Crônicas do Cotidiano: O Reino das Narrativas

O assunto é complexo, embora esteja na pauta da mídia, na lembrança dos que o ouviram milhares de vezes nas CPIs do Congresso Nacional, quando um Senador “Lero-Lero” repetia ad nauseam que tudo era “Narrativa”, mas esgarçando o significado da palavra e do conceito. Essa banalização do termo “narrativa” o colocou como sinônimo de “mentira”, que não bate nem com a divergência conceitual de que narrativa é, somente, a forma de expressão e representação própria da ficção; portanto, apartada do fato, das ideias correntes e da experiência individual e coletiva, que constituem modos de encararmos a realidade do nosso mundo (dentro da tradição ou da história). Não vou teorizar. Os que acharem necessária a teorização, podem recorrer a um excelente manual, publicado pela Editora Vozes, com várias reedições: Análise Estrutural da Narrativa, coletânea encabeçada por Roland Barthes e outros especialistas no assunto. Para garantir-me nesta empreitada, cerquei-me, ainda, de Walter Benjamin, Vilém Flusser, Umberto Eco, Theodor Adorno e Noam Chomski. Todos celebridades. Servem como um roteiro, nunca como convite ou apoio às minhas convicções. Para ser mais direto, fiquemos com os manuais de nossa profissão. Quero dizer com isto que o Jornalismo é sim uma modalidade de narrativa e se estrutura em torno daquelas Seis Perguntas que conhecemos no primeiro dia de aula do curso: O quê? Quem? Quando? Onde? Como? Por quê? Jornalismo é fato, é vivência, é instante, é observação dos fenômenos, é experiência acumulada e vivida para ver melhor os acontecimentos, descrevê-los e interpretá-los e opinar, se for o caso. É a partir dessa base que se constrói a narrativa jornalística em todos os seus gêneros. O que vale para o jornalismo se aplica, também, com as particularidades conceituais e estruturais das ciências que as respaldam, à Narrativa Política, à Narrativa Econômica, à Narrativa Jurídica e outras, como, por exemplo, a narrativa da encenação teatral e/ou midiática. Por causa desta última, na forma protocolar, vivemos no Brasil uma Guerra de Narrativas.

Por ideia de algum áulico ou atendendo a pedido palaciano, armou-se um cenário protocolar para prestigiar, com excessos, o Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. O conjunto da ópera construiu uma narrativa que se apresentou verdadeira até prova em contrário, de desagravo pelas humilhações impostas ao visitante pelo governo anterior, que rompeu relações diplomáticas com o país (agora reatadas) e não reconheceu Maduro como Presidente de fato e de direito. Tudo isto às vésperas de uma reunião de cúpula com todos os presidentes de países sul-americanos, em Brasília. No dia seguinte, já com ânimos acirrados, ao final da cúpula, o Presidente Brasileiro, ao apresentar à imprensa os resultados do encontro repete as loas ao Presidente Maduro e faz referência às narrativas armadas pelos adversários para fazer dele um “demônio”. Desculpando-se da sujeira nas lentes dos óculos, abandonou o discurso formal escrito (a narrativa política produzida pelo Itamaraty) e navegou nas águas turvas do discurso de improviso de um Chefe de Estado. Morreu na praia e produziu, com isto, uma nova narrativa para a imprensa internacional presente ao evento de que Maduro é o seu “rebento mais querido”. As coisas pioraram e a narrativa toma ares de verdade quando Maduro, protegido por seguranças, seus e os do GSI Brasileiro, geram um tumulto, em pleno fim de cerimônia e os “meganhas truculentos” como corpo de guarda de uma ditadura, batem em jornalistas que buscavam entrevistá-lo, dentro do Palácio do Itamaraty. Fato! Narrativa de um momento triste da vida brasileira! O Governo da República se apequena ao parir uma guerra de versões e gerar um contexto que dá a elas a veracidade necessária que não aceita desmentidos e sim um reparo profundo nos seus procedimentos.

Lembrando Benjamin, a “aura da narrativa” democrática que emoldura o atual governo foi violada, restando, portanto, um outro tipo de narrativa que se põe de pé ante os fatos consumados, caso o Governo não se retrate perante a Nação pela sua soberba, pelas suas vaidades e pelos laivos de autoritarismo que ainda insistem em existir nos nichos de poder.

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Walmir de Albuquerque Barbosa é jornalista profissional.

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(*)Jornalista Profissional, graduado pela Universidade do Amazonas; Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo; Professor Emérito da Universidade Federal do Amazonas.

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