Dnit viola direitos de indígenas ao liberar projeto básico de ‘Lote C’ da BR-319, aponta artigo científico

Indígena olha para estrada BR-319, que fica no Amazonas (Composição de Paulo Dutra/Revista Cenarium)
Paula Litaiff – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) publicou uma portaria liberando o “Projeto Básico” destinado ao reasfaltamento do “Lote C” da Rodovia BR-319, que interliga Manaus (AM) a Porto Velho (RO). A liberação, publicada no dia 9 de abril, contraria uma decisão judicial e um parecer técnico detalhado no artigo científico da Science, dos pesquisadores Lucas Ferrante e Philip Martin Fearnside, prêmio Nobel por alertas a riscos do aquecimento global.

Imagem aérea da BR-319 (Dnit/Divulgação)

O “Lote C” compreende um trecho de 20 quilômetros, próximo à comunidade do Igapó-Açu, no Amazonas, entre os Km 198 e Km 218 da rodovia. Em 2020, o Dnit já havia anunciado a pavimentação do “Lote C”, uma ação que foi classificada pelo Ministério Público Federal (MPF) como de “má-fé” e “uma afronta ao Judiciário”.

A justificativa se dá porque há uma decisão em julgado que estabelece consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas impactados pela rodovia e a realização dos estudos ambientais, o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima). Nos documentos em anexo à portaria emitida pelo Dnit, não constam a presença de estudos ambientais e a consulta aos povos indígenas.

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Veja a decisão na íntegra:

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Leia o parecer do MPF:

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(Reprodução)

Na primeira tentativa do Dnit em reasfaltar o “Lote C” de 2020, os pesquisadores Lucas Ferrante e Philip Fearnside publicaram um parecer na Science apontando a necessidade judicial de reversão da portaria por conta da necessidade de consulta dos povos indígenas e realização de estudos ambientais adequados.

Em entrevista à REVISTA CENARIUM, Ferrante destacou que é fundamental que o governo brasileiro siga a legislação, realizando os estudos ambientais adequados e a consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas, conforme estabelece a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário e que foi sancionada como lei.

Mapa do Estado do Amazonas (Divulgação)

São mais de 18 mil indígenas em 63 terras, além de outras cinco comunidades e uma população de isolados impactada pela rodovia. O Ministério Público e o Judiciário devem agir imediatamente para reverter esta portaria e garantir o cumprimento da lei, afirmou o pesquisador.

A Portaria do Dnit nº 1624, sancionada pelo diretor de Planejamento e Pesquisa do órgão, Luiz Guilherme Rodrigues de Mello, não estabelece um prazo para o início das obras, uma vez que este constitui apenas um dos procedimentos no processo de reasfaltamento dos trechos da BR-319.

O Ministério dos Transportes realizará uma licitação visando à contratação de uma empresa responsável pela prestação do serviço. Em 2023, o Dnit suspendeu um contrato de mais de R$ 165 milhões com a empresa Tecon-Ardo-RC, que previa a pavimentação do “Lote C”.

BR-319 vista de cima (Reprodução/Observatório BR-319)
Abertura

A rodovia BR-319 foi aberta e pavimentada na década de 1970, mas durante as décadas de 1980 e 1990 tornou-se inutilizável pela falta de trafegabilidade. Em 2015, o Dnit retomou a manutenção da rodovia, que desde então apresenta índices crescentes de desmatamento ao seu redor.

Em um estudo publicado pelo periódico científico Land Use Policy, o pesquisador Lucas Ferrante informa que foi demonstrado que, a partir da concessão de licença de manutenção em 2015, o desmatamento aumentou na região, incluindo a abertura de ramais ilegais em unidades de conservação e terras indígenas, demonstrando a falta de governança territorial e como a maior trafegabilidade da rodovia aumenta diretamente o desmatamento.

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