‘É um progresso necessário’, diz delegada sobre aplicabilidade da Lei Maria da Penha para mulheres trans

A proteção foi conferida por unanimidade pela 6ª Turma do  (STJ) e não mais vai se limitar à condição biológica da mulher (Reprodução/ Internet)

Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium

MANAUS — “É um progresso relevante e já estava na hora. Devemos proteger qualquer mulher que seja que passe por esse processo de violência em âmbito familiar e doméstico. É direito delas que, agora, está garantido por lei”. A declaração é da titular da Delegacia Especializada em Crimes Contra a Mulher (DECCM), Débora Mafra, sobre a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nessa terça-feira, 5, em aplicar a Lei Maria da Penha de nº 11.340 de 2006 a favor de mulheres transsexuais vítimas de violência doméstica.

A proteção foi conferida por unanimidade pela 6ª Turma do STJ e deixará de se limitar à condição biológica da mulher. Um dos pontos que contribuiu para a decisão foi a medida protetiva negada pelo judiciário do Estado de São Paulo à mulher trans vítima de agressão pelo próprio pai por não aceitar o gênero da filha. Embora o caso tenha ido para o STJ e a partir de agora passe a valer para instâncias inferiores de todo o judiciário brasileiro, a delegada Débora Mafra afirma que, em Manaus, a norma já abraçava mulheres trans.

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“O que acontece é que tínhamos decisões isoladas de interpretação. Aqui, no Amazonas, as delegacias da mulher com os juizados especiais da violência doméstica e familiar entendiam que a mulher trans tem direito à proteção, sim. Porque quando nos lemos a Lei Maria da Penha, ela fala que protege o gênero feminino independente se ela nasceu biologicamente mulher”, ressalta a delegada.

“No restante do Brasil, de modo geral, não era entendido dessa forma. Havia uns Estados que aceitavam, mas a maioria não e ficava essa discussão, mas enfim o STJ decidiu de forma inédita que essa mulher possa requerer em qualquer delegacia distrital ou da mulher a Lei da Maria da Penha quando ela foi vítima de violência doméstica e familiar”, explica.

A partir de agora, a lei passa a valer para instâncias inferiores de todo o judiciário brasileiro (Reprodução/ Internet)

Orientações

Para o relator do caso, ministro Rogerio Schietti, é preciso que haja a diferenciação quanto ao conceito de gênero e sexo. O ministro atentou também para a necessidade de melhor entendimento quanto aos termos transgêneros, transexuais, cisgêneros e travestis ressaltando que no âmbito jurídico-penal e criminológico no País está pauta ainda está no modo “principiante”.

“O conceito de gênero não pode ser empregado sem se saber exatamente o seu significado e de tal modo que acabe por desproteger justamente quem a Lei Maria da Penha deve proteger: mulheres, crianças, jovens, adultas ou idosas e, no caso, também as trans”, declarou o Schietti.

Antra

Na noite dessa última terça-feira, 5, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) se pronunciou após a decisão do STJ, por meio do Instagram. ” Importante conquista para as mulheres trans”, declarou, ressaltando o dossiê elaborado pela própria Antra e foi referenciado pelo relator sobre a importância do reconhecimento da violência de gênero que alcança o referido grupo de mulheres.

“Não deve haver qualquer diferença entre mulheres cis e trans em matérias de direitos e a proteção contra a violência motivada por gênero. Art. 2º da Lei Maria da Penha: Toda mulher goza dos direitos fundamentais, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. Incluindo as mulheres trans!” legendou a associação.

Maria da Penha

A Lei Maria da Penha completou 15 anos em 2021 e tem caráter multidisciplinar visando proteger mulheres que vivem em situação de violência familiar e doméstica, com previsão de julgamento pelo Juizado Especializado em Violência Doméstica, que, inclusive, foi criado com a Lei Maria da Penha.

A norma recebeu este nome por conta da história de vida e agressões sofridas pela enfermeira Maria da Penha Maia Fernandes. Maria foi casada com o economista Marco Antônio, teve três filhas e vivia um casamento marcado por agressões e sucessivas tentativas de homicídios, entre elas um tiro de escopeta na espinha dorsal, quando tinha 38 anos de idade, deixando-a paraplégica.

Após inúmeras tentativas de provar as ações, Maria da Penha não se conformou com o fato do economista ser julgado e condenado duas vezes e sair em liberdade após entrar com recursos. A luta por justiça continuou e, no ano de 2001, o Brasil foi condenado por negligência e omissão por demorar a punir o agressor pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Em agosto de 2006, finalmente, o então presidente Lula sancionou a Lei 11.340, em homenagem à luta de Maria e o senso de justiça da mulher, que não se calou diante do agressor. A norma é reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma das três melhores leis de combate à violência contra a mulher.

Maria da Penha, mulher que deu nome à lei que protege as mulheres (Jarbas Oliveira/O Globo)

Não se cale, denuncie!

Denúncias de casos de violência domésticas podem ser realizadas pela vítima, familiares e amigos, por meio dos números 180, da Central de Atendimento à Mulher, e pelo 181, da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP). Nos casos de emergência, o pedido de socorro pode ser feito diretamente pelo 190. Os dados do denunciante são mantidos em sigilo.

Leia na íntegra o voto do ministro Rogerio Schietti.

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