Dez anos após tragédia que pode ter deixado 1,5 mil mortos no RJ, região ainda tem 86 mil em risco

Cenário apocalíptico em Nova Friburgo. município, assim como outros da Região Serrana do Rio, foi castigado por um forte temporal, no dia 11 de janeiro de 2011. Considerada a maior tragédia climática da história do país, a enchente deixou cidades soterradas pela lama e um total de 918 mortos, segundo dados oficiais (Pedro Kirilos/ Agência O Globo)

Com informações do O Globo

RIO – Uma década depois da maior catástrofe climática do país, a população da Região Serrana, que ainda convive com marcas da destruição e perigos do passado, segue com medo de outras tragédias. As chuvas que começaram no dia 11 de janeiro de 2011 causaram enchentes e deslizamentos, deixando oficialmente 918 mortos. Hoje, no entanto, nas cidades mais atingidas — Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis —, há pelo menos 86 mil pessoas vivendo em áreas de risco. Especialistas avaliam que, embora o fenômeno visto dez anos atrás seja raro, a região não está preparada nem para chuvas fortes.

E a previsão da meteorologia de um verão mais chuvoso no Sudeste — de acordo com o Climatempo, o volume para a Serra deve ultrapassar a média de 300 milímetros — coloca a região sob apreensão.

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“O evento ocorrido há uma década foi muito extraordinário. Mas isso não significa dizer que não devemos ter a região da Serra preparada para chuvas fortes. Infelizmente, ela não está. As condições melhoraram pouco em relação a 2011”, diz Paulo Canedo, professor do Laboratório de Hidrologia da Coppe/UFRJ. “O problema crônico é a ocupação desordenada do solo.”

Nos três municípios mais devastados, há imóveis interditados desde aquela época, desabrigados até hoje recebendo aluguel social e à espera de casas prometidas e obras que nunca foram concluídas.

Do Laboratório de Geo-Hidroecologia da UFRJ, Ana Luiza Coelho Neto diz que cálculos extraoficiais dão conta de cerca de 1.500 mortos na tragédia de 2011. De acordo com ela, estudos já mostraram que esse tipo de fenômeno, imprevisível, ocorre na região há pelo menos dez mil anos.

“As chuvas mais fortes são pouco frequentes, mas elas não avisam quando vão ocorrer. Nós precisamos desenvolver uma nova cultura de enfrentamento do que é próprio da natureza. Chuvas fortes e deslizamentos são fenômenos característicos dessas regiões montanhosas do Sudeste. Em áreas do planeta com maremoto, terremoto e vulcão as pessoas aprenderam a conviver com isso”, diz ela, que aponta uma das falhas das ações de prevenção na Serra: a falta de mapas de risco adequados, baseados em pesquisas científicas.

Ela integra um projeto piloto de gestão de risco no Córrego Dantas, em Friburgo, que envolve pesquisadores, autoridades e a própria comunidade:

“Agregamos a vivência da população ao conhecimento científico, num trabalho junto aos órgãos de busca de um modelo que possa reduzir os efeitos das chuvas fortes.”

Ruínas esquecidas

Em Teresópolis, nos bairros da Posse e do Campo Grande, algumas ruínas continuam de pé. Como um prédio de três andares na Estrada José Gomes da Costa Júnior, na Posse.

“Eu abro a minha janela e vejo esse prédio todos os dias, é muito triste ter uma lembrança diária daquela tragédia. Da minha casa, vimos a correnteza levar corpos, carros, casas, pedras e troncos de árvore. Meu filho ficou gritando para que ninguém tentasse sair, ele precisou de terapia até que conseguisse lidar com as lembranças”, recorda a aposentada Ana de Souza.

Nesses locais, há desalojados que nunca receberam a indenização do governo, outros que receberam e continuam donos dos terrenos, construindo e vendendo casas onde antes foi interditado. O imóvel abaixo da residência do carteiro Estevão de Carvalho, de 39 anos, foi derrubado pela enxurrada, e o de cima, interditado por risco de desabamento, causando medo na família.

“O que sabemos é que o dono não recebeu a indenização e, por isso, ainda não os demoliu. Já entrei com ação na prefeitura, no Inea e na Controladoria-Geral da União, estou esperando há 10 anos que tomem uma providência”, disse Estevão.

Um dos canais por onde passou grande volume d’água durante a tragédia foi o Rio Príncipe, um pequeno córrego que acabou alargado. Foram construídos muros para conter o solo, mas o rio está assoreado em alguns pontos. Outra preocupação fica por conta das três represas no Campo Grande, para conter desmoronamentos e rolamento de pedras, que estão sem conservação.

