à inundação em igarapés, houve acúmulo de lixo, que chegou a cobrir toda a área superficial da água. Dentro das casas, moradores usaram plataformas de madeira (chamadas de marombas) para suspender móveis e eletrodomésticos. As enchentes não são exclusividade amazônica. Elas também ocorrem na região Sudeste, em São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo.

Pouco tempo depois da cheia em Manaus, a Europa também viu chuvas intensas concentradas em um curto espaço de tempo causarem inundações severas, principalmente na Alemanha. Além da destruição de vias públicas e imóveis, houve mais de uma centena de mortes.

Também no mesmo período, a China teve que lidar com grandes precipitações e perda de vidas humanas pelas inundações, que chegaram a encher de água o metrô, deixando pessoas presas. Foram as piores chuvas em 60 anos em Zhengzhou, capital da província de Henan.

Em termos globais, um estudo recente apontou o aumento da população exposta a inundações. De 2000 a 2015, de 255 milhoes a 290 milhões de pessoas foram diretamente afetadas por enchentes.

ATLAS

Umas das novidades do novo relatório do IPCC é o espaço dedicado às emergências climáticas regionais e, relacionado a isso, o Atlas interativo, uma ferramenta que permite o acesso às informações do clima de diferentes regiões do mundo.

Segundo Lincoln Alves, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e autor-líder do Atlas do IPCC, a ferramenta pretende facilitar o acesso a informações normalmente complexas. “É visível a mudança do clima”, afirma o pesquisador.

A partir do Atlas, diz Alves, é possível que comunidades, empresas e até esferas do governo consigam olhar de forma mais regional para os efeitos da crise do clima.

A ferramenta permite ver a história climática da Terra e observar as projeções para diferentes variáveis em diferentes cenários de emissões –e de aquecimento, como 1,5°C e 2°C– apontados pelo IPCC.

PRINCIPAIS CONCLUSÕES DO RELATÓRIO DO IPCC

Aumento de temperatura provocada pelo ser humano desde 1850-1900 até 2010-2019: de 0,8°C a 1,21°C.
Os anos de 2016 a 2020 foram o período de cinco anos mais quentes de 1850 a 2020. De 2021 a 2040, um aumento de temperatura de 1,5°C é, no mínimo, provável de acontecer em qualquer cenário de emissões.

A estabilização da temperatura na Terra pode levar de 20 a 30 anos se houver redução forte e sustentada de emissões. O oceano está esquentando mais rápido -inclusive em profundidades maiores do que 2.000 m- do que em qualquer período anterior, desde pelo menos a última transição glacial. É extremamente provável que as atividades humanas sejam o principal fator para isso.

O oceano continuará a aquecer por todo o século 21 e provavelmente até 2300, mesmo em cenários de baixas emissões. O aquecimento de áreas profundas do oceano e o derretimento de massas de gelo tende a elevar o nível do mar, o que tende a se manter por milhares de anos.

Nos próximos 2.000 anos, o nível médio global do mar deve aumentar 2 a 3 metros, se o aumento da temperatura ficar contido em 1,5°C. Se o aquecimento global ficar contido a 2°C, o nível deve aumentar de 2 a 6 metros. No caso de 5°C de aumento de temperatura, o mar subirá de 19 a 22 metros.

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