Em região de tríplice fronteira, Prefeitura de Tabatinga quer show de R$ 700 mil de Wesley Safadão; MPAM tenta barrar


06 de julho de 2022
Tabatinga fica em região considerada pelo governo federal como uma das principais rotas do tráfico de cocaína do Brasil (Divulgação)
Tabatinga fica em região considerada pelo governo federal como uma das principais rotas do tráfico de cocaína do Brasil (Divulgação)

Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

MANAUS – Em uma região localizada na tríplice fronteira entre o Brasil, a Colômbia e o Peru, considerada pelo governo federal como uma das principais rotas do tráfico de cocaína do Brasil, a Prefeitura de Tabatinga (a 1.107 quilômetros de Manaus) quer um show do cantor Wesley Safadão no 8º Festisol 2022, evento realizado na cidade entre os dias 25 a 28 de agosto. O Ministério Público do Amazonas (MPAM), no entanto, tenta impedir o espetáculo, por conta do valor a ser pago ao artista: R$ 700 mil.

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Por meio da Promotoria de Justiça de Tabatinga, o órgão ministerial ajuizou uma Ação Civil Pública (ACP), com pedido de tutela de urgência, para suspender a apresentação, anunciada pelo prefeito do Saul Bemerguy (MDB), em 8 de maio deste ano, durante a festa do Dia das Mães, no município. Segundo o MPAM, o município enfrenta uma situação precária na saúde e infraestrutura e o gasto com o cachê do artista não teria justificativa razoável na atual conjuntura.

“A população de Tabatinga enfrenta precariedade, principalmente, no campo da infraestrutura e saúde. É a primeira vez que um show no município demanda um valor tão alto e, em caso de descumprimento, o contratado deverá devolver os valores pagos com dinheiro público e a multa de 50% no valor contratado”, explicou o promotor de Justiça André Epifanio. 

Tabatinga tem aproximadamente 68 mil habitantes e, junto com Letícia, na Colômbia, e Santa Rosa, no Peru, forma uma das nove zonas de tríplice fronteira do Brasil. O município amazonense, em 2010, tinha 48,2% da população vivendo com um rendimento mensal per capita de até 1/2 salário mínimo, o que o colocava na posição 50 de 62 dentre as cidades do Estado, de acordo os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Educação digna

A ação civil pública, obtida pela REVISTA CENARIUM, foi ajuizada na quinta-feira, 30, pelos promotores de Justiça André Epifanio Martins e Fábia Melo Barbosa de Oliveira. De acordo com o documento, a prefeitura informou que o pagamento do show seria realizado com a celebração de um convênio com o Governo do Amazonas, mas o Ministério Público afirma que a medida não chegou a ser anexada e a justificativa para o gasto não foi apresentada.

Na ação, o MPAM solicita ainda que o município de Tabatinga deixe de efetuar qualquer pagamento com recursos públicos relacionados ao show do cantor Wesley Safadão. O órgão ministerial cita, ainda, que o valor a ser gasto ocorre em um momento em que “crianças e adultos padecem nos hospitais e continuam sem uma educação minimamente digna”.

Para o MPAM, a contratação “viola os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, moralidade, eficiência, proteção ao mínimo existencial, vedação da proteção insuficiente, respaldados em inúmeros precedentes do Supremo Tribunal Federal [STF]”.

“Cabe consignar que, em nenhum momento, o Ministério Público pretende cercear o desenvolvimento das atividades de fomento ao lazer, entretenimento e à cultura neste município e muito menos se imiscuir no mérito de atos administrativos, mas, diante dos valores envolvidos na dita contratação e da extensa relação de compromissos públicos, o caso foge completamente do razoável”, diz trecho da ação.

Casos parecidos

Ainda na ação, o MPAM lembrou que o ministro Humberto Martins, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), suspendeu um show do Wesley Safadão, no valor de R$ 500 mil, em uma cidade do interior do Maranhão, em abril deste ano, A decisão ocorreu após o STF reconhecer caracterizada lesão à ordem e à economia públicas.

O show aconteceria na cidade de Vitória do Mearim (a 180 quilômetros de São Luís). Segundo o STF, contudo, o ministro Humberto Martins reconheceu que “ficou demonstrada a incompatibilidade entre a despesa de R$ 500 mil com a contratação do evento artístico e a realidade orçamentária do município maranhense”.​​​​​​​​​

“O dispêndio da quantia sinalizada com um show artístico de pouco mais de uma hora, em município de pouco mais de 30 mil habitantes, justifica a precaução cautelar do juiz de primeiro grau, prolator da decisão inicial que suspendeu a realização do show”, afirmou Martins, à época.

Urucurituba

No mês de junho deste ano, após pedido do MPAM, o presidente do STF, Humberto Martins, também proibiu a realização dos shows da dupla sertaneja Bruno e Marrone, no valor de R$ 500 mil, e do grupo Sorriso Maroto, de R$ 200 mil, no município de Urucurituba (a 218 quilômetros de Manaus). No despacho, o ministro alegou haver uma desproporção entre a condição financeira da cidade e os valores a serem gastos com os shows.

Veja também: Mesmo após imbróglio na Justiça, Bruno e Marrone realizam show de R$ 500 mil no interior do Amazonas

Mesmo com a decisão, a prefeitura da cidade conseguiu realizar o show de Bruno e Marrone após acordo com um grupo de empresários que decidiram custear o gasto com o espetáculo da dupla, na 17ª Festa do Cacau. A apresentação do grupo Sorriso Maroto, no entanto, não aconteceu.

Confira a ACP do MPAM sobre Wesley Safadão:

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