“A Região Serrana tem um histórico de chuvas fortes, por isso, as cidades precisam ser preparadas para este período. Pedimos que as contenções do rio sejam revistas, assim como as represas, pois o equipamento de aço parece ser facilmente desmontado, e não há manutenção preventiva. Além disso, o poder público não pode deixar que construam casas novamente nas áreas que foram interditadas. É um risco”, cobra Louis Chapelle, da Associação de Moradores e Amigos da Posse (Amaposse).

Ele lembra que o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) prometeu a construção de um parque fluvial, com áreas arborizadas e ciclovias, para retirar os moradores de áreas de risco e proteger as calhas dos rios. A obra, no entanto, nunca saiu do papel.

“Nosso maior medo é a falta de manutenção do que foi feito e a paralisação das obras que foram prometidas. Com uma chuva mais forte, o rio pode voltar a encher e arrancar novamente pontes e casas”, completa Chapelle, lembrando que a demolição das casas interditadas na Posse e em Campo Grande também foi uma promessa.

Em Córrego Dantas, no município de Friburgo, as obras de canalização e a contenção das margens do rio que dá nome ao bairro nunca foram concluídas. A promessa era também de criar um parque fluvial. Presidente da Associação de Moradores, Sandro Schottz relata que as intervenções iniciadas pelo Inea acabaram paralisadas em 2016. A prefeitura diz que o instituto já foi notificado da necessidade de intervenção.

Sem moradia

Dez anos depois, ainda há 282 famílias recebendo aluguel social na região, pago pelo estado ou prefeituras. O governo estadual informou já ter entregue 4.219 imóveis nos municípios atingidos, mas não diz quantas unidades ainda estão pendentes. Na época da tragédia, a previsão era de que esse número chegasse a 5 mil. Apenas em Teresópolis, o prefeito pretende solicitar ao estado a construção de 500 novos apartamentos.

A estimativa é que ainda residam em áreas de risco 18 mil pessoas em Teresópolis (10% da população) e 20 mil em Friburgo, totalizando 38 mil. Já em Petrópolis, seriam 12 mil moradias, ou cerca de 48 mil pessoas.

O governador em exercício no Rio, Cláudio Castro, ficará três dias na Região Serrana. Começou o percurso ontem por Friburgo, onde anunciou, em Córrego Dantas, R$ 220 milhões em urbanização de margens de rios, desassoreamento e canalização na cidade. Neste domingo, teve início no Córrego Dantas o programa Limpa Rio, do Inea.

Placas em protesto

Para marcar os 10 anos do desastre, associações de moradores da região espalharam placas de protesto contra a paralisação das obras e cobrando as melhorias prometidas para mitigar os riscos das chuvas. Também está marcada para esta terça-feira, a partir das 10h, uma homenagem em memória às vítimas na Ponte do Imbuí, local que dá acesso ao bairro da Posse. Hoje, apenas um bar, uma quitanda e uma padaria compõem o comércio do bairro.

Invasão

Anos depois da tragédia, casas interditadas na localidade de Campo Grande, onde a tromba d’água começou, voltaram a ser ocupadas por moradores antigos e pessoas desconhecidas. Apesar de marcadas com códigos que indicam a ordem de demolição, algumas casas próximas à encosta continuam de pé.

“Eu morava de aluguel na Posse, a casa foi levada pela água e não recebi o aluguel social. Tive que me mudar, mas há uns quatros anos o dono dessa casa me deixou morar aqui. Eu não quero sair, não quero ir para os apartamentos construídos pelo governo, onde há indícios de tráfico de drogas, nem receber o aluguel social, pois aqui é um lugar tranquilo”, afirma uma das novas moradoras, que pediu para não ser identificada.

O caseiro e polidor Adriano da Silva, de 34 anos, teve a sua casa atingida pela enxurrada em 2011 e chegou a ser soterrado por um muro. Ele conseguiu se salvar, mas a mãe e o irmão chegaram a ficar desaparecidos ao longo de um dia. A mãe foi contemplada com um apartamento no bairro Ermitage após seis anos da tragédia. Já o irmão voltou a morar em uma casa antiga da família no Campo Grande.

“Achei que eles tivessem morrido, foi por pouco. Lembrar daquele dia é muito difícil, fiquei muito tempo sem conseguir voltar aqui”, finalizou.

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