‘Ecoansiedade’: entenda como as mudanças climáticas afetam a saúde mental

Crise climática tem causado medo e angústia nas pessoas (Foto: Mídia Ninja)
João Felipe Serrão – Da Revista Cenarium Amazônia

MANAUS (AM) – Em um cenário global de eventos climáticos extremos, a conturbação externa gera impacto na saúde mental da sociedade. Termos como “ecoansiedade” ou “ansiedade climática” se popularizaram nos últimos tempos e indicam a angústia pelo futuro incerto do planeta.

Um estudo da Universidade de Bath, da Inglaterra, com 10 mil jovens entre 16 e 25 anos, revelou que 75% se sentem ameaçados pelo futuro e 45% sofrem de ansiedade climática. No entanto, esta é uma discussão mais avançada fora do País, e ainda não há estudos recentes sobre o tema na região amazônica.

Embarcação encalhada no Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira, interior do Amazonas (João Claudio Moreira/Divulgação)

“À medida que as pessoas se tornam mais conscientes dos impactos ambientais negativos, como o aumento das temperaturas, eventos climáticos extremos e perda de biodiversidade, muitas experimentam sentimentos de ansiedade em relação ao futuro do planeta”, afirma a psicóloga e pesquisadora Ádria de Lima.

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Psicóloga e pesquisadora, Ádria de Lima (Foto: arquivo pessoal)

Ádria é doutora em Psicologia e compõe o grupo de pesquisa “Subjetividades, Povos Amazônicos e Processos de Desenvolvimento Humano”, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Ela é coautora do livro “Relações Pessoa-ambiente Amazônico“. De acordo com ela, é importante entender que ecoansiedade não se trata de uma patologia catalogada.

“A ecoansiedade não necessariamente é um transtorno nem classificada como tal, embora haja alguns debates a respeito disso. Existe uma ameaça real à existência da vida das pessoas e consequentemente isso repercute no bem-estar e na saúde mental. Todos os projetos para o futuro, ações para o presente e memórias do passado que fazem parte da vida das pessoas, acontecem em um ambiente, em um território, um planeta Terra e não há plano B para esse planeta. É compreensível que as pessoas fiquem preocupadas”, destacou a psicóloga. 

Seca no Rio Negro, nas imediações de Manaus (Foto: Lucas Bonny)
‘Ecopsicologia’

“O grito da Terra por ajuda contra o peso punitivo do sistema industrial que nós criamos é o nosso próprio grito por uma vida em escala e qualidade que liberte a cada um para tornarmo-nos a pessoa completa que, sabemos, nascemos para ser”.

A citação é do historiador social Theodore Roszak, um dos primeiros a usar o termo “ecopsicologia”, uma área do conhecimento que busca entender a relação entre as pessoas e o meio ambiente.

Outra área de investigação próxima é a Psicologia Ambiental, que tem um caráter multidisciplinar, envolvendo contribuições de outras disciplinas como geografia humana, sociologia urbana, antropologia e arquitetura.

Ambas as áreas têm demonstrado como os impactos das mudanças climáticas afetam não só a saúde física, mas também a mental. A psicologia entende que o ser humano constrói e é construído pelo ambiente que o cerca.

Fim do mundo?

Guerras, doenças, eventos climáticos extremos e uma série de acontecimentos fazem com que o ser humano experimente uma iminente sensação de que o fim do mundo está próximo.

A sensação de que o mundo pode acabar por conta das ações do homem, isso tá intimamente relacionado a própria condição de sobrevivência do ser humano. O medo de que o mundo pode vir a acabar está relacionado com o medo do ser humano de não morrer”, aponta Felippe Otaviano, que é psicólogo, mestre em Psicologia e professor.

Ele destaca que a ansiedade antecipa, a partir de afetos e sentimentos, um perigo futuro, em que o sujeito se projeta em cenário de ameaça.

“É uma forma do ser humano tentar se preparar para o pior e se proteger do que pode vir ocorrer. Isso vai afetando o sujeito das maneiras mais diversas. O modo como a gente interage com o ambiente e o modo como o ambiente influencia e constrói a gente é muito subjetivo. A forma como o sentimento de finitute mobiliza o sujeito em sofrimento para desenvolver mecanismos defensivos é amplo e depende dos aspectos subjetivos de cada um, as visões de mundo e cultura. A partir daí o sujeito pode desenvolver ou não agravos à saúde mental”, afirma Felippe.

O psicólogo e professor Felippe Otaviano (Foto: arquivo pessoal)
Covid

De acordo com a psicóloga Ádria de Lima, a realidade objetiva tem alimentado o medo e a angústia em relação ao futuro do planeta, fenômeno que se agravou no cenário pós-pandemia.

“O cenário vivenciado na pandemia da Covid-19 e os impactos pós-pandêmicos, as crises globais, conflitos e guerras dão indicativos da fragilidade da existência humana e temer o fim do mundo é apenas um atestado de racionalidade. Ainda que seja uma racionalidade pautada na ótica ocidental, pontua Ádria.

Como lidar?

Os especialistas recomendam que cada caso precisa ser considerado de forma muito particular e é arriscado oferecer recomendações generalistas. Porém, é preciso estar atento se a ansiedade está inviabilizando a rotina e as atividades de uma pessoa. Se for o caso, é preciso que ela busque ajuda especializada.

Outras atividades que podem ajudar é se envolver em coletivos ambientalistas ou grupos que tenham ações que buscam causar mudanças positivas na sociedade.

“A ansiedade climática é algo que, desde que a gente passou a entender que o modo como a gente se relaciona com o planeta tem sido problemático para o meio ambiente e para nós, é recorrente e vai ser muito mais daqui para frente. Não é algo que vamos nos livrar, vamos ter que aprender a lidar com isso”, finaliza Felippe.

Leia também: De burnout a depressão, pesquisa aponta luta de professores pela saúde mental

Edição: Yana Lima

Revisão: Gustavo Gilona

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