Em Manaus, Alckmin produz fake news sobre preservação ambiental e estradas

O presidente em exercício do Brasil, Geraldo Alckmin (Cadu Gomes/VPR)
Lucas Ferrante – Especial para Revista Cenarium**

MANAUS (AM) – Na coletiva de imprensa realizada hoje, 1° de março, em Manaus, o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, afirmou que o governo do presidente Lula criou um Grupo de Trabalho (GT) para discutir a sustentabilidade da rodovia BR-319, que liga Porto Velho, em Rondônia, no arco do desmatamento amazônico, até Manaus, no Amazonas, em um dos blocos mais conservados da Amazônia. Absolutamente, todos os estudos científicos revisados pelos pares apontam para a inviabilidade ambiental, econômica e de saúde pública, tornando o projeto insustentável. Apesar disso, o governo tem tentado argumentar por uma sustentabilidade que não é respaldada por estudos científicos.

Alckmin ainda afirmou: “Eu não sou especialista na área, mas se você pegar a Mata Atlântica, em São Paulo, este é um dos biomas mais preservados do País e tem rodovias”.

Da esquerda para a direita: o governador do Amazonas, Wilson Lima; o presidente em exercício, Geraldo Alckmin; o superintendente da Suframa, Bosco Saraiva; o vice-governador do Estado, Tadeu de Souza; e o prefeito de Manaus, David Almeida (Reprodução/Semcom)

Entretanto, um estudo publicado, também hoje, no periódico Biological Conservation mostrou que a Mata Atlântica é um dos biomas mais degradados e desmatados do País. Estradas e rodovias foram responsáveis por subdividir os maiores fragmentos de vegetação do bioma, causando perdas de 56% a 94% dessas áreas, apontou o estudo. O estudo, coordenado por Maurício Humberto Vancine, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, deixa claro o quanto o bioma da Mata Atlântica se encontra ameaçado, e as estradas tiveram um papel na perda de florestas do bioma. Além disso, o estudo apontou que mais de 97% dos fragmentos florestais têm menos de 50 hectares, e que até 60% destes já tiveram seu núcleo degradado pelo efeito conhecido como efeito de borda. Devido ao seu pequeno tamanho e grande exposição na paisagem, esses fragmentos podem ter sua estrutura de vegetação e biodiversidade afetada por efeitos do vento ou outros cultivos agrícolas.

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Ou seja, o vice-presidente Geraldo Alckmin produziu uma fake news para defender a viabilidade da pavimentação da rodovia BR-319.

Em um estudo publicado ano passado no periódico científico Conservation Biology também foi demonstrado que, se pavimentada, a rodovia BR-319 faria migrar as anomalias climáticas do arco do desmatamento até a Amazônia central, o que afetaria os serviços ecossistêmicos conhecidos como Rios Voadores, fenômeno de transporte de chuvas da região Amazônica para o Sul e Sudeste do Brasil. O estudo também demonstrou que isso afetaria o abastecimento de água para a população humana na região mais populosa do País e afetaria também a biodiversidade da Mata Atlântica. Ou seja, a pavimentação da rodovia BR-319 afeta áreas além do bioma amazônico.

Queimadas em área invadida por grileiros na rodovia BR-319 (Reprodução/Lucas Ferrante)

Diante das evidências científicas, é crucial que o grupo de trabalho criado pelo Ministério dos Transportes, que excluiu o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério dos Povos Indígenas, considere a literatura científica. Como foi apontado pelo periódico Nature em 30 de janeiro deste ano: “A proteção do meio ambiente é uma decisão embasada na ciência e não deve ser objeto de negociação. O governo brasileiro está minando suas próprias alegações de que está protegendo a Amazônia. Para enfatizar o compromisso do Brasil em mitigar as mudanças climáticas e promover o bem-estar global é fundamental reverter essas decisões prejudiciais”.

Em um segundo estudo, também publicado pela Nature na semana passada, foi apontado que perturbações na Amazônia entre 10% e 47% exacerbariam as mudanças climáticas e levariam o bioma ao seu ponto de não retorno. Se o cenário de desmatamento, hoje, observado na Mata Atlântica se aplicasse à Amazônia, o bioma deixaria de ser uma floresta tropical, tornando-se uma savana.

*Lucas Ferrante possui formação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Alfenas (Unifal), mestrado e doutorado em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), onde em sua tese avaliou as mudanças contemporâneas da Amazônia, dinâmicas epidemiológicas, impactos sobre os povos indígenas e mudanças climáticas e seus efeitos sobre a biodiversidade e pessoas.
(*) Este conteúdo é de responsabilidade do autor.
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